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Formação Continuada de Professores: modelos, resultados e desafios

3. Incertezas, Formação Docente e Virtualização

3.2. Formação Continuada de Professores: modelos, resultados e desafios

Os artigos 63 e 67 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação prescrevem que os institutos superiores de educação fomentem a formação continuada para os profissionais de educação, assegundando-lhes “período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho”. Prevista na legislação, a formação continuada, porém, não se deu uniformemente na história da educação mais recente, no Brasil.

Sobre isso, Freitas (2003, p.1095-1124) nos lembra que muitas mudanças ocorreram entre os anos 1980 e os dias atuais; enquanto naqueles anos focava-se no que os críticos posteriores entenderam ser uma formação tecnicista, posteriormente, graças ao processo tenso entre redemocratização e exigências neoliberais, se passou a trabalhar com um enfoque de prática reflexiva, centrando-se a ação educativa na figura do professor e da sala de aula. Ora, para tanto, faz-se necessária uma superação no nível de condições que são ofertadas ao magistério.

Assim, ainda para Freitas (2003, p.1118), atualmente é a base comum nacional que contempla a consideração dos enfoques sócio-históricos dos educadores, de modo suas principais capacidades intelectuais sejam estimuladas. Diz a autora que devemos nos centrar em uma concepção omnilateral das dimensões humanas desses educadores, desde suas capacidades cognitivas, éticas, políticas, científicas, lúdica e estéticas até as expressões culturais que permeiam seu cotidiano. Tal base comum anseia ser uma maneira de “resistência aos processos de desqualificação e desvalorização do educador, mediante a imposição de uma perspectiva produtivista e tecnicista aos processos de formação” (FREITAS, 2003, p.1119).

Se a formação docente continuada, estabelecida em lei, sofreu historicamente transformações relacionadas ao perfil do profissional desejado, seus modelos também, naturalmente, foram marcados por essas metamorfoses. Tanto que, segundo Candau (1997, p.51-68) há dois tipos de formação continuada de professores: o orientado por uma visão clássica de educação e outro, por tendências atuais.

A visão clássica da formação continuada de professores está voltada a uma reciclagem dos conhecimentos adquiridos. Nesse sentido, “‘reciclar’ significa ‘refazer o ciclo’, voltar e atualizar a formação recebida” (CANDAU, 1997, p. 52). Este é um modo de formar que já se mostrou ineficiente, graças, como nos aponta Nascimento (1997, p.81-82) à terceirização da formação (palestrantes são contratados para ministrar

um assunto sem muitas vezes conhecer o enfoque daquela determinada realidade escolar), à descontinuidade em relação às ações propostas; à falta de acompanhamento (objetivos e metas são previamente definidos, mas não há acompanhamento dos mesmos, provocando posteriormente uma espécie de desmotivação do corpo docente); e ao custo excessivo em relação a palestras, seminários, encontros, etc. Nesse modelo de formação, a problematização dos dilemas diários enfrentados por estes profissionais na escola aparece pouco – contrariamente ao que deveria, conforme Garcia (2008).

Como reação à visão clássica de formação continuada de professores, um novo foco desenvolveu-se, que tem como ponto fundamental a valorização do professor e da escola como locus de formação (CANDAU, 1997). É nesse sentido que Marques (2006) trata de formação continuada, entendida como:

[...] um empenho coletivo dos educadores situados no seio das instituições, organismos e movimentos sociais, sob a forma de programas ao mesmo tempo participativos, orgânicos sistemáticos e continuados. Tendo sempre como referência básica a sala de aula assumida, não por professores isolados, mas por uma equipe dedicada ao trabalho docente solidário, nele devem articular a reflexão conjunta e o estudo em tempos programados, para que se faça ele mais integrado, mais adequado às particularidades de cada turma de alunos e mais qualificado em termos da compreensão teórica e das práticas conseqüentes (p. 210).

Nesse sentido, os Referenciais para a Formação de Professores (BRASIL, 1999, p. 132) ainda orientam que “todo programa de educação continuada deve ser definido a partir de: uma análise da realidade na qual pretende incidir, uma avaliação das ações de formação anteriores e as novas demandas colocadas [...]”. Ademais, tal posição salienta que a formação continuada não deve seguir uma sequência linear, pois cada professor é único, cada um tem suas habilidades, interesses, jeitos e desafios de ensinar particulares e influenciados pela própria personalidade do indivíduo.

A escola é lugar de formação dos docentes, pois é lá que se impõem os desafios e os percalços a serem enfrentados. A escola é, então, um lugar de profissionalização docente, pela efetivação desse ofício: o espaço escolar nos diz muito sobre o que precisamos aprender, aprimorar, melhorar, aperfeiçoar a nossa profissão e sobre nós mesmos enquanto sujeitos e profissionais. Mas para que esta se caracterize como lugar de formação, torna-se necessária uma prática reflexiva, feita em conjunto com os professores, identificando problemas, levantando questionamentos e procurando resolvê-los por meio de uma prática contínua de estudos e aperfeiçoamentos.

Entretanto, o saber docente se dá também, além dos muros da escola, o que concorre para valorizar os saberes docentes construídos ao longo da vida pessoal e do

ciclo profissional. Nesse sentido, a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação e os decretos 5.622/05 e 5.773/06 também reconhecem que a aprendizagem ocorre a distância e se dá pela mediação das tecnologias para a promoção de processos de ensino e aprendizagem em tempos e lugares diversos. O que vale não é o local específico, mas se os saberes aprendidos pelos profissionais da educação servirão para lidarem com os diversos e múltiplos desafios existentes em sua prática profissional e mais especificamente, no nosso caso de estudo, com os problemas relativos à violência por meio de diálogo e da interação professor-aluno, supondo pessoas que trabalham num coletivo com o propósito de instruir, levar valores e códigos de conduta morais e éticos.

Diante disso, identificam-se, com Candau (1997), Tardif (2002) e Pimenta (2005), fundamentos existenciais, sociais e pragmáticos que servem como eixos importantes nas tendências atuais de formação continuada: tomar a escola como locus fundamental da formação continuada, valorizar o saber docente construído na vida pessoal (que deve ser promovida) e ao longo do ciclo profissional. Assim, o desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional precisam ser levados em conta. Enquanto se deve refletir sobre as práticas que o docente mantém em sala da aula e na escola como um todo, deve-se pensar no momento em que essas práticas se dão, a partir do contexto da etapa em que se encontra sua docência, bem como nas condições institucionais que a organização escolar oferece para tais práticas. Em síntese, os autores recomendam considerar a subjetividade dos docentes, seu acúmulo de saberes experienciais e científicos, relativos ao ensino de conteúdos e ao exercício da autoridade.

Tais eixos buscam abranger níveis complementares: o estritamente individual, o profissional e o organizacional mesclam-se a toda hora, já que a docência supõe que convirjam muitos papéis e habilidades, como, por exemplo, refletir sobre os próprios saberes (formais e não formais) e os promover (nível individual); desenvolver, em sala de aula, projetos pedagógicos que atendam às necessidades do alunado (nível profissional); e trabalhar em equipe com os outros profissionais (nível organizacional).

A partir dessas considerações, o saber docente pode ser entendido como plural, estratégico e historicamente desvalorizado: esse ofício requer várias funções (ensinar, transmitir e problematizar a ideia de cultura), um plano estratégico e o reconhecimento simbólico e material que condiga com as suas necessidades formativas.

A formação continuada, ligada ao ciclo de vida dos professores, não é linear: a sala de aula, com as diferentes realidades de cada aluno e o traço pessoal com que cada docente ensina, tampouco. A ação docente é, assim, múltipla, um processo heterogêneo

graças às necessidades e buscas docentes, distintas para cada professor em cada momento de seu exercício profissional, entendendo-se, então, a crítica que Candau (1997) apresenta à homogeneidade com que os cursos de formação continuada tratam pessoas tão distintas. Percebemos, então, que a formação continuada, distinta da junção de palestras e cursos, deve ser feita reflexivamente, conforme os anseios docentes, às voltas com sua prática.

É Fusari (1992, p.26) quem destaca o contexto macrossocial dessa formação: “discutir a formação dos profissionais da educação escolar, no cotidiano da Escola fundamental, significa, portanto, colocar a realidade no contexto mais amplo da democratização do ensino e da própria sociedade brasileira”. Por isso, segundo aquele autor, a competência docente, além do domínio do conteúdo a ser ensinado e da didática com que se ensina, envolve a visão das relações do trabalho na escola e a percepção nítida entre a educação escolar e as relações sociais. Percebemos, assim, que a competência docente não é inata, mas é construída continuamente de acordo com as transformações históricas e sociais, as quais, como adverte Sancho (1998), implicam, igualmente, em ajudar os alunos a compreenderem e a darem sentido ao mundo a sua volta; mas, para isso, eles deverão utilizar os diferentes códigos e instrumentos existentes em nossa sociedade atual.

O mundo virtual e as tecnologias da informação e comunicação têm sido um elo nesse processo contínuo de aprendizagem. O mundo cibernético ajuda a moldar uma identidade mais coletiva, cheia de identidades e subjetividades. A rede virtual tem-nos propiciado a entender a educação de si como um processo, um movimento plástico, moldável, a notar as diferenças e identidades através de vários vieses, como o das redes espalhadas na internet (RIBEIRO, 2005).

Para Kenski (2006), a internet tem se tornado um espaço de interação entre os sujeitos, de possibilidades de aprendizagem em múltiplos espaços; mas isso não quer dizer que, por si só, a internet revolucionou o ensino no sentido genérico do termo, nem a formação docente continuada. Tudo depende do modo com que a virtualidade medeia a rede entre escola, professores e alunos, já que o ensino, de forma geral não depende apenas da técnica, mas, principalmente, “dos processos de interação e comunicação das pessoas envolvidas no processo educativo do que das tecnologias utilizadas seja o livro, o giz, ou o computador e as redes (p.121)”.

Por isso, do mesmo modo, nessa maneira de conceber a formação docente continuada, a virtualidade – na internet e na educação a distância, por exemplo –

participa dessa provisoriedade do conhecimento pedagógico: construções e reconstruções moldadas no tempo marcado por nossa ação na sala de aula, com os livros, nossa comunicação e contatos virtuais, que concorrem para as histórias de nossas vivências. São essas experiências diversas que se integram num todo, num todo íntegro e individual e que marca o que somos enquanto profissionais e sujeitos. Portanto, o processo de formação continuada não deve ser exterior à experiência pedagógica do professor, é necessário esse atento a ouvir os professores e tomar como base as diferentes realidades encontradas.