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4.3 PAPEL DOS PAIS

4.3.2 Clareza financeira

Segundo Pugh (2004), quando os pais não explicam de forma clara sua realidade financeira a seus filhos, podendo encobrir a realidade com mitos para obscurecer as verdades sobre o quanto eles precisam se esforçar e agir de forma madura para poderem consumir, as crianças passam a perceber o dinheiro e as compras como algo que se tem quando se tem sorte. E, portanto terão maiores dificuldades com as crianças que passarão a fazer pedidos sem limites de forma inconsequente.

De maneira geral, os pais entrevistados são claros com seus filhos sobre sua realidade financeira.

Meu esposo ensina. Eu na verdade eu era bem mais consumista. Meu esposo é mais seguro [sentido de econômico] [...] Ele me ensinou a diminuir o consumo,

meu esposo conversa essas coisas com ele bem mais do que eu. (Mãe 05)

Eu digo a ela que não tenho condições (financeiras). (Avó 16)

Eu criei eles assim, só faço o que eu posso. Eu sempre digo que quando eu puder

eu compro, mas aí eu quase nunca compro... Só o que é necessário mesmo. (Mãe 15).

A Mãe 14 explica sobre o quanto precisam “batalhar” para ter êxito financeiro. Explica sobre o consumo analogamente a outras áreas da vida da criança, que ele não pode ter tudo que quer no consumo assim como também não poderá ter tudo o que quiser na vida de forma fácil, mas ainda assim, segundo ela, o filho é insistente de uma forma exagerada, não sabe lidar com os seus “não”, principalmente se sua motivação for comprar algo motivado pela participação nos grupos.

Eu chamo ele de riquinho, porque eu digo: meu filho, você não tem noção de

pobreza, você acha que tudo que você quer, se dá e não é por aí. Aí vamos contar uma história de pobreza, como eu era na idade dele, o que é que eu tinha, o que é que eu não tinha. “Não é assim, você querer e eu dar, eu não tenho dinheiro assim, nós não temos herança, nós não somos ricos” (explicando

como fala com ele). O que a gente tem, foram os estudos, foram os estudos que

fizeram a gente ter o que temos. Ninguém deixou herança pra gente, nem meu pai,

nem o pai do seu pai. Nós nos formamos e temos bons empregos porque

estudamos. É isso que eu tento incutir na mente dele, entendeu? Porque ele acha que ele é rico, que tudo ele pode, aí eu fico nessa briga, “você não é rico”. (Mãe

De forma semelhante, o Menino_10:10 não lida bem com os “não” que recebe e é insistente, mesmo tendo conhecimento da situação financeira dos pais, como a mãe repetiu varias vezes. Quando ele não consegue algo que quer com os pais recorre aos avós.

Eu sou bem realista, eu não gosto de mentir pra ele não, eu digo... se eu disser que

vou dar, eu dou, né? Né assim? “Mainha não tá podendo agora, mas vai lhe dar”. Eu sou... eu acho assim, que a gente tem que criar o filho da gente na realidade. Tem dia que você tá com o dinheiro do mundo todinho, mas tem dia que você não tá e a gente tem que mostrar isso que tem dia que a gente tá bem e tem dia que a gente não tá, né? Tem dia que a gente num tá afim mesmo e briga e tem que mostrar

essas realidades eu sou muito realista com ele, sabe? (Mãe 10)

As mães comentam sobre explicarem os motivos das compras com ênfase financeira, sobre o valor das coisas e algumas incluem as crianças no orçamento da casa como as Mães 04 e 01. A Menina_01:11 auxilia a elaboração e registros do livro de despesas que fizeram após a mãe sair do emprego e passar a ser autônoma. Essa relação com a realidade financeira da família se reflete no comportamento das crianças que são compreensivas quanto aos limites que os pais lhes dão. De forma semelhante, a Mãe 13 explica que sua filha é muito consciente em relação ao consumo e sua realidade financeira, mesmo que nem sempre tenha sido assim:

Isso começou cedo em nossas vidas. Hoje, ela já me pergunta se eu posso. No início,

eu tive que falar sobre o que ganho e que precisava destinar para pagamentos de contas e outras coisas. Hoje é muito tranquilo. Se eu digo que não posso, ela

entende, se eu digo que posso, ela fica tranquila, porque sabe que é verdade. (Mãe 13)

Além da realidade financeira da própria família, a Mãe 04 mostra que existem outros tipos de realidades diferentes da delas em que as pessoas vivem com menos dinheiro, incentivando a amizade da filha com famílias de menor poder aquisitivo, pra que a criança perceba “que a vida financeira de uma pessoa é diferente da outra” e lide com o consumo de forma mais realista.

Meu pai e minha mãe sempre tentaram ensinar isso pra gente a enxergar as pessoas

que são iguais, independente de condição financeira. A mesma coisa eu tento passar pra a Menina_04:7 e pra irmã, pras duas. A Menina_04:7 tá vivendo esse momento agora de conhecer isso, porque lá em Brasília nunca teve isso, de ir

na casa da empregada e tal, porque a empregada também morava 40km da casa.

Então ela tá vendo isso agora, sabe? (Mãe 04)

A Mãe 13 também atribui a maturidade da filha a esta ter contato com pessoas de diferentes realidades socioeconômicas:

Ela tem contato com um número variado de crianças, de diversas classes sociais e

níveis de consumo. Em Campina Grande, onde moramos, através do colégio onde

ela estuda, convive com crianças de famílias com um poder aquisitivo bem

no sertão do Ceará, ela convive com primos e primas, e outras crianças que vivem

num mundo muito diferente. (Mãe 13)

Essas mães aparentemente são exemplos de pessoas que ensinam para os filhos aquilo que praticam. Mas existem aquelas mães consumistas que, que segundo Schor (2009) dificilmente não terão filhos consumistas. Nessa pesquisa, as mães 08 e 11 são exemplos de mães autodeclaradas consumistas, mas que não têm filhos consumistas. A Mãe 14 embora não tenha se declarado como tal, apresentou indícios do seu consumismo, o que pode se relacionar com a tendência do seu filho para valores materialistas.

A Mãe 11 atribui a posição da filha à sua maturidade com a vida, pois a criança faz alguns pequenos trabalhos para conseguir dinheiro, vendendo pulseiras ou fazendo unhas e escovando cabelos de conhecidos.

Isso aí não sei com quem foi não, porque na minha família todo mundo é

gastadeiro, todo mundo gasta demais é aquela coisa, se ganhar quinhetos ainda

fica devendo pro mês seguinte e ela não, ela é aquela coisa do... A Menina_11:12, pra idade dela eu acho estranho ela dizer assim: eu vou fazer pulseirinha e vou

vender, ela botou no face dela: profissão manicure, que na idade dela bota

“vagabunda sustentada pelos pais, é da firma milionária” não sei nem que danado é... (Mãe 11)

A Mãe 08 acredita que a escola do seu filho contribui para que ele não tenha o consumo como algo importante e não fique tentado pelo que os amigos têm nem pela publicidade:

É porque esse colégio trabalha isso, esse colégio ele não... ele detesta o consumismo, ele não... esse colégio pra mim ele... eu sou louca por ele, eu indico qualquer pessoa colocar o filho nesse colégio pequenininho porque ele prepara pra vida, não é pra vestibular. Não são aquelas crianças que, sabe como é? Aquelas crianças mecânicas? Não é não. (Mãe 08)