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4.3 PAPEL DOS PAIS

4.3.1 Apelos

4.3.1.2 Mas todo mundo tem! Eu também quero!

Os desejos das crianças podem ser despertados pelas influências da publicidade, dos pares ou de outros fatores. Mas quando essa influência vem dos amigos, as crianças entendem que podem convencer seus pais a dar-lhes o que desejam sob o argumento de que precisam ter aquele determinado produto porque os amigos também o têm. Isso é uma forma de mostrarem aos pais que não ter seria ficar fora do contexto do grupo.

De acordo com Gotze, Pranje e Uhrovska (2009) as estratégias mais maduras envolvem esse tipo de argumentação de que será importante possuir para acompanhar a tendência dos pares. As crianças costumam respaldar seus pedidos com o argumento de que “todas as outras pessoas tem”, então por isso elas também precisam ter. As mães costumam se sensibilizar com esse tipo de apelo porque entendem a importância das crianças usarem produtos socialmente adequados (MILLER, 2002).

Pronto, esse Xbox, num sei o quê, tal, um dia ela disse: mainha se eu sair do celular baixa um joguinho que no meu não baixa, mas o ideal mesmo é ela ter o vídeo

game, o Xbox tal, tal... e eu queria muito, tal [Imitando a filha]. Aí eu fiquei

olhando e disse: Menina_03:11, mulher, não se anime não que o seu pai não vai comprar um negócio desse pra você não. “Oh, mainha!” [imitando a expressão de desapontamento da filha]. Aí ela disse: Nicole tem, Geovana tem. (Mãe 03)

“todo mundo tá fazendo pulseira, eu também quero fazer; todo mundo tem um álbum, eu também quero ter”. (Mãe 09)

Assim como ele... uma característica dele é a insistência, ele fica insistindo,

insistindo, não... é porque eu quero, porque é bom, porque eu quero, porque é bom e

isso, isso, isso ai ele diz mil e uma qualidades. [...] Chora... a lágrima chega

escorre, eu não sei onde ele arranja aquelas lágrimas, mas tudo bem (Mãe 10)

Chora sempre pedindo as coisas. Vê as amigas usarem vê na televisão aí acaba querendo. [...] “Ah, que minha amiga tem isso assim e assim e a senhora não dá”. (Avó 16)

Como as mães têm a tendência de não quererem que seus filhos sofram pela “inadequação” de um padrão confortável perante os demais colegas (Miller, 2002), elas logicamente se preocupam em atender esse tipo de necessidade da criança. As mães 09 e 14 tiveram a preocupação de que seus filhos não passassem “embaraço ou desdém” por não possuírem algo adequado para os seus grupos quando compraram o lançador e a mochila.

Quando o Menino_07:9 pede algo para a mãe motivada por algum amigo ter aquilo, ela usa o argumento de que imitar o colega é algo ruim. O argumento da não-imitação é usado para que o filho não queira fazer mais uma compra desnecessária e é uma tática para que o desejo do filho seja adiado com a possibilidade de que passe durante o tempo da espera.

Eu disse: mamãe me dá um tablet. Meu primo tem um notebook, minha prima tem um tablet meu amigo também tem e eu fiquei querendo. (Menino_07:9)

Meu sobrinho essa semana ganhou um skate, ele [Menino_07:9] fez: "tu compra?". Eu disse “não, mamãe não vai comprar. Mamãe tá podendo?”. Aí ele parou assim e fez: “é, pode não, agora não”. Aí eu disse "pronto quando

mamãe tiver trabalhando que seu primo não tiver mais graça no dele, ele

esquecer eu vou e compro um pra você". [Encenando o diálogo com o filho] (Mãe

07)

As crianças são insistentes quando querem algo que os amigos têm. Foi comum encontrar crianças que não tinham celulares ou tablets que convivem diariamente com outras de sua idade que tinham. A criança passa a insistir para acompanhar o que o grupo está usando, mas algumas mães argumentam que não vão dar devido aquele tipo de produto não ser adequado para a criança por não terem a necessidade funcional do uso. Como relatado a seguir:

Só porque as amigas têm um celular, ela quer ter. “Mainha, mas todo mundo tem, minhas amigas todas têm”[imitando a filha]. “Mas minha filha não vai ter, eu

não acho necessário. Quando você não tá na escola, tá em casa e em casa tem telefone, pra que?” [Encenando o diálogo] (Mãe 02)

Ela sempre questionou, eu nunca fui de impor, lógico que a gente tem que dar limite é o adulto que tem que fazer esse envolvimento né? Mas sempre, é sempre questionado. "Olhe, eu não vou lhe dar por isso, por isso e por isso, você tá

entendendo?". E fazer uma reflexão em cima, porque que ela não tem um tablet, porque que ela não tem um smartphone, porque... Aí, cada idade tem a sua

necessidade, então essa necessidade pra mim, no meu ver, é indevida e não há necessidade real, a criança tem outras necessidades no desenvolvimento dela que não cabem nesse contexto [tecnológico]. O acesso a tecnologia requer muito, uma certa maturidade pra selecionar o conteúdo correto. (Mãe 12)

Um ponto interessante que emergiu em algumas entrevistas foi a imaturidade das crianças com as tecnologias e os riscos que elas correm quando estão online. Foram relatadas situações graves além dos vícios tecnológicos na exposição das crianças as redes sociais e jogos online.

Quando a Menina_15:11 ocasionalmente faz algum pedido sob o argumento de querer ter o que as amigas têm, sua mãe tem uma posição diferente das mães de classe socioeconômica mais alta, ela explica que a filha não precisa ter algo só porque as amigas tenham:

Ela só diz que quer mesmo, que os amigos têm e ela não, mas eu digo que ela é ela

e os amigos dela é outra coisa. (...) Eu sempre digo que cada pessoa é diferente não é porque um tem que o outro tem que ter. As vezes ela pede (coisas do

supermercado), aí quando dá eu trago. Quando eu não compro, ela nem pergunta

por que eu não trouxe que ela já sabe... [...] Não, ela pede, mas não insiste muito

menos... às vezes elas pedem as coisas... Eu nem percebo nem dou atenção (Mãe 15)

Segundo Lareau (2002), os pais que possuem menos recursos acreditam que o fato de oferecerem amor, segurança e alimento é o suficiente para que seus filhos sejam bem sucedidos e pela fala da Mãe 15, é possível confirmar o que aponta a autora. A Mãe 11 explica que não tem problemas porque a filha não costuma pedir o que os amigos tem “O pior é que eu nem oriento que ela é tão econômica que eu nem preciso dizer nada a ela”. A Mãe 17 fala de forma simples que sua filha não se preocupe por não ter o que os amigos têm e que um dia isso pode mudar.

Aí é... (A mãe aconselha) “deixa pra lá mulher, um dia ela esquece que tu não

tem essas coisas, aí quando ela ver o teu ela vai querer usar também”. (Mãe 17)

Quem aconselha a Menina 17:11 de uma forma mais direcionada a não ter o que todo mundo tem é o seu tio, quem costuma comprar bens mais caros para ela, visto que sua mãe e avó costumam comprar apenas o básico. Ele explica que não é necessário ter algo só porque os colegas têm, pois o mais importante é que ela valorize seu próprio gosto pessoal e não siga o efeito “Maria vai com as outras”.

Meu tio sempre dá conselhos de eu comprar o que eu gosto, aí eu pego e assim, eu gosto de olhar pra coisa e saber que eu gosto e não porque tá na moda. (Menina 17:11)

A Mãe 13 não referenciou nenhum tipo de situação em que a filha tivesse pedido algum produto porque suas amigas tivessem, mas citou que ela “ela sente não viajar como as amigas”. Indicando que não se importam com relação aos bens que não tenha iguais as outras Pois, em termos gerais, ela ensinou para a filha que não precisa absorver tudo o que o mercado, pares ou qualquer outra pessoa lhe cobre ou digam que é necessário ter, de modo que a criança não se sente obrigada ou pressionada a comprar algo para que o os outros “vejam”, nem tem a necessidade de exibir o que possui.

Ela cresceu me ouvindo falar que não temos todas as necessidades que nos

dizem que temos, e isso fez uma bruta diferença na cabecinha dela. A diferença é

que ela está cada vez mais seletiva com o consumo. (Mãe 13)