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De modo a compreender a forma como o mercado infantil atua na influência do consumo das crianças no Brasil, foi feita uma breve explanação sobre o tema na realidade local a fim de perceber os apelos utilizados pelo mercado por meio da publicidade televisiva. Entender esse tipo de apelo do mercado para com o objeto desse estudo foi relevante, pois a criança brasileira passa longas horas assistindo televisão e de certo isso exerce influência sobre seu comportamento. Nesta seção a publicidade infantil (como uma representação das ações do mercado) no Brasil é contextualizada e são apontados pontos de vista de alguns pais quanto a publicidade e as técnicas de persuasão utilizadas pelo mercado.

Em pesquisa da ABAP (2009), feita pelo instituto IBOPE, foi perguntado a pais sua opinião quanto à liberação de propagandas de produtos destinados às crianças, produtos

esses apontados como sendo: salgadinhos, balas/doces/chocolates, fast-food e brinquedos, e a grande maioria desses pais respondeu que as propagandas desse tipo podem ser totalmente liberadas. A maioria dos pais (79%) com filhos de até 12 anos disseram notar grande influência da propaganda sob eles, porcentagem igual à de pais com filhos acima dessa faixa etária que também concordaram com essa afirmação. Na etapa qualitativa alguns explicaram o porquê de concordarem que essas propagandas destinadas a seus filhos sejam liberadas argumentando, dentre outros, que um mundo sem propaganda ficaria monótono e mesmo percebendo o poder persuasivo destas, defendem que sem propaganda as crianças ficariam alienadas.

Em um estudo feito em 2010 sobre o tema da persuasão da publicidade infantil no Brasil (estudo de cunho multidisciplinar na psicologia e comportamento do consumidor), foram avaliadas 182 peças publicitárias destinadas ao público infantil exibidas no período próximo ao Dia das Crianças, verificou-se que a maior parte delas (42,6%) foi destinada ao público masculino, seguidos pelas de apelo unissex (35,2%) e, por último, do público feminino (22,2%). Dessas peças, as mais exibidas foram de uma loja brasileira, seguida por um lanche de uma grande cadeia de fast-food, e por fim, uma marca de bonecas e um boneco para meninos (IGLESIAS; CALDAS; LEMOS, 2013). É interessante observar que na pesquisa da ABAP (2009), o fast-food foi incluído no questionário como sendo um “produto para criança” e, sendo assim, pode se inferir que no Brasil o fast-food é bem aceito como em outros países.

Iglesias, Caldas e Lemos (2013) puderam concluir que das táticas de influência social utilizadas a partir das publicidades analisadas as que se mostraram mais presentes foram: (1) definição do critério de decisão (86,8%), (2) consenso social (73,6%), (3) contar uma história (69,8%) e (4) modelagem social (64,2%). De acordo com o estudo, as táticas (1) definição do critério de decisão e (3) contar a história: são meios que estabelecem um ambiente favorável para a persuasão, o primeiro tem a ver com dar destaque a um suposto diferencial do produto para definir a escolha dele dentre as outras opções e o segundo guia a avaliação dando plausibilidade ao produto.

Os apelos também dependem das relações sociais da criança. No (2) consenso social apresenta-se diversas crianças consumindo o produto, criando a impressão de que só falta a criança-alvo se adequar ao grupo. Há um apelo para a necessidade de integração/pertencimento natural da criança conforme Martens, Southerton e Scott (2004). Na (4) modelagem social o modelo apresentado guia a criança a se comportar de forma adequada na situação encenada criando uma situação ideal em torno do produto.

Foi possível verificar na pesquisa, que as empresas que mais anunciam no Brasil, adotam a maioria das técnicas de persuasão analisadas pelo estudo, demonstrando que essas empresas detêm um conhecimento sofisticado sobre persuasão e marketing (IGLESIAS; CALDAS; LEMOS, 2013). Dessa forma, os dados encontrados por Iglesias, Caldas e Lemos (2013) corroboram os apontamentos de Schor (2009) quando informa sobre a indústria infantil investir “pesado” nas pesquisas para alcançar esse público.

Sabe-se que o consumo infantil não se restringe ao funcionalismo do uso do produto, mas se amplia ao seu valor social. As crianças costumam ser vulneráveis a necessidade de serem aceitas e incluídas em grupos sociais e uma das formas que elas têm para pertencerem a esses grupos é por meio do consumo, sendo este também um meio pelo qual elas obtêm reconhecimento entre seus pares (MARTENS; SOUTHERTON; SCOTT, 2004).

Nesse sentido, percebe-se que a publicidade utiliza a necessidade de socialização infantil para construir suas mensagens dirigidas a esse público. Incentivando a comparação e o consumo a cada novo anúncio. E fortalecendo a prática já reconhecida pelas crianças de ter que possuir para poder participar. Sendo essa uma prática perigosa quando levamos em consideração os problemas em decorrência da “não posse” (que serão tratados nos tópicos seguintes).

Pela pesquisa da ABAP (2009), alguns pais se posicionam a favor da publicidade como forma de não excluir as crianças do mundo social. Todavia o fato de tantos esforços em prol da eliminação de propagandas dirigidas aos pequenos, inclusive no Brasil como pode ser visto em Prado et al. (2011) (não se restringem a resolução recém aprovada e o projeto de lei citados no início desse estudo) pode demonstrar que os prejuízos dessas são mais significativos do que a possível vantagem de que crianças tenham esse tipo de inserção social.

Durante as transmissões dos jogos da copa mundial da FIFA de 2014, uma propaganda de chocolate utilizava uma estratégia onde transmitia a mensagem de que as mães (como uma representante adulta) são responsáveis por estressar as crianças e que a compra do chocolate seria uma forma de diminuir esse estresse e implicitamente a marca em questão seria o herói da criança. Essa estratégia é apontada por Schor (2009) como sendo usual pelas publicidades infantis, ela denuncia como sendo uma forma que o mercado encontrou de se aproveitar do estresse infantil, que segundo a autora é inerente à criança assim como o medo e a pressão com que convivem, e para vender culpam os adultos como sendo seres “chatos” que dificultam suas vidas enquanto que a indústria do entretenimento infantil está disponível para “salvá-las”.

Linn (2006) aponta que a mídia é uma das fontes de valores que são absorvidos pelas crianças, assim como elas absorvem os valores dos pais, da família, dos amigos, da escola, na comunidade e nas instituições religiosas. De acordo com Preston (2004, p. 365) “as crianças usam a propaganda para aprender as ferramentas de interação social que facilitarão a autoexpressão e a conformidade social”. Nesse sentido, Linn (2006) indica que os valores e atitudes que a publicidade transmite, não correspondem, na maioria das vezes, aos valores pelos quais os pais pretendem educar suas crianças.

Segundo Linn (2006), a publicidade infantil tem investido em ações que estimulam as crianças a quererem ser mais velhas e, portanto, totalmente livres para fazerem suas próprias escolhas, os fazendo crer que têm total controle sobre sua própria maturidade. Além de abordarem propositalmente o desejo infantil de ser popular entre os pares como estratégia para venderem mais (LINN, 2006). Essa estratégia que aborda a necessidade de popularidade pôde ser identificada no Brasil pelos achados de Iglesias, Caldas e Lemos (2013).

A recente iniciativa do Estado, na proibição da publicidade dirigida as crianças é um passo em busca de resolver um dos problemas que agravam o consumismo infantil, resta saber se a nova resolução será cumprida pelas empresas, visto que até o presente momento as propagandas continuam a ser veiculadas como antes e se de fato isso se configura como uma solução efetiva ou um dos caminhos para amenizar problemas do consumo infantil.

Após contextualizar o consumo infantil na história e no Brasil e como a publicidade afeta o consumo infantil, as seções seguintes têm como objetivo apresentar os fatores influenciadores do consumo infantil, as funções dos bens na infância, o papel das marcas desses bens para os Tweens.