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4.3 PAPEL DOS PAIS

4.3.1 Apelos

4.3.1.1 Negociação madura

Quando as crianças querem algo, elas podem tentar usar estratégias maduras por meio de negociações (GOTZE; PRANJE; UHROVSKA, 2009). Essas negociações costumam vir de crianças de classes mais altas, que têm intimidade com táticas linguísticas que se refletem nas táticas de convencimento dos pais. Tal maturidade também está relacionada à interação dos filhos com a realidade financeira familiar (PUGH, 2004).

Ele negocia. "Mãe, compre esse negócio aqui". "Não!". "Mãe, olha, achei um

similar", pra ser mais barato. "Não! Aceite o não! A última palavra tem que ser a

sua? Porque não pode ser a minha? Aceite o não". Ele recebe muito não meu,

sabe? Ele recebe muito, mas às vezes eu dou. Mas ele recebe, mais não do que eu

dou! 90% eu dou ‘não’. Aí, as vezes Pai 14 diz: Menino_14:11 tá querendo isso [encenando o marido]. “Diga não, diga não”. Mas ele fica: "Não, mãe!"[encenando o filho]. “Mas Menino_14:11, tudo, tudo, não é só compra". Em casa, ele tem que

argumentar pra ultima palavra ser a dele, ele tem que argumentar. (Chora?) Não, ele dá argumento, ele é muito bom. Ele é de pedir, insistir, persistir. (Mãe 14)

Mas assim, ele não é de ficar pedindo, pedindo, pedindo. Ele se disser assim: “mãe, quando for meu aniversário, quando for o natal...”, ele fala assim: “você

pode me dar?”. Mas ele não é insistente não. Então, assim, ele é muito tranquilo,

assim, muito, muito, muito assim, sabe, com tudo, sabe? Com tudo, assim, muito

responsável, é bom aluno... (Mãe 09)

A Mãe 09 explicou que ela e o pai educaram o filho a não achar que pode ter tudo e que precisa fazer escolhas quando tiver interesse em algo, de modo que o filho passa a ser mais criterioso em suas decisões de consumo e mais consciente quando pede algo.

Meu marido ganha uns créditos nessa, nessa parte porque ele, assim, habituou Menino_10:10 a não querer tudo, pode até querer tudo, só que ganha uma coisa. [...] Aí negocia, "posso levar?”, “pode!”. Chegou na segunda fila, vai querer

outra coisa, aí, “você vai querer isso aqui que você pegou na primeira fila ou vai

querer trocar, ou vai permanecer com ele?”. E aí ele vai optando, o que é que ele quer. Cada fila, ele muda, que se tiver 10 filas, hoje, nem tanto, quando era menorzinho, que mudava mais rápido assim de ideia. [...] Nunca tratei “ah, pegue tudo no supermercado!” ou “vou chorar porque vou ter que trocar ou não vou poder levar isso”. E não é nada também exagerado não, é assim: um

chocolate, entendeu? O extra que ele pede é uma revistinha, uma coisa assim. (Mãe 09)

As mães 04 e 12 trabalham a conscientização das crianças para o consumo. A Mãe 04 ensina noções financeiras usando um esquema de pontos por tarefas cumpridas onde as filhas, se tiverem bom desempenho recebem uma quantidade de dinheiro por isso e são estimuladas a pagarem por pequenas coisas como, por exemplo, um balão que gostou no parque. Devido à educação realista as crianças 04 e 12 não fazem chantagens emocionais com as mães.

O Lego que tá dentro daquela caixa da Polly. Eu pedi pra mamãe, ai eu fiz um café

da manhã pra ela. É, eu fiz uma cartinha. Aí ela deixou eu ir comprar.

(Menina_04:7)

Eu, em vez de estar comprando essas coisas que vão tendenciar ela mais ao

consumismo, então é... ela já, ela já consegue entender e ainda bem que ela se satisfaz com esse estimulo que eu dou, sabe? Então, às vezes como ela já tem essa consciência que eu questiono muito do consumo, ela nem olha muito pros brinquedos, quando ela vê uma revistinha: “olha mãe, olha a revistinha que tem

um joguinho, vê se te uma história em quadrinhos”, “Você quer? Quanto tá? E

aquele outro?”. Eu dou outras opções de leitura que ela gosta, daí eu falo: “você

quer o gibi, o de colorir, ou quer o...?”, “eu quero esse”. É desse jeito que a gente

trabalha. É o acordo. (Mãe 12)

A Mãe 12 costuma levar a criança a reflexões frequentes quanto â necessidade de comprar algo e sempre fazem acordos. Ela explica que não cria expectativa de papai noel ou qualquer outro tipo de artifício que esconda o valor do dinheiro. Também não dá recompensas por desempenho ou qualquer outro tipo de comportamento correto porque explica que não quer que a filha entenda que deve fazer o que é correto apenas porque será premiada. A criança entendendo o perfil da mãe tende a escolher e mostrar pra mãe aquilo que sabe que vai agradar, como o exemplo do gibi, e não procura pelos brinquedos pois sabe que não será fácil convencer a mãe.

A Menina_15:11, assim como a 17, tem consciência de que sua mãe não pode lhe dar tudo o que queira e demonstra uma posição consciente quando diz que ao pedir pra mãe já deixa claro que entende que só pode comprar se for realmente possível. A Menina 17:11 tem

consciência da situação financeira de sua família e seus pedidos costumam ser de coisas simples como esmaltes, quando tem interesse por algo mais caro recorre ao tio.

Você só compra se você puder comprar, viu? Aí ela vê se dá. (Menina_15:11) Depende, assim, do mês, de como tiver, porque tem a questão das dívidas. [...] Às vezes eu fico olhando na internet, fico olhando e meu tio vê eu olhando e... ele sabe. Ele mora em São Paulo. Quando ele tá aqui, eu começo acessar na internet. Por exemplo: um celular da moda, eu pego e boto lá e fico vendo as fotos.

(Menina 17:11)

A Menina_01:11 tem uma posição madura, e segundo a mãe não é de se estressar quando quer algo, e tem o hábito de economizar dinheiro e guardar para usar quando quiser algo. Segundo a Mãe 01 o que contribui para a menina ser assim é a sua religiosidade:

Que naquele momento não tem condição, mas a gente ora, se for da vontade de Deus, Deus vai, se a gente não comprar Deus vai mandar de outra maneira,

assim a gente ensina muito a ela que Deus é o provedor de tudo, que tudo que a gente tem é permissão de Deus na vida da gente, e o que a gente não tem também.

Às vezes a gente pode ter algumas coisas que vai ser bom no momento, mas depois a gente não sabe o que isso vai nos acarretar, então como ensino muito isso, a vontade de Deus na vida da gente, então não poder agora, a gente trabalha, a gente junta, a gente se esforça, a gente vai conseguir (Mãe 1)

Mas cresceu me ouvindo falar que não temos todas as necessidades que nos

dizem que temos, e isso fez uma bruta diferença na cabecinha dela. A diferença é

que ela está cada vez mais seletiva com o consumo. (Mãe 13)

E as minhas bonequinhas não eram adequadas, dava certinho, acho que ele fazia no padrão Barbie. aí eu ganhei da madrinha e foi o grande momento da minha vida. Aí eu ficava questionando:se minha mãe sentasse pra conversar pra saber porque

eu queria aquele brinquedo, talvez ela desse porque ela teria a concepção que eu tenho. Por isso que eu sento toda vez que Menina_12:8 pede alguma coisa, a gente senta e entra num consenso. “Por que você quer isso? Você acha

interessante por que? Vai ser legal por que? Qual o objetivo, fundamento que tem naquele objeto? É só pelo supérfluo, ou é que vai ser interessante mesmo porque você vai brincar, vai se divertir?”. Aí eu sempre entro em consenso com ela. Tem dado certo. Eu sempre converso pra deixar claro pra ela que não é uma má vontade, sempre tem algum motivo, tem algum fundo de razão no que eu falo quando eu permito ou não permito alguma coisa, que é aquela velha história em todos os aspectos, não só no consumo, é um ato reflexivo saber o porquê e para que ela está passando por determinada, ou porquê e para que eu fiz aquela escolha que ela não tem condição ainda de fazer por ela mesma. (Mãe 12)

A mãe 12 explica sua compreensão de que é importante refletir juntamente a criança sobre a real importância de escolher comprar algo, pois quando era criança queria muito ter uma boneca Barbie, mas sua mãe entendia esse desejo como algo negativo e não se preocupava em compreender os motivos que a motivavam a desejar aquela boneca. Devido a essa experiência a Mãe 16 busca compreender os motivos de sua filha pedir para comprar algo.