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CAPÍTULO 7 PERFIS E ORIGENS SOCIAIS DOS ESTUDANTES

7.3. Origens sociais dos estudantes

7.3.2. Classe social da família de origem

Na secção anterior, procedemos à análise das origens socioeducacionais dos estudantes e ao cálculo da probabilidade diferencial de acesso ao ensino superior consoante os níveis de escolaridade das suas famílias. O estudo prossegue agora com a análise das origens socioprofissionais. Para o efeito, recorremos a um conjunto de indicadores de extrema relevância na “apreensão da estruturação das relações de classe nas sociedades

166 contemporâneas: os indicadores de categorias socioprofissionais95” (Mauritti, 2003:18). Por

agora, vejamos três indicadores subjacentes às referidas categorias socioprofissionais, nomeadamente, a condição perante o trabalho, a profissão e a situação na profissão dos progenitores dos estudantes.

No que diz respeito à condição perante o trabalho dos pais (homens) dos estudantes inquiridos, observa-se que 74,1% exerciam profissão e 5,6% estavam desempregados no momento da pesquisa. Entre os empregados, destaca-se o grupo dos “especialistas das profissões intelectuais e científicas” (25,8%) por apresentar o maior peso percentual. Em sentido oposto, verifica-se o menor predomínio do “pessoal administrativo e similares” (1,7%). Quanto à situação na profissão, constata-se que cerca de 72,7% dos pais trabalham por conta de outrem e 22,3% por conta própria (Quadro 7.5).

São de salientar algumas diferenças entre os progenitores (homens) dos estudantes das duas províncias onde se realizou o estudo (Luanda e Huíla). Os pais dos estudantes da província da Huíla comparativamente aos progenitores dos estudantes da província de Luanda concentram-se, em maior número, na categoria dos “especialistas das profissões intelectuais e científicas”, sendo a diferença entre ambos de 11,6 pontos percentuais a favor dos pais dos estudantes da província da Huíla. Outra diferença que merece particular atenção é a inexistência de trabalhadores não qualificados entre os progenitores dos estudantes inquiridos da província da Huíla. Por aqui se pode ver um maior fechamento do recrutamento social dos estudantes universitários na província da Huíla, como era de prever.

É oportuno relembrar, uma vez mais, que a categoria profissional em que se enquadra grande parte dos pais dos estudantes inquiridos (“especialistas das profissões intelectuais e científicas”) não reflete a composição profissional da sociedade angolana, particularmente, dos sectores profissionais de maior empregabilidade masculina. Por outras palavras, em Angola, grande parte dos homens exerce atividades profissionais inseridas no grupo dos “agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura, da pesca e da floresta” (43,1%) (INE, 2016).

95 A construção da categoria socioprofissional (classe social) tem como base a tipologia ACM,

desenvolvida por Almeida, Costa e Machado. Para uma análise mais detalhada sobre a referida tipologia consultar Costa,1999; Machado et al., 2003.

167 A simples análise das categorias profissionais dos pais dos estudantes já mostra, portanto, que estamos perante origens sociais seletivas, confirmando o que o estudo das origens socioeducacionais já tinha mostrado.

O estudo das origens socioprofissionais dos estudantes segue com a análise da composição profissional das progenitoras. Relativamente à condição perante o trabalho das mães dos estudantes inquiridos (quadro 7.5), constata-se que 72% exercem profissão e 20,5% são desempregadas. Por outras palavras, verifica-se que a percentagem de mães na situação de desemprego é, aproximadamente, 3,6 vezes superior a percentagem de pais desempregados, indicando, uma vez mais, a existência de desigualdades de género. Entre as progenitoras que exercem atividade profissional destaca-se o grupo do “pessoal dos serviços e vendedores” (39,1%) e dos “especialistas das profissões intelectuais e científicas” (28,1%). Nota-se que, comparativamente aos pais, o perfil profissional das mães é menos seletivo socialmente.

Cabe destacar algumas diferenças entre as províncias: na província de Luanda a percentagem de mães inseridas na categoria profissional do “pessoal dos serviços e vendedores” é 20 pontos percentuais superior à registada na província da Huíla. Em contrapartida, na província da Huíla a percentagem de mães inseridas na categoria dos “especialistas das profissões intelectuais e científicas” é cerca de duas vezes superior a observada em Luanda.

Estes resultados indicam que, tomando como referência o indicador profissão da mãe, as instituições de ensino superior localizadas na província da Huíla são mais fechadas aos filhos de progenitoras que desempenham profissões de menor prestígio social, particularmente, as profissões inseridas na categoria do “pessoal dos serviços e vendedores”. Tal fechamento resulta do menor número de instituições de ensino existentes na referida província quando comparado ao número de instituições sedeadas em Luanda (5 contra 33, respetivamente) (MES, 2015).

Relativamente à situação das mães na profissão, observa-se que, 56,3% trabalham por conta de outrem e 39,4% por conta própria. Uma análise mais fina permite observar que na província de Luanda há um maior equilíbrio entre “trabalhadoras por conta própria e por conta de outrem, sendo a diferença entre ambas as categorias de 0,7 pontos percentuais.

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169 Para compreender mais amplamente as diferenças sociais na probabilidade de acesso ao ensino superior procedemos, à semelhança da metodologia utilizada aquando da análise das origens socioeducacionais, à construção de um índice de recrutamento socioprofissional, que compara os grupos profissionais onde se inserem os progenitores dos estudantes com os da população angolana em geral.

Como se vê no Quadro 7.6, as probabilidades de acesso ao ensino superior são muito diferenciadas e desiguais segundo o grupo profissional dos pais. Por exemplo, a probabilidade de um filho de especialistas das atividades intelectuais e científicas ser estudante universitário é 41 vezes maior do que a de um filho de agricultores e trabalhadores da agricultura e da floresta. Esta categoria socioprofissional é a que, em termos comparativos, menos jovens consegue ter na universidade, nas duas cidades. Se na população angolana em geral o seu peso é de 53,9%, entre as famílias dos estudantes representa apenas 5,3%, dez vezes menos.

Quadro 7.6 - Origens socioprofissionais dos estudantes universitários, comparação com a população angolana e índice de recrutamento socioprofissional

170 De seguida, analisaremos as origens sociais dos estudantes considerando os lugares de classe dos agregados domésticos (tipologia ACM). Em termos analíticos este exercício permite observar com clareza a posição relativa de cada família na estrutura social angolana. Uma outra vantagem da tipologia de classe aqui utilizada reside no facto de “[dar] conta, de maneira mais abrangente, das principais clivagens e articulações estruturais entre dimensões de análise de classes, permitindo ainda realizar operações de agregação ou desagregação classificatória, consoante os objetos e níveis de análise específicos” (Machado et al., 2003:52).

No quadro 7.7, verifica-se um claro domínio dos setores de classe mais privilegiados no que diz respeito aos capitais económicos, culturais, escolares e sociais. Ou seja, em conjunto, 60,9% dos estudantes inquiridos são provenientes de famílias de empresários, dirigentes e profissionais liberais, por um lado, e profissionais técnicos e de enquadramento, por outro. Importa referir que o predomínio dos estratos sociais mais privilegiados no ensino superior foi igualmente verificado em outros estudos realizados nos países em desenvolvimento, como, por exemplo, África do Sul (Buting, 2006 e Badet, 2009), e Egipto (Fahim e Noha, 2011 e Buckner, 2013), entre outros.

Quadro 7.7 - Classe social do grupo doméstico de origem (%)

Uma análise mais fina das origens de classe dos estudantes permite constatar a presença relativamente significativa dos setores sociais menos providos de recursos, particularmente os

171 trabalhadores independentes (29,2%). Este resultado deve-se à especificidade do contexto angolano em que muitos agregados domésticos que exercem atividades profissionais inseridas na economia informal obtêm um capital económico relativamente significativo, que permite investir na escolaridade dos seus filhos. A este propósito, Lopes (2014) refere que estas atividades, geralmente, realizam-se “à porta ou em parcelas das habitações, na rua ou nos mercados” e garantem os rendimentos de muitas famílias, bem como asseguram parte da oferta de bens e serviços das populações, dado que estão presentes nos mais variados setores da economia, como, por exemplo, “comércio, prestação de serviços, construção, transportes e sector financeiro”96.

Ainda no que se refere aos setores de classe menos providos de capitais, importa destacar que o melhor posicionamento dos agregados domésticos de trabalhadores independentes no que toca à possibilidade dos seus filhos ingressarem no ensino superior, contrasta com a realidade observada em Portugal. Ou seja, neste país as famílias de empregados executantes em consequência das “suas vantagens relativas quanto ao capital cultural e dos efeitos desse capital no que toca às condições de aquisição de capital escolar no sistema de ensino”, têm maiores probabilidades de os seus filhos acederem em maior número ao ensino superior (Machado et al., 2003:58). Além disso, ao contrário do que sucede em Angola, em Portugal os trabalhadores independentes são, sobretudo, da economia formal.

Apesar destas diferenças, a presença relativamente significativa dos setores sociais menos privilegiados reveste-se de extrema importância, pois indica um duplo padrão de recrutamento classista, ou seja, à semelhança de outros países, nas instituições de ensino superior angolanas repercutem-se situações de reprodução de classe e de mobilidade social, podendo a última ser total ou sob a forma de trajetórias estacionárias com promoção escolar, como é o caso das duas categorias do topo da hierarquia social, particularmente, nos agregados com níveis de escolaridade baixos ou médios (Machado et al., 2003).

Esse duplo padrão de recrutamento de classe resulta da implementação por parte das autoridades governamentais de políticas de reforma do ensino superior, particularmente, no período compreendido entre 2009 e 2015. Essas reformas contribuíram para a expansão desse subsistema em províncias que outrora não dispunham desta modalidade de ensino. Desse modo, jovens descendentes de agregados menos privilegiados da hierarquia social que outrora não dispunham de recursos para deslocar-se e frequentar o ensino superior em outras províncias

172 puderam ingressar em instituições universitárias sedeadas nas suas localidades de residência. Mesmo assim, ainda prevalecem desigualdades muito significativas no acesso ao ensino superior em Angola.