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CAPÍTULO 2 – A EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR E AS DESIGUALDADES DE

2.2. Fases da expansão do ensino superior: dimensões e características

O término da Segunda Guerra Mundial e o consequente desenvolvimento político e económico que muitos países ocidentais conheceram permitiram um profundo e complexo processo de transformação e expansão dos sistemas de ensino superior, durante as décadas de 1960 a 1980.

Autores como Trow (1973, 2005) e Brennan (2004) referem que a expansão do ensino superior foi acompanhada de importantes transformações nas seguintes dimensões:

1) Tamanho do sistema – crescimento significativo da percentagem de indivíduos inseridos no grupo etário entre os 18 e 24 que acede às instituições de ensino superior;

2) Funções da educação – a expansão do ensino superior é marcada por profundas alterações nas suas funções tanto para os alunos como para a sociedade em geral. Por outras palavras, a ênfase das instituições de ensino superior desloca-se da formação das elites para a qualificação de toda a sociedade;

3) Currículo e formas de instrução – a estruturação dos currículos académicos e as formas de instrução variam segundo o tamanho do sistema. Neste sentido, quanto menor for o tamanho do sistema mais estruturado é o currículo em termos de conceções académicas e profissionais;

4) Carreira do estudante – nas fases iniciais de desenvolvimento dos sistemas de ensino superior os estudantes frequentam as licenciaturas ininterruptamente até diplomarem-se e só depois ingressam no mercado de trabalho. Contudo, em fases posteriores esta realidade não sucede, isto é, muitos alunos interrompem a formação para ingressar no mercado laboral e passados alguns anos retomam os estudos; 5) Diversificação institucional – a expansão dos sistemas de ensino superior contribuiu

para a maior diversificação da oferta institucional. No contexto das grandes universidades surgiram novas escolas e institutos altamente qualificados direcionados às novas necessidades da sociedade e do mercado laboral;

6) Locus do poder e decisão – as formas de administração do poder diferem tendo em conta as fases de expansão de um dado sistema de ensino superior. Neste sentido, nas primeiras fases as decisões são tomadas por um pequeno grupo de elite. Em fases posteriores, os diferentes grupos de interesse contam com alguns privilégios na tomada de decisões;

42 7) Normas académicas – os padrões académicos das instituições de ensino superior

alteram-se à medida que o sistema se expande. Assim, quanto maior for o grau de abrangência do referido sistema mais diversificadas são as normas institucionais; 8) Políticas de acesso – em grande parte das sociedades contemporâneas o acesso às

instituições de ensino superior dá-se mediante critérios meritocráticos medidos através das classificações obtidas pelos alunos no ensino secundário ou com base nas notas obtidas nos exames de acesso às instituições de ensino superior. No entanto, com a expansão dos sistemas de ensino superior foram implementadas novas políticas compensatórias destinadas a garantir maior acesso a determinados grupos sociais, tais como classes sociais menos privilegiadas e grupos étnicos minoritários;

9) Formas de gestão académica – os processos de gestão e administração do ensino superior diferem de acordo com a fase de expansão em que se encontra um determinado sistema. Assim, nas fases iniciais as instituições são administradas por académicos a tempo parcial que, em geral, não possuem grande experiência em gestão. Por esta razão, são auxiliados por uma equipa de especialistas cuja principal função é tratar das questões financeiras. Nas fases posteriores, as formas de gestão são aprimoradas, uma vez que no topo da administração são nomeados e/ou eleitos ex-académicos com alguma experiência na gestão e administração. Estes gestores reforçam as suas equipas com profissionais altamente qualificados das mais diferentes áreas que contribuem para a eficiência do sistema. Trow (2005) refere que nas fases mais avançadas de expansão dos sistemas de ensino superior “os procedimentos de gestão tornaram-se mais dependentes de dados quantitativos para a avaliação dos custos e benefícios”;

10) Governação interna – as formas de governação interna das instituições de ensino superior distinguem-se em cada etapa de expansão dos sistemas de ensino superior. Nas primeiras etapas de desenvolvimento do sistema as instituições são dirigidas por professores seniores. Numa segunda fase são incluídos na administração interna das instituições outros professores que representam os interesses dos mais variados departamentos. Além destes, passam a estar presentes no elenco governativo os líderes das associações estudantis. Em suma, nas fases mais avançadas os processos de governação resultam de um consenso institucional (Trow, 2005 e Brennan, 2004).

43 Trow (1973, 2005) considera que a expansão do sistema de ensino superior pode ser compreendida mediante a análise de três fases do sistema: de elite, de massa e de acesso universal.

O sistema de ensino superior de elite caracteriza-se por responder a 15% do grupo etário relevante (jovens com idades compreendidas entre os 18 aos 24 anos). O acesso ao sistema é condicionado pela classe social de proveniência e pelo mérito académico. Este facto realça a sua função elitista, ou seja, educar e instruir a classe social dominante para funções de liderança. Em instituições de ensino superior de elite o currículo é altamente estruturado nos termos e conceções académicas do curso. A relação que se estabelece ao longo do processo de instrução entre professor/aluno é mais pessoal e orientada (Trow, 2005).

O ensino superior de massas atende entre 16 e 50% dos jovens inseridos na faixa etária entre 18 e 24 anos, que reúnem um conjunto de requisitos para frequência da universidade. Este sistema de ensino demarca-se do sistema de elite por responder a mais de 30% do grupo etário relevante; o acesso deixa de ser um privilégio resultante da classe social de origem e passa a ser um “direito para aqueles com certas qualificações” (Trow, 2005: 5). Deste modo, no sistema de massas passam a estar representados indivíduos provenientes dos diferentes estratos sociais que concluíram o ensino secundário. Relativamente às formas de acesso e seleção, nos sistemas de ensino superior de massas mantêm-se os critérios meritocráticos. Além desses critérios, são incrementadas políticas compensatórias destinadas a garantir a igualdade de oportunidades entre os diferentes grupos sociais.

Mais adiante, Trow (2005) refere que a transição de um sistema de elite para um sistema de massas opera mudanças significativas na estrutura de todo o sistema de ensino, nomeadamente:

i) Alteram-se as formas de organização do currículo dos cursos, tornando-se mais flexíveis e modulares, com o foco nos créditos, visando o desenvolvimento de múltiplas competências;

ii) Redireciona-se a tradicional função do “sistema de elite”, deslocando a ênfase para a transmissão de competências mais técnicas direcionadas para o mercado de trabalho e o desenvolvimento de carreiras profissionais;

iii) Diversifica-se e diferencia-se a oferta institucional – surgimento de institutos politécnicos ligados às universidades;

44 iv) Surgimento de novas formas de administração dos sistemas de ensino e das

universidades mediante a introdução de formas de gestão mais democráticas. Já o sistema de ensino superior de acesso universal demarca-se dos outros sistemas por contemplar mais de 50% da população da faixa etária entre os 18 e 24 anos que concluiu o ensino secundário. Neste sentido, a frequência do ensino superior torna-se, por um lado, uma “obrigação para os [descendentes] das classes média e alta” (Trow, 2005: 18) e, por outro, uma forma de justiça social, uma vez que se “apresenta muito mais como uma questão de conquista da igualdade entre os grupos e classes do que de igualdade de oportunidades” (Gomes, 2012: 175).

No sistema de acesso universal, observa-se uma mudança clara nas funções do ensino superior. A principal função deixa de ser a formação das elites e passa a ser a formação de toda a população, visando a adaptação da mesma a um rápido e complexo processo de transformação social, económica e tecnológica (Brennan, 2004)30.