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CAPÍTULO 4 – ASPIRAÇÕES E EXPETATIVAS E SUAS CONDICIONANTES SOCIAIS

4.2. Variáveis sociais de diferenciação das aspirações e expetativas

4.2.1. Variáveis e contexto sócio-estrutural

Estudos comparativos procuram compreender em que medida as caraterísticas dos sistemas educativos, nomeadamente, a padronização e a estratificação das escolas podem influenciar as aspirações e expetativas dos estudantes (Buchman e Dalton, 2002; McDaniel, 2010). A padronização refere-se ao grau em que os currículos académicos são uniformes a nível nacional (Han, 2016); a estratificação indica o “grau em que os alunos são classificados em diferentes áreas de formação (profissional versus académica)” (Han, 2016: 183).

Sikora e Pokropek (2011, 2012) consideram que não existe uma relação estatisticamente significativa entre a padronização do currículo académico e a diferenciação sexual das expetativas profissionais. Por outras palavras, nos sistemas educativos com elevada padronização, rapazes e raparigas têm a mesma probabilidade de no futuro desempenhar profissões relacionadas com a computação, engenharias e ciências da saúde (Han, 2016).

Com base nos dados do Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (PISA), Buchmann e Park (2009), compararam as expetativas dos alunos matriculados em cinco sistemas educativos de elevada estratificação (trata-se dos sistemas educativos da Áustria,

99 República Checa, Alemanha, Hungria e Holanda). Os resultados deste estudo revelam que a estratificação dos sistemas de ensino tem um forte impacto nas expetativas dos alunos. Especificamente, constata-se que os estudantes matriculados em escolas secundárias voltadas para as áreas científicas apresentam maiores expetativas escolares e profissionais, comparativamente aos estudantes inscritos em escolas direcionadas para os cursos profissionais. Neste sentido, os primeiros pretendem concluir a faculdade e ingressar em grupos profissionais de grande prestígio. Relativamente aos alunos que realizam a formação secundária em escolas profissionais, os dados indicam que as suas expetativas variam, podendo optar, em grande número, por frequentar uma instituição de ensino superior e, simultaneamente, exercer uma atividade profissional. Em síntese, escrevem os autores, nos sistemas de ensino com elevada estratificação o tipo de escola que os alunos frequentam no ensino secundário condiciona, por um lado, as expetativas escolares e profissionais e, por outro lado, confere às referidas expetativas uma forte dose de realismo.

Estudos recentes adicionam que a estratificação dos sistemas de ensino está diretamente relacionada com uma maior segregação das expetativas profissionais entre homens e mulheres. A este propósito, Han (2016: 180) esclarece que os resultados analíticos mostram que em sistemas educativos com elevados níveis de estratificação, as expetativas profissionais “em ciências da computação e engenharias são mais elevadas para os rapazes. Em contraste, as expetativas profissionais em ciências da saúde são mais elevadas entre as raparigas”.

b) Dinâmicas do mercado de trabalho

A formação das aspirações e das expetativas é igualmente condicionada pelas dinâmicas verificadas no mercado de trabalho. Os estudos indicam que os estudantes não são indiferentes às transformações verificadas neste setor. Deste modo, tanto os estudantes em formação como os recém-formados reformulam, constantemente, as suas aspirações, tornando-as mais realistas. Analisando as orientações prefigurativas profissionais dos estudantes que frequentavam o curso de jazz em universidades norte-americanas e sul-africanas, Devroop (2010 e 2012), reconhece que, em ambos os países, os estudantes inquiridos aspiram desempenhar profissões de elevada visibilidade social como por exemplo “intérprete de jazz”. Contudo, quando confrontados com as dinâmicas internas do mercado de trabalho, as aspirações profissionais tornaram-se mais realísticas, isto é, grande parte dos estudantes espera conciliar duas ou mais atividades profissionais. Neste sentido, 41% dos alunos esperam dedicar-se ao ensino e composição de jazz e apenas 6% esperam desempenhar integralmente a profissão de intérprete de jazz.

100 Ao formularem as suas expetativas profissionais os estudantes, procedem como já referimos, ao cálculo dos custos, riscos e benefícios associados à escolha de cada profissão, bem como da entidade patronal. Assim, estudos comparados revelam que uma percentagem significativa de estudantes que frequentam o curso de medicina em países como Angola (71,8%) e Moçambique (77,4%) esperam vir a desempenhar a profissão de médico em instituições estatais e privadas de saúde (Ferrinho et al., 2011). A opção por ambas as instituições é justificada com base em três fatores: o primeiro prende-se com a “segurança contratual”, na medida em que os futuros médicos enquadrados no setor estatal procedem aos descontos para a segurança social, garantindo a sua reforma ou pensão por invalidez. Esta realidade não sucede em algumas instituições privadas, visto que os contratos laborais proporcionados são, em determinados casos, precários, o que compromete a futura carreira destes profissionais. O segundo fator relaciona-se com as oportunidades de aceder aos cursos de especialização médica proporcionados, fundamentalmente, pelas instituições estatais de saúde. O terceiro fator diz respeito ao retorno financeiro que os futuros médicos terão, prestando serviços em instituições privadas. Por outras palavras, os baixos salários auferidos no início da carreira em instituições estatais obriga estes profissionais a procurar outras fontes de receita para responder às necessidades cotidianas.

Face às incertezas do mercado laboral, as expetativas dos estudantes são, muitas vezes, incongruentes com as experiências vivenciadas no início da carreira profissional. Esta realidade é observada por autores sul-africanos como Riordan e Suki (2007), que analisam a relação entre as expetativas profissionais dos engenheiros recém-formados e as suas experiências profissionais iniciais. Os resultados desta pesquisa revelam que a inserção profissional dos engenheiros processa-se de forma contrária à esperada. Ou seja, estes manifestam um sentimento de frustração tanto a nível das funções desempenhadas, como na relação com os operários de base. No que concerne às funções, os engenheiros recém-formados relatam que as suas tarefas diárias são rotineiras e exigem poucos conhecimentos de engenharia. Por esta razão, sentem que a sua formação é pouco valorizada pelas suas empresas. Relativamente à relação dos engenheiros com os profissionais de base, os resultados indicam a existência de “conflitos”, dado que os operários de base procuram “testar” e humilhar os engenheiros-recém formados (Riordan e Suki, 2007:69).

A nível dos países desenvolvidos, especificamente em Portugal, os resultados relativos à inserção profissional dos recém-diplomados sugerem conclusões relativamente diferentes. Neste sentido, Alves (2010) reconhece que grande parte dos diplomados dos cursos de engenharias consegue concretizar as suas expetativas profissionais. Por esta razão, estes

101 demonstram níveis elevados de satisfação profissional, realçando interesse e qualidade das tarefas que executam.

A influência das dinâmicas do mercado laboral não se limita às expetativas profissionais, estende-se também às expetativas escolares. Um exemplo que ilustra esta realidade é observado, mais uma vez, no estudo de Ferrinho et al. (2011), que constatou que grande parte dos estudantes esperam dar continuidade a formação pós-graduada, especializando-se em áreas onde há uma forte procura de profissionais, nomeadamente ginecologia, obstetrícia e pediatria. De igual modo, Sousa (2014) constata que no contexto brasileiro os estudantes de medicina do 1º ano esperam vir a especializar-se em áreas mais remuneradas pelo mercado laboral, designadamente: cirurgia geral, cardiologia, cancerologia e pediatria.

Alves et al. (2012) reconhecem que face à procura crescente de mão-de-obra qualificada, os estudantes diplomados do ensino superior esperam frequentar formações pós- graduadas (especialização ou mestrados) no sentido de “desenvolver conhecimentos e competências” que no futuro permitiram o melhor desempenho das suas atividades profissionais.

Estudos contextualizados reconhecem que as expetativas de inserção profissional no espaço regional ou nacional diferem em função dos cursos universitários. A título de exemplo, analisando as expetativas de inserção profissional dos estudantes que finalizavam os cursos de engenharia existentes na Universidade do Minho, Marques (2006), identifica as seguintes diferenças: os finalistas das engenharias «clássicas», designadamente, engenharia mecânica e civil, esperam inserir-se com facilidade tanto no mercado laboral regional como no espaço nacional. A este grupo juntam-se parcialmente os finalistas das engenharias de «informação», visto que também esperam maiores facilidades de no futuro encontrar um emprego compatível com o curso de licenciatura no mercado nacional.

Relativamente aos finalistas das engenharias de «processos» (engenharias têxtil e de vestuário), constata-se que esperam no futuro inserir-se com facilidade no mercado laboral regional. Contudo, os referidos estudantes afirmam que não terão as mesmas facilidades de inserção no mercado nacional (Marques, 2006: 88).

Mais adiante, a referida autora afirma que o otimismo ou pessimismo relativamente à facilidade de no futuro encontrar um emprego compatível com o curso frequentado na licenciatura, tanto no espaço regional como no nacional, resulta da procura diferencial de profissionais segundo os cursos de formação. Assim, a elevada procura de profissionais da construção civil registada tanto a nível da região onde se encontra a Universidade do Minho,

102 como a nível nacional, contribui para o otimismo das expetativas dos finalistas das engenharias «clássicas». Em oposição, a concentração de grande parte das indústrias têxteis e de vestuário na região norte de Portugal reduz o otimismo dos estudantes das engenharias dos «processos» de no futuro encontrarem com facilidade emprego compatível ao respetivo curso de formação em outras regiões do país.

Apesar do caráter circunscrito deste estudo, pode-se depreender que esta realidade não se limita ao contexto português, podendo hipoteticamente encontrar-se semelhanças noutros contextos.

O confronto entre as expetativas profissionais dos estudantes universitários e a efetiva concretização das experiências profissionais revela que grande parte dos recém-licenciados consegue inserir-se no mercado laboral (Alves, 2010). O tempo de acesso ao primeiro trabalho é relativamente célere, na medida em que os diplomados acedem ao mercado laboral num período máximo de 6 meses após a conclusão do curso (Alves, 2009; Alves, 2010).

De igual modo, verifica-se também uma relativa celeridade no acesso ao emprego compatível ao nível e área de formação, tal como observam Chaves e Morais (2016) no seu estudo sobre a inserção profissional dos licenciados da Universidade de Lisboa e Nova de Lisboa. As conclusões deste estudo indicam que:

Mais de 2/3 [dos diplomados] afirmaram ter atingido uma posição compatível com o grau de escolaridade, e quase 2/3 uma posição compaginável com a sua área formativa, num período que não ultrapassou 6 meses após a conclusão do grau (Chaves e Morais, 2016: 238).

Contudo, a referida inserção profissional dos diplomados é precária, tanto no tipo de vínculo jurídico contratual (contratos a prazo, trabalhos ocasionais, prestação de serviços entre outros), como no valor das remunerações, bem como nas condições de trabalho (Alves, 2010 e 2012). Assim, o hiato entre as expetativas e as dificuldades de concretização gera nos diplomados um sentimento de insegurança e revolta (Soeiro, 2012).

Marques (2010) retoma a questão da precaridade, sinalizando que os diplomados das “humanidades e ciências sociais” concentram-se, por um lado, na “situação contratual de prestação de serviços (modalidade de “recibos verdes”) e, por outro lado, na “situação de não ter contrato escrito”.

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4.2.2. Variáveis relativas a perfis sociais