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CAPÍTULO 5 ENSINO SUPERIOR EM ANGOLA: SURGIMENTO,

5.1. Surgimento do ensino superior em Angola

A universidade em Angola surge num contexto de pressões internas e externas. De acordo com Silva (2004), a nível interno a burguesia colonial almejava que os seus descendentes pudessem dar continuidade aos estudos superiores, sem terem necessidade de se deslocar para a metrópole. Por esta razão, reivindicavam constantemente a criação de uma universidade. Do ponto de vista externo, Portugal, que insistia em manter as suas colónias, sofria por um lado pressões decorrentes da Conferência Afro-asiática de Bandung55 e, por outro, da correspondente era da “emancipação política de África”, caracterizada pelas independências de muitos países africanos e pelas denúncias internacionais de exploração e opressão que os movimentos nacionalistas faziam a organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU). Estes exigiam, por sua vez, que Portugal concedesse a independência às suas colónias (M´Bokolo, 2007).

Face a essa conjuntura, as autoridades metropolitanas portuguesas manifestavam um forte receio quanto à criação da universidade em Angola, uma vez que temiam “a evolução do sentimento patriota e da consciência nacionalista nas suas colónias (como reação às condições e aos efeitos do colonialismo)” (Silva, 2004: 159). Em contrapartida, refere o mesmo autor, enviavam missões de extensão universitária que reafirmavam a pertinência da reivindicação de criação de estudos superiores na província ultramarina de Angola. Diante desta realidade e no âmbito da política social, as autoridades coloniais locais, lideradas pelo Governador-Geral de Angola, General Venâncio Deslandes, equacionaram em 1961 um projeto que visava a criação do ensino superior com o propósito de formar médicos, engenheiros, professores, técnicos e agentes especializados em distintas áreas, por forma a promover o desenvolvimento económico e social que se projetava e a que as universidades da metrópole não conseguiam dar uma resposta útil em tempo e qualidade desejáveis (Pereira, 2014; Soares, 2004)56.

55 A referida conferência decorreu na Indonésia entre 18 e 24 de Abril de 1955. Contou com representantes de 28 governos da Ásia e da África, e adotou resoluções condenando o colonialismo sob todas as suas formas (M´Bokolo, 2007).

56 A comissão que elaborou o projeto de criação do ensino superior foi constituída pelas seguintes individualidades: Eng.º Agrónomo Jorge Bravo Vieira da Silva, Secretário Provincial da Agricultura e Pescas; Dr. Amadeu Castilho, Secretário Provincial da Educação; Dr. Fernando Moura Pires, Diretor do Instituto de Investigação Médica; Dr. Eurico Lemos Pires, técnico do Instituto de Investigação Agronómica; Eng.º Manuel Rocha, Diretor do Laboratório Nacional de Engenharia Civil; Eng.º Edgar

113 Segundo Soares (2004), o primeiro projeto de criação do ensino superior foi apresentado ao Ministro do Ultramar, Adriano Moreira, nos primeiros dias do mês de Outubro de 1961, quando este passou por Luanda em trânsito para Moçambique. Contudo, o referido ministro recusou tomar localmente qualquer medida, pelo que teria “questionado a competência do Governo Provincial para desencadear este processo, invocando razões institucionais e a necessidade de ocorrer em simultâneo com Moçambique, e sob orientação das universidades portuguesas” (Pereira, 2014: 40).

A posição do Ministro Adriano Moreira não impediu o Governador-Geral de Angola, General Venâncio Augusto Deslandes, de avançar com o projeto de criação do ensino superior. Assim, no dia 21 de Abril de 1962, o referido governante convocou extraordinariamente o Conselho Legislativo de Angola, tendo sido discutido e aprovado com um único voto contra, num total de vinte e um, o Diploma Legislativo Nº 3235 que criava os Centros de Estudos Universitários, cujo funcionamento estaria vinculado, por um lado, aos Institutos de Investigação já existentes57 e, por outro, ao Laboratório de Engenharia de Angola. Em reação à aprovação do diploma acima referido, a Junta Nacional de Educação declarou inconstitucional a criação dos Centros Universitários, tendo anulado o respetivo Diploma Legislativo através da publicação do Decreto nº 44472, do Ministério do Ultramar (Pereira, 2014; Soares, 2004).

Em consequência da desautorização imposta pelo governo da metrópole, verificou-se em Luanda e em outras cidades de Angola um clima de extrema instabilidade58, o que levou o

Ministro do Ultramar a iniciar uma série de contactos por forma a ultrapassar “as resistências ao alargamento do ensino superior às colónias, conseguindo garantir apoios e o patrocínio pedagógico dos Senados e Conselho da Universidade Portuguesa” (Pereira, 2014: 41).

Não podendo mais adiar a implantação do ensino superior em Angola, o governo português promulga o Decreto-lei nº 44530, de 21 de Agosto de 1962, que criava os Estudos Gerais Universitários (EGU). Após este ato, seguiu-se a criação de cursos distribuídos pelas cidades de Luanda (Medicina, Ciências e Engenharias), Huambo59 (Agronomia e Veterinária)

Cardoso, docente do Instituto Superior Técnico de Lisboa; Dr. Fernando da Cruz Ferreira, médico e Professor do Instituto de Medicina Tropical (Soares, 2004).

57 Trata-se do Instituto de Investigação Médica de Angola (IIMA); Instituto de Investigação Agronómica de Angola (IIAA); Instituto de Investigação Científica de Angola (IICA).

58 Face à grande efervescência que se vivia em Angola, o Governador-Geral convocou o Conselho Legislativo para uma reunião extraordinária para analisar a situação política e anunciar uma possível renúncia do cargo (Soares, 2004).

114 e Lubango60 (Letras, Geografia e Pedagogia) (Carvalho, 2012; Carvalho et al., 2003; Silva,

2004).

Nesta fase inicial de implantação do ensino superior, eram ministrados apenas os três primeiros anos dos cursos, devendo os estudantes concluir as licenciaturas em Portugal, mediante a atribuição de bolsas de estudo (Pereira, 2014). Esta situação alterou-se em 1968, quando os Estudos Gerais Universitários de Angola foram transformados em Universidade de Luanda, permitindo, assim, o crescimento da oferta curricular (Carvalho, 2012; Carvalho et al., 2003; Pereira, 2014) 61. O quadro 5.1 apresenta a evolução cronológica dos programas de formação (cursos) oferecidos pela Universidade de Luanda. Entre 1963 e 1975, verifica-se que, a oferta de programas de formação passou de 8 para 18 cursos. O maior crescimento registou- se em 1968, com a criação de 8 novos cursos.

Quadro 5.1 - Evolução de programas de formação no ensino superior em Angola (1963-1975)

60 Então Sá da Bandeira.

61 Um ano mais tarde, foi inaugurado o Hospital Universitário de Luanda que servia de apoio à Faculdade de Medicina.

115 Relativamente ao número total de estudantes matriculados no ensino superior em Angola (entre 1964-1974), verifica-se que a população discente passou de 531 para 4.176, ou seja, enorme um incremento de 3.645 estudantes. Nesse período, o ritmo de crescimento médio anual da população discente foi de 62%. É importante referir que, em termos numéricos, este crescimento foi mais expressivo entre 1971 e 1974, com a admissão de 1.508 novos estudantes (quadro 5.2).

Quadro 5.2 - Evolução do número total de estudantes matriculados no ensino superior entre 1964 e 1974

Uma outra componente essencial na análise da evolução do número total de estudantes no ensino superior em Angola, no período colonial, é a sua distribuição por áreas de formação. Ao longo do período em análise constata-se que os cursos de engenharia e de medicina e cirurgia concentravam o maior número de alunos (quadro 5.3).

A distribuição do número de estudantes por áreas de formação, ao longo do período em análise, corresponde às variações da procura de profissionais formados em cada uma das áreas, em função das políticas públicas definidas pelo então governo colonial. Um exemplo dessa correspondência é o acentuado decréscimo do número de estudantes matriculados em “ciências da educação” no período compreendido entre 1965 e 1966, fixada em -75%, o que denota um desinteresse por parte da administração colonial em formar professores de nível superior.

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Quadro 5.3 - Distribuição dos estudantes por curso e área de formação (1964-1971)