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2.1 Teoria dos registros de representação semiótica

2.1.2 Classificação das maneiras de ver uma figura geométrica

Duval (2005) diz que existem inúmeras atividades que podem envolver as maneiras de ver propostas pela teoria. Nesse sentido, está a reprodução de figuras de acordo com um modelo ou passos de construção; as modalidades concretas utilizando material manipulável; ou as modalidades representativas utilizando gráficos e, ainda, a modalidade técnica, utilizando instrumentos, entre outras. Devido a essa variedade de atividades, Duval distingue quatro maneiras de ver uma figura geométrica, sob olhar do: botânico, agrimensor, construtor e inventor. Far-se-á uma breve descrição de cada uma delas:

 Olhar do Botânico: considerada mais evidente e imediata. Está relacionada com o reconhecimento de formas e contornos básicos presentes na geometria plana. Como por exemplo, tipos de quadriláteros ou de triângulos. Evidencia as semelhanças e diferenças das formas para o reconhecimento.

Segundo Duval (2005), esse tipo de atividade não é tipicamente geométrica, já que poderiam ser consideradas para uma análise, qualquer tipo de forma. Para exemplificar isso, sugere o reconhecimento de diferentes formas de folhas de árvores. No entanto, parece um olhar específico da geometria, na medida que, se faz o uso de formas "Euclidianas", mas isso não é suficiente para considerá-la tipicamente geométrica. Esse primeira maneira de ver não utiliza nenhum tipo de propriedade, nem quantifica ou mensura as formas. Porém, as características desse modo de ver são consideradas relevantes para preparar o aluno para os demais modos.

 Olhar do agrimensor: como é sugerido pela própria denominação está relacionada com medidas. Por exemplo, comprimentos de terras, ou distâncias entre pontos de referência. Esta maneira de ver está diretamente ligada a correspondência de transpor de uma escala de grandeza para outra. Nas atividades que envolvem esse tipo de olhar as propriedades geométricas são mobilizadas para fins de medição.

 Olhar do construtor: necessita a utilização de instrumentos para construir as figuras geométricas, pelo menos, aqueles que correspondem a formas euclidianas elementares e suas configurações. A partir do uso de instrumentos os alunos podem realmente compreender que as propriedades geométricas não são apenas características perceptivas. Outro aspecto deste modo de visualização consiste na possibilidade de experimentar, de alguma forma, as propriedades geométricas como restrições da construção. Alguns softwares podem ser considerados como instrumentos no quais uma figura construída neles deve manter a sua configuração.

 Olhar do inventor: Esse tipo de olhar está presente em problemas que exijam uma desconstrução visual das formas perceptivas elementares que se impõem à primeira vista, sendo capaz de obter a reconfiguração ou a figura solicitada. Salienta-se também que, esse modo de ver é condição necessária em qualquer problema de utilização heurística de figuras. Outra característica expressiva desse tipo de problema é adição de traços que permitam uma reorganização visual da figura de partida a fim de obter a resolução do mesmo.

Outro aspecto evidenciado por Duval (2005) consiste na passagem de uma maneira de ver para outra. Essa passagem constitui uma mudança profunda de olhar. Isso se deve ao fato de que o funcionamento cognitivo inerente a cada uma destas quatro maneiras de ver não é a mesmo. Sendo que, cada modo de ver leva a um tipo particular e limitado de compreensão e, consequentemente, o conhecimento desenvolvido também não é o mesmo. As características de compreensão e reconhecimento de uma figura geométrica para cada modo de ver são apresentadas no quadro 2.

Botânico Agrimensor Construtor Inventor

Estatuto epistemológico Verificação perceptiva imediata, "Que se vê em ...” Verificação a partir da leitura de um instrumento de medida. Resultado de um procedimento de construção. Resultado da decomposição de uma figura de partida em unidades figurativas que reconfiguradas em outra figura. Fonte Cognitiva da certeza Sobreposição realizada a olho ou utilização de um modelo. Comparação valores numéricos que são obtidos empiricamente Necessidade interna de uma sequência de operações e procedimentos de construção. Invariância de unidades figurativas que são referências da transformação da figura de partida. Quadro 2- Modo de compreensão e conhecimento relacionado a cada maneira de ver uma figura geométrica. Fonte: Tradução nossa a partir de DUVAL, 2005, p. 19.

Duval (2005) denomina dois modos opostos de funcionamento cognitivo envolvido no ato de ver uma figura em geometria: a visualização icônica e a não icônica. Na visualização icônica as operações são o reconhecimento e diferenciação das formas e, na visualização não icônica, está a identificação dos objetos correspondentes às formas reconhecidas. Ele destaca ainda que, esses dois modos são diferentes e independentes um do outro. Porém, muitas vezes, eles se fundem na sinergia de um mesmo ato.

O maior problema cognitivo, conforme mencionando anteriormente, está em fazer a passagem de um reconhecimento e a diferenciação de formas para a identificação de objetos dados para a visualização. Na percepção do mundo que nos rodeia esses dois níveis de operação não parecem dissociados porque são simultâneos (pelo menos ao nível da nossa consciência), o objeto a ser imediatamente dado e a forma que permite distingui-lo. Assim, muitas vezes, o mecanismo cognitivo de iconicidade não é suficiente, sendo necessário o uso de um enunciado, implícito ou explícito. Em outras palavras, é preciso inserir informações verbais incorporadas na imagem como, por exemplo, uma legenda ou codificação de um elemento figurativo. Para que, dessa forma, seja possível identificar quais são as formas discriminadas na representação. Mas esse papel auxiliar do enunciado não deve deixar em segundo plano a importância do mecanismo de iconicidade. Pois ele continua a impor de forma autônoma, sempre que alguma “coisa” (desenho, figuras ou formas das peças a manipular) é dada para visualização.

Relacionando esses funcionamentos cognitivos com as quatro formas de visualização descritas anteriormente, tem-se que a passagem se efetua de maneira diferente: para as duas primeiras, olhar do botânico e do agrimensor, ela funciona como qualquer representação visual fora da geometria. Mas, para as outras duas, olhar do construtor e do inventor, ocorre contrariamente, pois exige a neutralização do mecanismo de iconicidade. Na figura 2 é apresentado um esquema a respeito desses funcionamentos cognitivos.

Figura 2- Funcionamentos cognitivos relacionados com a forma de ver. Imagem elaborada pela autora Fonte: Adaptado a partir de Duval, 2005, p. 13.

Dessa forma, passar da maneira de ver no olhar do botânico ou do agrimensor para o olhar de um construtor e inventor, exige mais que a contribuição verbal de informação. Impõem-se transformações visuais nas figuras dadas e, isso pode ser realizado com, ou sem instrumento (régua, compasso ou software, entre outros). Nessa transformação, uma figura dada pode gerar outra, por extensão, de seu processo de construção, ou por reorganizações visuais das formas imediatamente reconhecidas.