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Várias são as classificações propostas para o crime militar. Neste ponto, veremos quatro delas, posto que significativas para a compreensão deste crimes, segundo quatro critérios: um, quanto à intensidade da infração; dois, quanto à circunstância em que o crime é perpetrado; três, quanto à disposição no Código Penal Militar e quatro, quanto à natureza mesma do crime.

Quanto à intensidade ou a gravidade, a infração militar classifica-se em infração disciplinar e crime. Conforme Waldir Soares, a distinção entre transgressão e crime militares não está na essência, mas apenas na intensidade de uma e de outra conduta, diz ele que “o crime militar e a transgressão militar disciplinar dizem respeito ao dever militar e

29 ASSIS, Jorge César. Crime Militar versus Crime Comum. In Jus Militares (www.jusmilitaris.com.br). No endereço eletrônico: http//www.jusmilitaris.com.br/popup.php?cod=22. Acessado em 10/04/2006.

consistem na violação desse dever. A diferença está na maior gravidade do crime militar.”30

Isso quer dizer que, na transgressão a violação é simples, mínima; ao passo que no crime o dano é mais grave, mais severo. Contudo, tanto a transgressão quanto o crime ofendem ao mesmo bem jurídico que é o dever, a ordem e a disciplina militares.

No caso das Forças Armadas, via de regra, as infrações militares estão definidas nos regulamentos de cada corporação. Sendo que o atual regulamento disciplinar do Exército foi aprovado pelo Decreto n. 90.608, de 4/2/1984; o da Marinha, pelo Decreto n. 88.545, de 26/7/1983; o da Aeronáutica, pelo Decreto n. 76.322, de 22/9/1975. Por outro lado, os crimes militares, constam, como já se disse, do Código Penal Militar.

Outra grande diferença entre transgressão e crime é que a apreciação deste dá- se na seara judicial, no contexto da Justiça Militar da União; já aquela é apurada no âmbito administrativo da força em que se deu o fato. Diante disso, uma vez que ambas as instâncias são independentes e existem condutas idênticas previstas como transgressão e crime, em nome do princípio do non bis in idem, que proibe a atuação simultânea da jurisdição penal e administrativa, podendo aplicar mais de uma punição para o mesmo fato, a regra é que a instauração do IPM ou da ação criminal impede a imposição da penalidade disciplinar na esfera administrativa. É o que diz o Estatuto dos Militares, Lei n. 6.880/80, no § 2º, do art. 142, “no concurso de crime militar e de contravenção ou transgressão disciplinar, quando forem da mesma natureza, será aplicada somente a pena relativa ao crime”.

A segunda classificação diz respeito à circunstância em que o crime é praticado. De maneira que há os crimes militares em tempo de paz e os crimes militares em tempo de guerra31. Os primeiros constam da livro I, da parte especial do com, os segundos do

30 SOARES, Waldyr. Crime militar e transgressão disciplinar militar. Revista de Estudos &

Informações/Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 8, p. 33, nov. 2001.

livro II. A grande diferença está na circunstância de existir estado de guerra (efetiva ou declarada. No caso do estado de guerra, até mesmo os crimes militares relacionados para o tempo de paz são abarcados. Uma diferença marcante entre essa duas espécies está, exatamente no fato de os crimes para o tempo de paz serem também crimes de guerra, obviamente, se praticados em tempo de beligerância. Registre-se que as penas aplicadas em tempo de guerra são mais severas, prevendo, inclusive a pena de morte32, como é o caso do

crime de genocídio, previsto no art. 401 c/c art. 208 do CPM; bem como que a pena aplicada aos crimes previstos para o tempo de paz, praticados em tempo de guerra é majorada.

Em terceiro lugar, em homenagem ao princípio da legalidade, vem a classificação dos delitos militares dada pelo Código Penal Militar33. Trata-se, por conseguinte

da classificação legal dos tipos. Sendo que o CPM prevê, como vimos acima, dois gêneros de crimes, é dizer, os para o tempo de paz e os para o tempo de guerra. Os crimes para o tempo de paz estão subdivididos nas espécies: crimes contra a segurança externa do País, crimes contra a autoridade e disciplina militar, crimes contra o serviço militar e o dever militar, crimes contra a pessoa, crimes contra o patrimônio, crimes contra a incolumidade pública, crimes contra a administração militar e crimes contra a administração da justiça militar. Já os crimes previstos para o tempo de guerra divide-se nas seguintes espécies: do favorecimento ao inimigo, da hostilidade e da ordem arbitrária, dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimônio e do rapto e da violência carnal.

Em quarto lugar vem a classificação doutrinária mais importante do crime militar que é quanto a sua essência. Nesse aspecto, classificam-se em crimes propriamente militares e crimes impropriamente militares, ou seja, os crimes militares próprios e

ou o reconhecimento do estado de guerra, ou com o decreto de mobilização se nêle estiver compreendido aquêle reconhecimento; e termina quando ordenada a cessação das hostilidades.

32 Tem previsão constitucional essa cominação, conforme a ressalva da letra “a”, do inc. XLVII, do art. 5º. 33 Confira no anexo II o rol dos crimes militares constantes do CPM.

impróprios. A objetividade jurídica tanto de uns quanto de outros é a mesma, com vistas à preservação das instituições, do dever, da disciplina, da administração e da ordem militares.

O fundamental para a classificação é que a lei classificou como crime militar, logo, sob o ângulo do tema abordado, de interesse da Justiça Militar da União condutas que, embora civis, comuns em essência, assumem a qualidade de militar por serem cometido por militares em suas funções e até mesmo por civis.

De maneira que, para distinguí-los, referindo-se ao crime militar impróprio, Claúdio Pedrosa diz que “é aquele que, praticado por civil ou por militar, não é tipificado exclusivamente no Código Penal Militar, ou, sendo, é praticado por civil”34. É, portanto o

crime militar impróprio aquele que está igualmente previsto na lei penal comum, seja ele cometido por militar ou por civil35; do mesmo modo é impróprio aquele delito mesmo

previsto exclusivamente no CPM, mas praticado por civil.

Já os crimes militares próprios circunscrevem-se às infrações militares previstas exclusivamente no CPM, cometidas por militares. São, nesse sentido, crimes funcionais que dizem respeito especificamente à vida dos quartéis. Célio Lobão sintetiza esse conceito nesses termos:

como crime propriamente militar entende-se a infração penal, prevista no Código Penal Militar; específica e funcional do ocupante de cargo militar, que lesiona bens ou interesses das instituições militares, no aspecto particular da disciplina, da hierarquia, do servido e do dever militar.36

Na esteira dos ensinamento do várias vezes citado Célio Lobão, incluem-se nessa classificação os seguintes crimes: “motim, revolta, violência contra superior,

34 NUNES, Cláudio Pedrosa. O conceito técnico-jurídico de crime militar e seu alcance no âmbito do Direito

Penal Militar. Revista Direito Militar, Florianópolis, v. 5, n. 28, p. 27, mar./abr. 2001.

35 No caso da Justiça Militar estadual, por disposição constitucional e legal, o civil a ela não se sujeita. Só pode ser réu na Justiça Castrense do estado, em primeiro grau, sobretudo, o Policial Militar e o Bombeiro, acusados de crime militar, mas que não seja doloso contra a vida de civil.

desrespeito ao superior, insubordinação, usurpação, excesso ou abuso de autoridade, deserção, abandono de posto, ineficiência de força”.37

Registre-se que resta um crime que está previsto exclusivamente no CPM, o crime de insubmissão (art. 183)38 que é passível de ser cometido por civil. Como está previsto

apenas no CPM, deveria ser considerado crime militar próprio. Para a doutrina, no entanto, a insubmissão só é delito militar próprio quanto o sujeito ativo é militar.

Sendo assim, em suma, crime militar próprio é aquele que está previsto exclusivamente no Código Penal Militar e só pode ser cometido por militar. Exceção feita ao delito de insubmissão, quando cometido por civil. Por exclusão, todos os outros crimes da competência da Justiça Militar serão impróprios.

No ponto seguinte, que é o tema central do capítulo, analisaremos o artigo 9º do Código Penal Militar, relativamente apenas aos crimes militares em tempo de paz, já que não se espera, nem se deseja guerra. Nesse dispositivo têm as hipóteses em que o crime militar é praticado por militar (próprios ou impróprios) e por civil (impróprios). É o que veremos a seguir.