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Antes de tudo, nesse ponto, é importante ter um noção histórica do Ministério Público como órgão institucionalizado. Não é fácil precisar a origem dessa instituição. Mas, conforme João Francisco Sauwen Filho:

Os autores, de um modo geral e de maneira mais ou menos uniforme, costumam situar as origens da Instituição na França, ao final da Idade Média, mais precisamente no alvorecer do Século XIV, onde os procuradores e os advogados privados do monarca (les gens du roi) são apontados como sendo os mais prováveis ancestrais do Ministério Público. Mais adiante assevera o autor: (...) A propósito, vale lembrar aqui que o que realmente identifica o Ministério Público e até lhe valeu a denominação pela qual é designado na maioria dos países que o adotou é exatamente o exercício de um ministério público, ou seja, o desempenho de um

mister de interesse público.53

A tarefa dessa instituição era historicamente a de perseguir os delinqüentes, ouvir as reclamações do povo e, acima de tudo, representar a vontade dos reis, ou do Estado perante sua população. Daí a idéia de que o promotor de justiça na verdade promove as leis da sociedade e fiscaliza o seu cumprimento.

53 SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público Brasileiro e o Estado Democrático de Direito. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1999, p. 11-29

Contudo, nos tempos atuais, o entendimento dominante é de que o Ministério Público não mais representa o Estado enquanto poder, mas a sociedade. Hoje, O Ministério Público resguarda o interesse coletivo, inclusive contra o abuso do poder de administradores e governantes. A independência e o tamanho de suas ações faz muitos o confundirem com um quarto poder, tendo em vista que não pode subordiná-lo a nenhum poder, sob pena de inutilizar o seu mister.

Sem pretender entrar na polêmica em torno da posição do Ministério Público em relação aos poderes do Estado, mas para situar a questão, trazemos a baila a lição de Hugo Nigro Mazzili, sobre a natureza jurídica do Ministério Público, tendo em vista sua atuação. Diz ele:

Analisando suas principais funções institucionais, vemos que todas elas têm natureza administrativa: incumbências como promover a ação pública ou opinar como custos legis não são atividades jurisdicionais (fiscalizar ou promover a observância das leis não se confunde com a atividade de sua elaboração).

Pela natureza de suas funções, o Ministério Público exerce atividades administrativas, até pelo critério residual, pois promover a execução das leis não é atividade legislativa nem jurisdicional. É questão de conveniência que o Ministério Público encontre posição constitucional distinta, para desvinculá-lo de uma dependência excessiva, especialmente do Poder Executivo. O mais importante são os instrumentos, as garantias e os impedimentos para que a instituição, como um todo, e seus membros, individualmente, bem desempenhem suas funções, com liberdade e independência. A independência do Ministério Público não decorrerá basicamente de colocá-lo neste ou naquele título ou capítulo da Constituição, nem de denominá-lo Poder de estado; antes dependerá das garantias e instrumentos de atuação conferidos à instituição e a seus membros, e, naturalmente, dos homens que a integrem.54

Assim, o Ministério Público é uma instituição sui generis, criada para exercer um mister público essencial a justiça, como bem colocou o constituinte de 1988. O Ministério Público está desvinculado de qualquer Poder para melhor exercer suas funções, devendo obediência tão somente a Constituição Federal, as leis e a própria consciência dos seus Membros.

O Ministério Público, no quadro da Constituição de 1998, está disciplinado nos 54 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. São Paulo, Editora Saraiva, 1997, p. 19/20.

artigos 127 ao 130, na seção I (do Ministério Público), do Capítulo IV (das Funções essenciais à Justiça), do Título IV (da Organização dos Poderes). Segundo a Carta Política, art. 128, a instituição Ministério Público abrange, como espécies, o Ministério Público da União – que compreende quatro ramos: o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – e os Ministérios Públicos dos Estados.

Dessa forma, o Ministério Público é definido pelo art. 127 da Constituição como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. É regido, consoante o § 1º do art. 127, pelos princípios, que são a própria razão de ser dessa instituição, da unidade, da indivisibilidade e da independência funcional.

Conforme lições de Hugo Nigro Mazzili55, tem-se que, pelo princípio da

unidade deve-se entender que os membros que integram o Ministério Público integram um só órgão sob a direção de um chefe e, quando atuam não o fazem em nome próprio, mas no nome da instituição. O princípio da indivisibilidade significa que seus membros podem ser substituídos uns pelos outros, segundo critérios e forma prévios estabelecidos em lei, de forma não arbitrária. Já o princípio da independência funcional indica que o membro do Ministério Público tem independência para agir, isto é, atual segundo a sua consciência, com plena liberdade e autonomia.

Goza também o Ministério Público, em todas as suas manifestações, de autonomia funcional e administrativa, que são garantias que tem contra atos de autoridades administrativas, de modo a não sujeitar seus membros a outros agentes do Estado, relativamente à elaboração de seu próprio orçamento, à gestão de seu pessoal e ao uso de seus recursos, conforme dispõe os §§ 2º e 3º do art. 127 da Constituição, assim redigidos:

§ 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

§ 3º - O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.

Para fortalecer ainda mais o Ministério Público a Constituição concedeu a seus membros importantes garantias, como se vê do inc. I do §5º do art. 128:

§ 5º - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros: I - as seguintes garantias:

a) vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado;

b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

c) irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Do mesmo modo que conferiu garantias essenciais para o desempenho autônomo e eficiente por parte dos membros do Ministério Público, a Constituição também, impôs ales, para que se mantenham dentro do quadro de suas funções, algumas vedações. Conforme a letra do inc. II do §5º do art. 128:

II - as seguintes vedações:

a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais;

b) exercer a advocacia;

c) participar de sociedade comercial, na forma da lei;

d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério;

e) exercer atividade político-partidária; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

f) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

bem como nas prerrogativas de seus membros, vê-se que o compromisso ideológico primordial do Ministério Público é a preservação do Estado democrático e não o indivíduo.

Para tanto, possui funções que devem ser percebidas como um instrumento e garantia do cidadão contra os infratores socialmente desviados dos princípios traçados pela constituição, bem como, contra as tentativas de opressão ensejadas pelo Estado, dentro do plano do Estado Democrático de Direito.

O Ministério Público exerce a sua atribuição pelo desempenho de suas funções institucionais dadas pelo art. 129 da Constituição de 1998, que assim dispõe:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

§ 1º - A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei.

§ 2º As funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Registre-se que o recrutamento dos membros do Ministério Público obedece, rigorosamente, o comando constitucional da exigência do concurso público, conforme o §3º do art. 129. nestes termos:

§ 3º O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil

em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Cabe ressaltar, ao fim desse ponto que o Ministério Público, em nível infraconstitucional é regido pela Lei Complementar número 75, de 20 de maio de 1993, em seu artigo 5°, que estabelece toda a sua configuração organizacional bem como sua competência para defender os direitos individuais indisponíveis, dos quais é vigilante. É essa lei que disciplina a estrutura e organização de todos ramos do Ministério Público, inclusive a configuração estrutural e organizacional do Ministério Público Militar, que é o objeto principal desse capítulo e que será visto mais detidamente no próximo tópico.