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2.2   A natureza das interações no ambiente digital 60

2.2.3   Classificação qualitativa de interações digitais 74

Gunawardena, Lowe e Anderson (1998) desenvolveram um Modelo de Análise de Interações para examinar o processo da construção social do conhecimento que ocorre através de interações no ambiente virtual.

O Modelo de Análise de Interações consiste em cinco fases que corresponde a cinco níveis da construção do conhecimento, iniciando-se do mais elementar para o mais complexo. O quadro 2 apresenta as cinco fases do modelo, assim como algumas classes de mensagens que foram ressaltadas para exemplificar cada etapa.

MODELO DE ANÁLISE DE INTERAÇÕES Fases Classes de mensagens (exemplos)

1. Partilha e comparação de informações

a. Declaração de uma observação ou opinião b. Concordância de um ou mais participantes

c. Exemplos corroborativos de um ou mais participantes d. Perguntas e respostas para clarificar detalhes apresentados e. Definição, descrição ou identificação de um problema

2. Descoberta e exploração de discordâncias ou inconsistências

a. Identificação de áreas de discordâncias b. Perguntas e respostas para clarificar a fonte de

discordâncias

c. Reafirmação da posição do participante

3. Negociação de significado e co-construção de conhecimento

a. Negociação ou clarificação do significado de termos b. Negociação do peso para diferentes argumentos c. Identificação de áreas de concordância

d. Propostas e negociação de novas declarações e. Proposta de integrar metáforas ou analogias 4. Teste e modificação da

síntese proposta

a. Teste da síntese proposta de acordo com visão dos participantes

b. Teste de acordo com esquema cognitivo c. Teste de acordo com experiência pessoal d. Teste de acordo com informação coletada e. Teste de acordo com literatura

5. Concordância e aplicação do conhecimento recém construído

a. Resumo dos entendimentos b. Aplicação do novo conhecimento

c. Ilustrações que demonstrem a compreensão do novo conhecimento.

Quadro 2: Modelo de Análise de Interações (GUNAWARDENA, LOWE E ANDERSON, 1998: 414)

Nesse mesmo estudo, os autores aplicaram o modelo para analisar um debate assíncrono para desenvolvimento profissional, de duas semanas, entre participantes de um fórum no meio digital. Utilizando como unidade de análise cada mensagem inserida na discussão, buscou-se saber se o debate, como um todo, passou pelas cinco fases do modelo e se houve construção social de conhecimento entre o grupo de profissionais. Os dados coletados apontaram que a maioria da mensagens se encaixavam nas fases 2 e 3, revelando que muitos participantes se envolveram, principalmente, em explorar discordâncias ou inconsistências e na negociação de significados e co-construção do conhecimento.

Esse modelo foi testado em vários estudos para analisar interações mediadas pelo computador (KANUKA E ANDERSON, 1998; LOPEZ ISLAS, 2003; MARRA et al., 2004; LANG, 2010; YANG et al., 2011 etc.). Kanuka e Anderson (1998) empregaram o Modelo de Análise de Interações para examinar as mensagens assíncronas de um fórum digital de três semanas. Tendo como participantes 25 gerentes de formação contínua de várias empresas, o fórum tinha como meta discutir de modo informal o impacto das novas tecnologias para ensino e aprendizagem no trabalho e era patrocinado pelo governo do Canadá. Cada mensagem foi analisada e, ocasionalmente, aquela que continha duas ou mais ideias ou comentários distintos eram codificadas em duas ou mais fases do modelo. O número total de incidências em cada fase foi, respectivamente:

Fase 1: Partilha e comparação de informações – 191 mensagens Fase 2: Descoberta e exploração de discordâncias – 5 mensagens

Fase 3: Negociação de significado e co-construção de conhecimento – 4 mensagens Fase 4: Teste e modificação da síntese proposta – 2 mensagens

Fase 5: Concordância e aplicação do conhecimento – 4 mensagens

Os resultados dessa pesquisa apontam uma predominância de mensagens na fase 1, revelando que o fórum foi útil para compartilhar informações da experiência profissional dos interlocutores. Também, algumas interações indicaram um movimento da fase 1 diretamente para as últimas fases. Para os autores, uma possível explicação para o alto número de mensagens na fase 1 seria a ausência de um contexto formal de ensino, que demanda uma maior compreensão e análise do conteúdo discutido. Além disso, não exigiu- se dos participantes nenhum produto mais elaborado como resultado da atividade, para mostrar evidências de seu nível de compreensão. Concluiu-se que, para esses participantes, o fórum foi significativo para partilhar e receber informações, assim como conectar-se com

outros profissionais da área; e o modelo deve ser testado, também, para analisar interações via web dentro de contextos formais de ensino.

Lopez Islas (2003) utilizou o Modelo de Análise de Interações no ambiente universitário para analisar qualitativamente as interações assíncronas entre os participantes de um curso de administração de sistemas de informação, ministrado por uma universidade virtual mexicana que atende 29 cidades do país. O objetivo da pesquisa era examinar a construção social do conhecimento mediante atividades em grupos. Um total de 24 grupos, compostos por cinco alunos cada um, interagiram de modo assíncrono através de ferramentas disponíveis na página do curso na web, a fim de completar as seguintes tarefas em grupo no período de três semanas: construir um mapa conceitual baseado em leituras; discutir um estudo de caso; escrever um breve artigo baseado em fontes da Internet e pesquisas na biblioteca.

Segundo o autor, para cada atividade, o grupo deveria basicamente ler materiais sobre o tema, inserir uma reação inicial sobre as leituras feitas, discutir as ideias dos colegas, chegar a um acordo e produzir uma declaração conjunta ou documento. Todas as mensagens das atividades foram analisadas à luz do modelo mencionado e, semelhante à análise de Kanuka e Anderson (1998), a mensagem que expressava duas ou mais ideias distintas eram codificadas em duas ou mais fases do modelo. Desse modo, distinguiu-se um total de 1340 incidências, dentre elas, 935 foram classificadas nas seguintes categorias do modelo:

Fase 1: Partilha e comparação de informações – 57% das mensagens Fase 2: Descoberta e exploração de discordâncias – 1%

Fase 3: Negociação de significado e co-construção de conhecimento – 31% Fase 4: Teste e modificação da síntese proposta – 4%

Fase 5: Concordância e aplicação do conhecimento – 7%

Cerca de 405 incidências não puderam ser atribuídas a nenhuma das cinco fases do modelo. Em vez de descartá-las, duas categorias adicionais foram propostas ao modelo: organização e orientação; e feedback do moderador/professor. Os resultados apontam, também, que todos os 24 grupos alcançaram a meta final—explorar um tema e chegar a um consenso comum, porém apenas cinco passaram por todas as fases do modelo utilizado. A segunda fase, sobre discordâncias, foi a que teve menos mensagens, seguida pela fase 4, que focaliza as modificações da síntese proposta. Para o autor, o baixo índice das etapas 2 e 4 pode ser atribuído a razões culturais, a saber: A cultura mexicana, assim como muitas culturas latinas, tradicionalmente não favorece a livre e franca manifestação de discordâncias (fase 2).39 Desse modo, poucos desacordos foram expressos nas interações e,

consequentemente, não houve necessidade de mensagens para modificar as sínteses propostas (fase 4).

Pode-se perceber que os estudos de Gunawardena, Lowe e Anderson (1998), Kanuka e Anderson (1998) e Lopez Islas (2003), em sua natureza, não contemplam

                                                                                                                         

39 Segundo HALL (1987: 6-10) e LUSTIG E KOESTER (2006: 110-114), essa característica predomina nas

chamadas high-context cultures, em oposição às low-context cultures, respectivamente. Nas primeiras, o contexto desempenha um importante papel na compreensão da comunicação, pois as informações são implicitamente compartilhadas pelos membros da própria cultura e estão altamente relacionadas ao contexto; pouco é fornecido na parte explícita e verbal da mensagem. Nessas culturas, os laços interpessoais são mais fortes, com maior comprometimento e as reações mais implícitas. Alguns exemplos de high-context cultures são muitos países latinos, inclusive México e Brasil, países árabes e vários africanos e asiáticos (Japão, Coréia do Sul etc.). Por sua vez, nas low-context cultures a compreensão da comunicação depende pouco do contexto, visto que todos os detalhes são verbalmente proferidos na mensagem. Essas culturas são caracterizadas por apresentarem relações interpessoais mais frágeis e aspectos sobre trabalho e vida cotidiana mais compartimentalizados, entre outros. Exemplos dessa classificação incluem as culturas alemã, norte- americana, escandinava e outras norte-europeias.

aspectos interculturais ou contextos de aprendizagem de LE40, focalizados nesta pesquisa. Todavia, em termos de interação no ambiente digital, esses trabalhos tornam-se interessantes na medida em que compartilham algumas características importantes com meu estudo. De modo mais específico, eles buscam, dentro de um contexto social de aprendizagem, identificar as etapas alcançadas no processo de interação em grupo (realizado também através de modos de comunicação assíncronos), com o objetivo de analisar qualitativamente o conteúdo das mensagens dos participantes.

Na realidade da minha pesquisa, pareceu-me promissor a utilização do Modelo de Análise de Interações. Esse modelo permite investigar em que níveis ocorreram as mensagens das interações entre os participantes do fórum digital e quais foram as etapas alcançadas. Ou seja, possibilita compreender a natureza qualitativa dessas interações on-

line.