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4.   ANÁLISE E DISCUSSÃO DA EXPERIÊNCIA INTERCULTURAL 107

4.1   Efeitos da experiência intercultural 108

4.1.3   O desenvolvimento da sensibilidade intercultural 140

A terceira e última parte de análise sobre os efeitos da experiência intercultural busca saber em que níveis situam-se as reações dos alunos em contato com a cultura argentina à luz da teoria de desenvolvimento da sensibilidade intercultural—conforme definido por Bennett (1993).

Esse autor preconiza que, segundo apresentado no capítulo anterior (ver seção 2.1.4), quando um indivíduo entra em contato com uma cultura diferente da sua, ele pode

ter diversas reações às diferenças culturais. Esse processo envolve seis estágios, agrupados em três primeiros (negação, defesa e minimização) da fase etnocêntrica (quando a própria cultura é considerada superior às demais), e três últimos (aceitação, adaptação e integração) da fase etnorrelativista de maior sensibilidade cultural (quando o indivíduo aceita outros padrões culturais e são capazes de adaptar seu comportamento e suspender julgamentos sobre os da outra cultura). Considerarei, pois, essas etapas ao analisar o nível de sensibilidade intercultural alcançado pelos alunos através das interações com os interlocutores argentinos. Creio que o uso desse modelo torna-se interessante na medida em que tenta examinar, em termos de níveis, as reações dos alunos ao entrar em contato com a cultura-alvo, assim como o potencial do fórum digital—uma comunicação assíncrona, como propiciador dessa experiência.

O primeiro nível do modelo de desenvolvimento intercultural é a negação, em que a cultura-alvo é completamente negada e o indivíduo procura, ainda, levantar barreiras físicas e psicológicas para impedir o contato intercultural. Entendo que essa reação pode se manifestar sobretudo em contexto de imersão no país da cultura-alvo. Em contexto de sala de aula, esse nível seria manifestado, em última instância, por uma falta de interesse do aluno pela outra cultura. No contexto deste trabalho, os alunos estavam interessados em conhecer a cultura-alvo e interagir com os argentinos. Isso revela que, nessa experiência intercultural, os alunos não passaram pela fase de negação dentro do modelo teórico analisado.

A segunda fase é a defesa, em que o indivíduo considera sua própria cultura superior e se coloca em estado defensivo em relação à outra; as diferenças culturais do outro grupo são categorizadas de forma negativa. Nesse aspecto, através da análise de

algumas mensagens postadas pelos alunos nos fóruns, pode-se cogitar que esse comportamento parece ter emergido entre os participantes brasileiros. Conforme discutido no final da seção 4.1.2, os alunos revelaram ideias preconcebidas negativas da cultura argentina que buscavam clarificar de modo dissimulado através de perguntas, como já apontado nos excertos 18, 19 e 20: “se nosotros formos a Buenos Aires, se reciben bien a los brasileiros?”; “¿Es verdade que los argentinos generalmente no les gustan a los brasileños?”; ou “Muchos extranjeros piensan que Argentina és el pais del machismo. ¿Es verdade?”.

A boa disposição dos interlocutores argentinos parece ter amenizado essas imagens da cultura argentina, como exemplifica o aluno B30, já mencionado no excerto 28, em que descreve sua mudança de opinião sobre os argentinos—ele pensava que eram frios e distantes, mas deparou-se com pessoas mais amigas. Além disso, as anotações reflexivas dos aprendizes apontaram, também, que o fator mais apreciado nos fóruns foi a “amizade com os interlocutores argentinos”, acima do próprio objetivo de pesquisa da classe— conhecer sobre Buenos Aires e a cultura argentina. Essas características indicam que, aparentemente, os alunos passaram para a terceira fase dentro do modelo de desenvolvimento da sensibilidade intercultural, a minimização.

Nessa fase, segundo Bennett (1993), minimiza-se as diferenças culturais e ressalta- se as similaridades entre os comportamentos dos membros de ambas as culturas. Isso é tido como mais importante que as diferenças culturais. No entanto, visto que todo comportamento humano não acontece fora de seu contexto social, o indivíduo usará seus próprios padrões culturais para interpretar o comportamento das pessoas da outra cultura, não levando em conta os valores culturais do outro.

Refletindo sobre as particularidades dessa fase, pode-se perceber que alguns alunos podem ter presumido que o comportamento dos argentinos não era muito diferente do brasileiro em geral. Em relação a minimizar as diferenças interculturais, ou seja, não dar importância a elas, Bennett (1993) destaca que isso ocorre quando o indivíduo percebe que existem tais diferenças. Nesse ponto, é necessário considerar que tipo de diferenças culturais foram percebidas pelos alunos através dessa experiência intercultural.

Para isso, é interessante recuperar os dados discutidos na primeira parte deste capítulo (seção 4.1.1), sobre os aspectos culturais que foram abordados no fórum. A análise das mensagens dos fóruns indicou oito categorias de informações culturais ali discutidas que apresentaram produtos culturais visíveis ou tangíveis da cultura argentina—comidas, danças, música, roupas, produção artística entre outros, e apenas algumas mensagens apresentaram traços do comportamento dos argentinos, que apontaram certos valores da sua cultura.

Tendo em perspectiva a analogia da cultura de uma sociedade como um iceberg, e considerando que a grande parte submersa são seus atributos implícitos, como o papel da família, crenças religiosas, conceitos de justiça, de beleza, educação, percepção de hospitalidade, amizade, valores éticos entre outros, revelados através do comportamento de seus membros, pode-se considerar que os alunos tiveram uma apreensão superficial das diferenças culturais da cultura-alvo.

A interação com os falantes nativos permitiu uma melhor familiarização dos aspectos tangíveis da cultura, mas não um aprofundamento suficiente para os alunos distinguirem muitas diferenças existentes entre as duas culturas. Parece-me, assim, que o

estágio em que podemos situar os alunos brasileiros nesse modelo de desenvolvimento da sensibilidade intercultural é a parte inicial da minimização.

Isso torna-se mais evidente se considerarmos as características da próxima etapa do modelo, a aceitação, em que as diferenças nos valores e padrões culturais são compreendidos, aceitos, respeitados e considerados alternativas válidas de representação da realidade. De fato, a análise dos dados coletados não nos permite afirmar que os alunos alcançaram essa fase do etnorrelativismo, etapa em que as pessoas começam a ser capazes de adaptar seu comportamento à padrões culturais diferentes dos seus.

Na conclusão da resposta desta pergunta de pesquisa, é importante destacar algumas reflexões sobre o modelo de Desenvolvimento de Sensibilidade Intercultural utilizado nesta análise. Esse modelo parece mostrar ser um tanto amplo e complexo. Os seis estágios que ele compreende, agrupados nas fases etnocêntricas e etnorrelativista, parecem requerer um real contexto de imersão na cultura. E, ainda assim, dependendo do indivíduo, esses estágios talvez não sejam todos alcançados ou, provavelmente demorarão vários anos para passar de uma etapa para outra, até o último estágio.

Além disso, parece-me que o pressuposto de um processo contínuo, passando de um estágio para outro, não ocorre necessariamente em todas as experiências de interação intercultural. Acredito que falta nesse modelo a possibilidade de uma pessoa pular etapas nesse processo de interação com outra cultura. Nesta pesquisa, por exemplo, os alunos não passaram pela primeira fase do processo, a de negação, seja pelo contexto de não-imersão ou pela ausência de conflitos interculturais. Além disso, creio, também, que merece ser contemplado nesse modelo, a probabilidade de um indivíduo retroceder dentro dos estágios

contemplados. Por essa razão, entendo que esse modelo deveria ser retomado e melhor investigado para sua aplicação em contexto de interações interculturais on-line.

Vimos, portanto, nesta primeira parte do capítulo de análise e discussão dos dados, os efeitos da experiência intercultural que resultaram das interações com os falantes nativos da língua espanhola através do fórum digital. A segunda parte desta análise visa responder as duas últimas perguntas desta pesquisa, que busca investigar a natureza das interações on-

line que contribuíram para a compreensão da cultura e da língua-alvo.