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2.1   O ensino de línguas e a dimensão cultural 19

2.1.1   Definição de Cultura 23

Entendendo que o termo “cultura” pode ser atrelado a diferentes definições, a definição que foi adotada na presente pesquisa foi baseada no direcionamento à área de LE. Neste trabalho, “cultura” é concebida como “as perspectivas filosóficas, as práticas comportamentais e os produtos—tangíveis e intangíveis—de uma sociedade”16 (Standards

for Foreign Language Learning, 2006: 47). Semelhantemente, Bennett e Bennett (2004:

149-150) diferenciam os elementos da cultura entre “cultura objetiva” e “cultura subjetiva”. A primeira se manifesta por meio dos produtos da cultura (arte, música, gastronomia entre outros); a segunda diz respeito às experiências da realidade social formada pelas instituições da sociedade e é exteriorizada mediante o comportamento de seus membros. Por sua vez, Hall (1976: 12) provê uma analogia elucidativa de cultura descrevendo-a como um iceberg, indicando que “abaixo da superfície claramente visível e explícita encontra-se                                                                                                                          

16  Texto original: “the philosophical perspectives, the behavioral practices, and the products—both tangible

todo um outro mundo”17. Ou seja, muitos atributos da cultura não são perceptíveis e isso impede sua apreensão, pois estão na parte submersa do iceberg, e são eles que regem o comportamento de seus membros. Esses atributos intangíveis podem ser constituídos por diferentes tipos de influências: o papel da família, crenças religiosas, conceitos de justiça, de beleza, educação e responsabilidade das crianças e jovens, percepção de hospitalidade, de amizade, valores éticos entre outros. Outros aspectos da cultura estão na área visível do iceberg, acima da superfície, tais como: roupas, comidas, música, danças, gestos e expressões faciais, modos de cumprimentar as pessoas e produção literária e artística. Esses atributos não são estáticos. De fato, a cultura é um sistema dinâmico que pode ser reformulado e renegociado (KRAMSCH, 1994).

É importante ressaltar ainda, conforme aponta Libben e Linder (1999), existem os elementos culturais periféricos, que não são necessariamente compartilhados, e os centrais, que são associados à identidade de seus membros. Os autores explicam esses aspectos mencionando como exemplo o fato de comer com as mãos ou talheres é um elemento cultural periférico, podendo ser modificado e contextualizado se necessário; porém, a percepção de canibalismo é um aspecto central da identidade cultural. Em uma pesquisa com dados coletados de 61 nações, Gupta et al. (2002) buscaram aglomerar os países, tanto quanto possível, por características culturais em comum. Os autores identificaram 10 agrupamentos de países que possuem alguns aspectos culturais semelhantes. Esses agrupamentos, denominados pelos autores como cultural clusters, foram assim definidos:

                                                                                                                         

17   Texto original: “beneath the clearly perceived, highly explicit surface culture, there lies a whole other

Anglo-Saxão, Europa Latina, Europa Nórdica, Europa Germânica, Europa do Leste, América Latina, África Subsaariana, Árabe, Sul da Ásia e Ásia Confuciana18.

Entendo que classificar os países de acordo com seus elementos culturais pode ser questionável, visto que em cada grupo existem muitas distinções culturais tanto entre os países, como entre as regiões de uma mesma nação. Porém, é necessário reconhecer que as interações entre membros de agrupamentos culturais muito distintos tem chances bem maiores de haver diferenças mais significativas em valores e crenças, a parte não visível do iceberg e não explicitamente manifestados verbalmente, podendo resultar em obstáculos extras na comunicação. Na realidade, os valores culturais são naturalizados dentro das práticas sociais e são aprendidos de forma “não analisada” pelos membros da cultura; muitas vezes são revelados de modo mais claro através de conflitos interculturais.

Esse processo poderia, talvez, esclarecer os resultados apontados no estudo de Mangenot e Tanaka (2008), sobre interações virtuais na área de LE entre franceses e japoneses, assim como em outros estudos que serão apresentados mais adiante na seção 2.1.3 deste capítulo. É interessante destacar, também, que, segundo alguns estudos (SERCU, 2004; KEALEY E RUBEN, 1983), ocorrem menos problemas nas interações interculturais quando os interlocutores apresentam alguns traços de personalidade, como por exemplo: empatia, respeito, interesse pela cultura, flexibilidade, tolerância, mente aberta, iniciativa, sociabilidade e autoimagem positiva. Contudo, acredito que essas                                                                                                                          

18 Segundo o estudo, os países desses aglomerados culturais têm mais aspectos culturais em comum: Anglo-

Saxão (Inglaterra, Austrália, Canadá, EUA etc.); Europa Latina (Itália, Portugal, Espanha, França etc.); Europa Nórdica (Finlândia, Suécia, Dinamarca etc.); Europa Germânica (Áustria, Suíça, Holanda, Alemanha); Europa Oriental (Hungria, Rússia, Polônia, Eslovênia etc.); América Latina (Venezuela, Argentina, Brasil, Colômbia etc.); África Subsaariana (Namíbia, Zâmbia, Nigéria etc.); Árabe (Qatar, Marrocos, Egito etc.); Sul da Ásia (Índia, Indonésia, Filipinas etc.); Ásia Confuciana (Taiwan, China, Japão etc.). Para mais detalhes sobre o estudo, ver Gupta et al. (2002).

características são bastante subjetivas e complexas para serem analisadas entre participantes de uma interação e, talvez, essa premissa necessitaria de mais investigações para ser validada.

Por último, vale ressaltar que possibilidades de conflitos podem existir mesmo entre países que compartilham alguns traços culturais, como a América Latina. Além dos valores culturais em comum que geralmente existem (família, amizade, fé entre outros), cada grupo tem suas próprias crenças e valores mais específicos e distintos dos demais grupos. Essas distinções podem se revelar nas interações com participantes de grupos diferentes. Visto que a América Latina é constituída de cerca de 20 países, cada um com específicos elementos culturais tangíveis (música, literatura, comida, dança) e alguns intangíveis (crenças, valores éticos e sociais), as particularidades culturais de cada grupo são muitas.

No contexto deste estudo, a interação entre brasileiros e argentinos, atrelado à língua espanhola, é um direcionamento que dá destaque à cultura de um país da América Latina, a Argentina. E essa interação era desejável, tendo em vista que ela tem o potencial de desenvolver certas competências que podem ser úteis para a comunicação e compreensão de outras culturas.