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Classificações de textos

No documento O tempo no texto (páginas 77-106)

Capítulo 1 O nível de análise textual

1.4. Classificações de textos

A questão do agrupamento de textos segundo as semelhanças que revelam tem sido central no âmbito da Linguística Textual. Propomo-nos, de seguida, especificar o lugar e a relevância que as teorias das classificações textuais ocupam numa investigação em Linguística Textual. Tais classificações têm sido objecto de reflexão permanente entre os teorizadores desta área e, desde a emergência da disciplina, foi repetidamente afirmado que um dos seus principais objectivos residia na elaboração de tipologias textuais.

A importância das classificações revela-se, portanto, quer sob um ponto de vista programático, quer sob um ponto de vista epistemológico. Na verdade, se perspectivarmos as tipologias textuais como um fim em si mesmas, estaremos a secundarizar um aspecto decisivo: a relevância destas classificações em investigações linguísticas subsequentes. A afirmação da Linguística Textual enquanto disciplina científica passou, num dado momento, pelo estabelecimento

de tipologias de textos, que constituíram, em muitos casos, bases seguras para desenvolvimentos posteriores, nomeadamente para investigações que se apoiassem nas classes propostas. Por conseguinte, a emergência de tipologias textuais deve ser perspectivada não só como um objectivo primordial da Linguística Textual, mas também como uma primeira etapa a partir da qual esta disciplina se pôde afirmar de forma metodologicamente sólida e teoricamente coerente. Tal facto apenas sublinha a evidência de que as tipologias (textuais ou outras), regra geral, se inscrevem num determinado projecto científico.

Propomo-nos, nesta secção, começar por efectuar uma reflexão acerca da actividade de classificar para, em seguida, abordarmos diferentes modos de agrupar os textos.

Se uma classificação constitui um modo de ordenação de entidades, é necessário estabelecer os pressupostos metodológicos que lhe devem estar subjacentes, o que, segundo Rollin (1981), equivale a responder às seguintes questões: porque há a necessidade de elaborar classificações? Como se procede? Como se põe à prova uma classificação? E como se selecciona, entre duas ou mais classificações distintas, a melhor? As considerações que se seguem enquadram devidamente estas questões.

A ideia que preside à elaboração de classificações textuais pode ser resumida do seguinte modo: subjacente à infinita diversidade das manifestações linguísticas e à irredutível singularidade de qualquer texto original, é possível encontrar regularidades e características idênticas em textos empiricamente distintos. Classificar textos consiste em identificar semelhanças e diferenças entre objectos linguísticos únicos, a partir de determinadas propriedades, que são seleccionadas pelo autor da classificação em função da sua importância. Qualquer tentativa de categorização tem como objectivo conferir uma dada ordem a um grupo de entidades distintas.

Além disso, qualquer teorizador que proponha uma classificação textual encontra-se perante um dilema. Se a tipologia prevê um número elevado de

classes, adequar-se-á melhor ao conjunto de objectos empíricos a que se aplica, e reflectirá, de forma mais rigorosa, as características próprias de cada classe; todavia, perderá grande parte da sua funcionalidade, devido à ramificação justificada pelo maior grau de detalhe. Se a tipologia for composta por um número muito restrito de classes, ainda que seja mais facilmente aplicável, tenderá a reduzir a diversidade e complexidade inerentes aos textos. Logo, o objectivo de quem classifica é produzir uma tipologia suficientemente detalhada, de modo a reflectir a complexidade dos objectos classificados, mas não tão ramificada ao ponto de se tornar inútil, dada a sua falta de aplicabilidade.

O grau de relevância das propriedades tomadas em consideração depende, entre outros factores, da área de investigação em que se inscreve o autor da tipologia e dos objectivos que pretende atingir. Quando se procede à actividade de classificar, é necessário focar a atenção em certas propriedades, salientando-as, e abstrair de outras, menosprezando-as. Constitui, por conseguinte, uma representação selectiva da totalidade e da complexidade de um conjunto de objectos. Desta forma, como salientou Schnewly (1991), as tipologias são construções teóricas que têm como finalidade a apreensão e compreensão de certos fenómenos precisos.

Uma classificação funda-se em três parâmetros: um domínio de aplicação (neste caso, o conjunto de textos compostos por signos linguísticos), critérios de categorização e a explicitação do modo como se aplicam esses critérios ao domínio em questão.

Autores como Östman e Virtanen (1995) e Pilegaard e Frandsen (1996) argumentaram que é possível distinguir dois grandes conjuntos de abordagens no domínio das classificações textuais: uma que se funda em critérios de natureza externa e que se aplica a textos completos − cujas categorias correspondem a géneros discursivos; e outra que se baseia em critérios de natureza interna e que se aplica a segmentos textuais − cujas categorias correspondem a tipos de textos.

No quadro seguinte, estão listados os principais critérios utilizados na configuração de tipologias textuais, segundo Petitjean (1989).

Critérios Exemplos de oposições que propiciam

Conteúdo temático romance cor-de-rosa vs. romance policial

Organização global narração vs. descrição vs. argumentação

Organização local 1.ª pessoa + passé composé vs. 3.ª pessoa + passé simple

Modo enunciativo momento da enunciação vs. outro momento

Modo comunicacional texto sério vs. texto fictivo

Intenção comunicativa texto que informa vs. texto que argumenta

Acto de linguagem acto directivo vs. acto expressivo

Função perlocutória texto para fazer rir vs. texto para instruir

Destinatário carta pessoal vs. roteiro turístico

Modo de sociabilidade texto inovador vs. texto ritualizado

Suporte texto oral vs. texto escrito

Na base de uma qualquer classificação, há, por conseguinte, critérios que podem ser da mais variada índole − quer em função dos objectivos a atingir, quer da área em que o seu autor se inscreve. É necessário, pois, explicitar e testar a validade dos alicerces que sustentam as tipologias. A avaliação de uma dada classificação decorre, sobretudo, do seu maior ou menor grau de adequação aos fenómenos que são objecto de análise, bem como da riqueza e da pertinência das conclusões que ela viabilizou, sempre que foi tomada como ponto de partida. Por outro lado, há que ter em consideração que, dependendo dos parâmetros usados para estabelecer as tipologias textuais, elas podem ter carácter provisório,

porque são susceptíveis de serem alteradas devido, no caso das práticas discursivas humanas, aos desenvolvimentos diacrónicos de uma actividade eminentemente social.

Segundo Isenberg84, há quatro princípios metodológicos que devem subjazer à elaboração de classificações − homogeneidade, monotipia, não-ambiguidade e exaustividade −, princípios que são igualmente úteis para a validação das mesmas. As entidades que são objecto de classificação devem apresentar semelhanças entre si, para que não se incluam objectos essencialmente diversos. Numa tipologia textual, são os textos que motivam a actividade de classificar, isto é, entidades constituídas por signos linguísticos, dispostos segundo regras dominadas pelos locutores de uma dada língua natural. Logo, toda e qualquer manifestação verbal prefigura um objecto classificável numa tipologia de textos.

As classificações devem também conter explicitações de tal modo claras e inequívocas que impossibilitem que uma entidade se possa inscrever em mais do que uma classe num mesmo nível hierárquico da classificação. Acontece que, por vezes, nas classificações textuais, podem surgir dúvidas quanto à categoria em que se integra um determinado texto. Tal sucede quando um dado critério prevê que as distinções entre as classes sejam assinaladas, não como uma oposição binária, mas como uma escala de valores (de natureza graduável, por definição).

Além disso, uma tipologia deve incidir sobre todas as entidades do conjunto que é objecto de classificação, o que equivale a dizer que ela deverá prever classes suficientes, quer em número, quer em extensão conceptual, esgotando, assim, todas as possibilidades. Se os princípios da exaustividade e da não-ambiguidade forem respeitados, qualquer texto deverá ser susceptível de se incluir numa, e numa só, das categorias previstas na classificação.

84 Cf. ISENBERG, H. (1978), “Probleme der texttypologie”, Variation und determination

A existência de hesitações e confusões terminológicas reclama a explicitação e a delimitação, rigorosa e clara, das designações e dos conceitos mais relevantes. Já referimos que, na concepção adoptada na nossa investigação, texto e discurso indicam um mesmo objecto. Mas também a designação tipos de texto se tem prestado a equívocos, uma vez que aponta (em função da área do conhecimento ou do quadro teórico em que se inscreve) para objectos distintos. A ausência de uma clara delimitação de conceitos dificulta o uso das designações adequadas quer ao objecto, quer ao nível de abstracção que se pretende referir, facto que redunda, por vezes, em ambiguidades ou equívocos. Torna-se, pois, necessário restituir-lhes o carácter operatório, uma vez que, se tais denominações servem para designar indiferentemente vários conceitos, então elas não servem de muito a um investigador.

É conveniente começar por estabelecer uma rigorosa distinção (que passa, na perspectiva que adoptámos, pela sua hierarquização) entre tipos de discurso e géneros discursivos85. No âmbito de uma comunidade que se identifica pelos seus rituais verbais, as actividades linguísticas são susceptíveis de serem caracterizadas a nível institucional. Os tipos de discurso configuram-se no seio de certas instituições humanas, que designamos por formações sociodiscursivas e se apresentam como produtoras de textos. Um tipo de discurso constitui, portanto, uma abstracção elaborada a partir da identificação da formação sociodiscursiva86

de onde procedem textos87. Um género discursivo pode definir-se como uma

85 Seguimos as concepções de Petitjean (1989), Adam (1990, 1992) e Maingueneau

(1993, 1996).

86 O conceito de formação discursiva foi sugerido por Foucault em L’archéologie du

savoir, Paris, Gallimard, 1969.

87 A noção de tipo de discurso define «pour une époque donnée un certain nombre de

secteurs de l’activité discursive tout en prescrivant à l’auditeur ou au lecteur le type de comportement qu’il doit entretenir avec le texte», Maingueneau (1993: 144).

construção abstracta, concebida a partir de um conjunto de propriedades (de natureza formal, temática, estrutural, funcional, etc.) inerentes aos discursos emanados de uma determinada formação sociodiscursiva. Porque se situam em níveis de abstracção distintos e englobam elementos que mantêm uma relação de hiponímia entre si, os conceitos de tipo de discurso e género discursivo implicam- -se mutuamente.

Segundo Swales (1990: 61), «genres vary significantly along quite a number of parameters». A título de exemplo refira-se que, embora dois géneros sejam originários de uma mesma formação sociodiscursiva, eles distinguem-se pelas suas características específicas, que relevam de factores como o tema abordado, a estrutura do texto (determinada por condicionalismos linguísticos, argumentativos, pragmáticos, etc.), a sua finalidade e o público a que se destina. A oração, a prece e a parábola, por exemplo, são géneros discursivos que se incluem no tipo de discurso religioso; a mesma relação de inclusão se verifica entre romance, soneto e tragédia e o discurso literário; ou entre decreto-lei, código e parecer e o discurso jurídico. O quadro seguinte esquematiza a distinção que acabámos de estabelecer entre tipos de discurso e géneros discursivos.

TIPOS DE DISCURSO GÉNEROS DISCURSIVOS Discurso religioso Sermão Oração Parábola Bula etc. Discurso literário Romance Conto Soneto Tragédia etc. Discurso jurídico Decreto-lei Estatuto Código Despacho etc. ... ...

Sendo o género uma categoria que toma a forma de um horizonte de expectativa da actividade linguística, a sua relevância consubstancia-se quer no nível da produção, quer no nível da interpretação.

Do ponto de vista da produção, o surgimento de um novo texto é sempre enformado pela noção de género. Deste modo, parece-nos pertinente a ideia de uma escalade valores,que oscila entreos pólos da prescrição (submissão às regras instituídas) e da subversão (derrogação dessas mesmas regras). É, pois, legítimo concluir que, numa dada formação sociodiscursiva, os géneros dão forma às

produções verbais: são eles que regulam os diferentes planos de organização textual88.

Do ponto de vista da recepção, os textos manifestam propriedades (formais, temáticas, estilísticas, pragmáticas, etc.) que nos permitem agrupá-los, no âmbito da formação sociodiscursiva que esteve na sua origem, em diferentes géneros discursivos. Deste modo, no conceito de género discursivo, designadamente porque lhe subjaz uma dada memória colectiva, radica, em parte pelo menos, a noção de intertextualidade. Por configurarem modos de textualização típicos de uma dada formação sociodiscursiva, os géneros são subcategorizados num determinado tipo de discurso, o qual engloba toda a produção verbal da instituição em que se enquadram.

Qualquer género discursivo enforma um determinado horizonte de expectativas por parte do alocutário. Nesse sentido, os géneros constituem-se como instância reguladora que auxilia o alocutário no processamento do texto, porquanto a sua identificação é um processo decisivo para a interpretação dos produtos verbais. A partir desse reconhecimento preliminar, é possível prever, frequentemente, a estrutura do texto, a sua extensão, as suas finalidades, etc. Tais previsões, evidenciando a noção de competência textual, sublinham a ideia segundo a qual, desde o início de um texto, os falantes são sensíveis ao todo discursivo.

Tenha-se em atenção que os conceitos de oração, de soneto ou de decreto- -lei constituem abstracções construídas com base nas propriedades manifestadas por textos empíricos. Por outras palavras, na tripartição tipos de discurso/géneros discursivos/textos, os únicos objectos observáveis são os textos.

Vimos já que, no âmbito de cada formação sociodiscursiva, as práticas de comunicação verbal conduzem à emergência de formas relativamente estáveis de enunciados (dos pontos de vista temático, composicional e estilístico), que se

caracterizam por um elevado grau de adequação à esfera de actividades em que emergem. Em cada época, cada grupo social possui um reportório próprio de géneros discursivos. À medida que a actividade desse grupo se complexifica, também os géneros se ampliam, o que evidencia a sua evolução histórica (manifestada, segundo a concepção de Bakhtine, na diferenciação entre géneros primários – mais simples - e géneros secundários – mais complexos).

Os géneros constituem, por conseguinte, formas mais ou menos cristalizadas, normativas e impessoais que regulam a comunicação verbal. Os falantes, possuidores de um vasto reportório de géneros, actualizam-nos constantemente, e, segundo Bakhtine (1984a), eles organizam a fala da mesma maneira que a gramática das línguas naturais. Por outras palavras, as práticas discursivas nunca são combinações absolutamente livres de unidades linguísticas. E tal não se deve apenas às prescrições de géneros discursivos impostas pela situação de enunciação, mas também ao conceito de dialogismo, segundo o qual os destinatários de um determinado enunciado desempenham um papel não menosprezável na produção verbal, prefigurando-se como verdadeiros coenunciadores. Na opinião de Bakhtine (1984b: 319), «dans le mot, une voix créatrice ne peut jamais être que seconde voix».

Não é recente a teorização acerca da problemática do agrupamento de textos em classes, segundo as semelhanças que apresentam. Platão e Aristóteles foram os primeiros a abordar a questão de forma sistematizada, pelo que a perspectiva literária tem uma larga tradição na abordagem deste tema. A maior parte das propostas mais importantes acerca do agrupamento de textos é historicamente tributária dessa área de investigação. Tal facto não é de estranhar, se recordarmos que o interesse da Linguística pelo nível de análise textual emergiu sobretudo a partir do final dos anos 60 do século passado. Todavia, ao longo das últimas décadas do século XX, surgiram desenvolvimentos relevantes, tendo sido propostas algumas teorias fundadas em diferentes áreas de investigação linguística

(procedentes, em particular, da Linguística Textual, da Sociolinguística e da Psicolinguística)89.

Num artigo de referência sobre esta temática, Petitjean (1989) agrupou as classificações textuais segundo o objecto a classificar e a abordagem efectuada, elaborando uma verdadeira tipologia de tipologias, com base em dois parâmetros: a utilização de um ou mais critérios na actividade de classificar e o maior ou menor grau de heterogeneidade desses mesmos critérios. Distinguiu entre tipologias homogéneas (as que se fundam numa base tipológica única), tipologias intermediárias (baseadas quer no modo enunciativo, quer na intenção de comunicação, quer ainda nas condições de produção) e tipologias heterogéneas (as que são motivadas por critérios variados – por exemplo, de natureza temática, estrutural, funcional, etc.).

Petitjean (1989) reservou o uso de designações próprias para cada tipo de classificações textuais, atitude que coincide com as decisões terminológicas que atrás tomámos90. Este autor designou por tipos de textos os objectos das classificações homogéneas. Os tipos de discurso referem-se às classes previstas nas tipologias intermediárias e, por fim, os géneros de discurso indicam os objectos das classificações heterogéneas, como se resume no quadro seguinte.

89 Os psicólogos da linguagem evidenciaram o carácter intuitivo e espontâneo da

operação mental de categorização, bem como a sua importância quer para a produção, quer para a compreensão dos textos. Por outro lado, «on doit aux sociologues […] une réflexion critique sur le caractère ‘constituant’ des genres», Petitjean (1989: 88).

90 Recorde-se, todavia, que Petitjean, ao contrário do que fazemos neste estudo, procedeu

à distinção entre os conceitos de texto (objecto linguístico) e discurso (produção verbal contextualizada).

TIPOS DE CLASSIFICAÇÕES NATUREZA DOS CRITÉRIOS OBJECTOS DAS CLASSIFICAÇÕES

Classificações Homogéneas Cognitiva Tipos de texto

Funcional

Classificações Intermediárias Enunciativa

Situacional

Tipos de discurso

Classificações Heterogéneas Géneros de discurso

Os tipos de texto configuram-se em torno de um conceito unidimensional (de natureza cognitiva), enquanto os tipos de discurso relevam de regularidades sistematicamente associadas à situação em que se dá a produção verbal (parâmetros da enunciação, formações sociodiscursivas, etc.); logo, paralelamente à dimensão textual, consideram-se as dimensões social, pragmática e enunciativa do produto verbal. Por fim, os géneros de discurso designam objectos semióticos pluridimensionais, e advém desse facto a maior heterogeneidade que caracteriza os critérios tipológicos que estão na sua origem.

Procederemos, de seguida, a uma reflexão acerca destas diferentes formas declassificartextos.Faremosreferênciaapenasaalgumasdastipologias propostas, designadamente as que são, em nossa opinião, mais relevantes, quer por razões que decorrem da sua importância intrínseca, quer pela sua conformidade para ilustrar a classe em que Petitjean as integra.

Astipologias heterogéneas compreendem critérios de agrupamento de textos bastante diversificados, desde a intenção comunicativa ao conteúdo temático, desde os condicionalismos temporais e espaciais da enunciação à estrutura textual e às marcas linguísticas manifestadas na superfície do texto, desde o estatuto dos locutores e dos alocutários ao suporte e modo de difusão do produto verbal. Os objectos sobre os quais incidem são designados géneros. Segundo Kerbrat- -Orecchioni (1980: 170), «tout genre se définit comme une constellation de

propriétés spécifiques […] qui relèvent d’axes distinctifs hétérogènes (syntaxiques, sémantiques, rhétoriques, pragmatiques, extralinguistiques, etc.)». Trata-se de configurações de escolhas progressivamente cristalizadas dentro de um grupo social.

Os géneros literários e religiosos atrás referidos constituem alguns exemplos de produtos verbais que se inscrevem nas tipologias heterogéneas. A diversidade e a natureza multifacetada dos critérios que lhes subjazem estão na base da proliferação de géneros discursivos. Este facto tem como consequência a elevada dificuldade em proceder à actividade de classificação de um modo minimamente satisfatório, respeitando os princípios enunciados por Isenberg. Segundo Bronckart, o conjunto dos géneros é, por natureza, inclassificável, pelo menos de um modo definitivo.

Vejamos alguns exemplos da diversidade de critérios que subjaz às classificações de géneros. Dentro dos géneros discursivos que se integram no discurso religioso, distinguimos entre sermão e oração com base num critério que releva dos interlocutores a quem se dirige, apesar de ambos os géneros configurarem actos ilocutórios directivos. Já o sermão e a bula se diferenciam porque aquele ocorre predominantemente na oralidade, enquanto esta se apresenta geralmente como texto escrito e configura um acto ilocutório declarativo.

No âmbito do discurso literário, a autobiografia e o romance distinguem-se segundo o critério de ficcionalidade que caracteriza este último género narrativo; além disso, a autobiografia é necessariamente uma narrativa de 1.ª pessoa. O sub- -género romance policial remete para uma história relacionada com actividades ilícitas e subsequentes investigações policiais; é, portanto, o conteúdo temático

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