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Texto/discurso e abordagens textuais

No documento O tempo no texto (páginas 30-52)

Capítulo 1 O nível de análise textual

1.2. Texto/discurso e abordagens textuais

Dedicaremos esta secção à reflexão crítica acerca de algumas definições de texto propostas por autores da área da Linguística Textual, ou que se situam em áreas próximas e que se revelaram importantes para a Linguística Textual. Na secção 1.3., exploraremos detalhadamente os parâmetros de textualidade, com destaque para o conceito de coerência. Incorporaremos, no âmbito da exposição sobre a coerência, algumas reflexões importantes decorrentes de áreas que, como a Psicolinguística, estudam questões relacionadas com o processamento da informação discursiva. Explicitaremos, nessa secção, os principais conceitos e actividades cognitivas envolvidos na interpretação do discurso. A secção 1.4., por fim, será dedicada à complexa questão das classificações de textos.

Foram razões de natureza estritamente metodológica que determinaram esta abordagem, em secções diferentes, do conceito de texto e dos parâmetros de textualidade. É um procedimento artificial separar o tratamento dos produtos verbais e as características que lhes são inerentes. Todavia, segundo a metodologia que nos propomos seguir, faz sentido começar por reflectir sobre o conceito de texto e sobre os principais avanços teóricos decorrentes das propostas de autores como Weinrich, Benveniste, van Dijk, Beaugrande e Dressler, Maingueneau, Bronckart e Adam. Justifica-se, portanto, que, numa secção, sejam abordadas algumas das mais relevantes definições de texto e, na secção seguinte, os factores subjacentes à existência de um texto.

Vamos concentrar-nos, em primeiro lugar, na delimitação do conceito de texto e na exposição das ideias centrais de alguns dos mais importantes modelos teóricos propostos. O nosso objectivo não consiste em enquadrar a génese e o desenvolvimento da Linguística Textual (pelo que não abordaremos todos os teorizadores que deram contributos valiosos), mas em assinalar alguns dos marcos

decisivos no percurso que esta disciplina tem vindo a trilhar. Analisaremos de modo mais detalhado as teorizações de Bronckart e de Adam porque, embora diversas, são propostas que, de um ponto de vista teórico e metodológico, se apresentam como muito consistentes e completas: em conjunto, propiciam descrições adequadas e exaustivas de todos os factores que intervêm na comunicação verbal. Julgamos que, apesar de os autores indicados se inscreverem emáreasdoconhecimento distintas (respectivamente, na Psicologia da Linguagem e na Linguística Textual) e de perseguirem objectivos distintos6, seguindo

metodologias igualmente diferentes, as suas abordagens são complementares. Ambos os modelos perspectivam globalmente o fenómeno da comunicação verbal, e são reveladores do modo complexo e imbricado como os diferentes factores que enquadram as interacções verbais interferem na organização textual. Debruçar-nos-emos, também, sobre outros autores, nomeadamente sobre aqueles cuja contribuição para a Linguística Textual se revelou determinante.

Por conseguinte, propomo-nos reflectir, neste capítulo, sobre diferentes abordagens textuais, de modo a pontuar os momentos mais relevantes na consolidação da Linguística Textual. Pretendemos assinalar, também, a diversidade de perspectivas que nela coexistem e a multiplicidade de disciplinas científicas que contribuem para o enriquecimento das suas reflexões.

Entre os precursores da Linguística Textual, conta-se Weinrich, que defendeu a necessidade de descrever as significações das unidades linguísticas a nível do texto, perspectivando-as na sua dimensão instrucional7 (em complementaridade com a dimensão referencial). O texto é, segundo

6 Bronckart interessa-se fundamentalmente por descrever os processos cognitivos que

subjazem à produção textual. Adam visa, sobretudo, explicitar os diferentes modos de estruturação dos textos. Ambos os autores têm necessariamente em consideração outros elementos (que não apenas de natureza psicológica, no caso de Bronckart, ou estritamente textual, no caso de Adam) que condicionam a emergência do objecto texto.

7 Sublinhe-se que só em Weinrich (1989) é usado o termo instrucional. Esta dimensão do

significado, contudo, parece encontrar-se já implícita na sua obra Tempus, originalmente publicada em 1964 (consultámos a tradução espanhola; cf. Weinrich (1968)).

Weinrich (1989: 24), «l’énoncé linéaire qui est compris entre deux interruptions remarquables de la communication et qui va des organes de la parole ou de l’écriture de l’émmeteur aux organes de l’audition ou de la vue du récepteur».

Tal definição realça vários aspectos incontornáveis para a Linguística Textual: um texto constitui uma produção verbal que se apresenta em registo oral ou escrito. Além disso, possui uma extensão indeterminada: pode tratar-se de um único enunciado ou de uma dissertação de doutoramento. Esta citação revela a preocupação central do autor: alargar, da frase ao texto, o domínio da análise linguística. Por fim, sublinha que a mudança de locutor numa interacção verbal não comporta uma interrupção manifesta da comunicação, ou seja, não é indicadora do fim de um texto e do princípio de outro, pelo que as sequências de enunciados que constituem um diálogo são também concebidas como um texto. A sua definição, todavia, é vaga no que respeita à estrutura textual, pois nada adianta acerca da organização global dos textos.

Weinrich verificou, de modo consentâneo com os estudos de Benveniste, que as capacidades combinatórias dos tempos verbais em francês permitiam distribuí-los por dois grupos. A discrepância entre dois sistemas verbais complementares (que incluíam não só tempos verbais comuns mas também tempos verbais cujo significado aponta para as mesmas esferas temporais) motivou Weinrich a propor uma análise que não incidisse prioritariamente na sua significação temporal. Defendeu, então, a ideia segundo a qual a função de localizar estados de coisas no tempo extralinguístico é desempenhada prioritariamente pelos adverbiais temporais, e formulou a hipótese de os tempos verbais possuírem uma dimensão instrucional, destinada a induzir determinados comportamentos no alocutário com a finalidade de ajudá-lo a interpretar o texto. A validade desta hipótese foi comprovada com o desenvolvimento de estudos

nesta área, os quais desembocaram no surgimento de gramáticas textuais, de que a Grammaire textuelle du français8, do próprio Weinrich, é exemplo paradigmático.

Na verdade, foi Benveniste quem primeiro verificou que os tempos verbais do francês se distribuem, segundo um critério combinatório, por dois sistemas distintos mas complementares. Propôs, então, a hipótese de que os dois grupos manifestam níveis de enunciação diversos. Resumidamente, a enunciação histórica, reservada à escrita, caracteriza-se pela narração de eventos passados (o passé simple é o tempo verbal típico deste nível de enunciação) e pela eliminação de todas as unidades linguísticas autobiográficas. Pelo contrário, a enunciação discursiva privilegia o passé composé (mas inclui também o présent e o futur, rejeitando o uso do passé simple) e as formas (verbais e pronominais) de 1.ª e 2.ª pessoa do singular, bem como adverbiais espaciais e temporais deícticos (aqui e agora, por exemplo)9.

Sublinhe-se que, em português, esta distinção apenas se aplica nas vertentes pessoal e adverbial, uma vez que não se atesta uma oposição como a que existe em francês entre passé simple e passé composé. Aliás, a fraca aplicabilidade desta teoria a outras línguas que não a francesa deveu-se precisamente à ênfase concedida à oposição entre aqueles dois tempos verbais, facto que comprometeu a sua validação universal. Não se pense que, por essa razão, o contributo de Benveniste para a emergência de um novo paradigma nas ciências da linguagem (a linguística da fala por contraste com a linguística da língua) deve ser menosprezado. Ter trazido para o centro das atenções da investigação linguística o locutor concreto (rejeitando, portanto, o ente idealizado concebido quer por Saussure, quer por Chomsky) constitui um mérito que não é, seguramente, menor.

8 Referimo-nos à tradução francesa de Textgrammatik der französischen sprache;

cf. Weinrich (1989).

9 Explicitaremos, de modo mais extenso, a teoria dos níveis de enunciação quando

É que existe uma relação óbvia entre o surgimento de descrições linguísticas centradas no indivíduo inserido numa dada situação, localizado através de coordenadas de natureza espácio-temporal e sociocultural, e as propostas de alargamento do nível de análise da frase ao texto. Quer o locutor idealizado − desenraizado de um tempo e de um lugar, destituído de quaisquer características psico-socioculturais −, quer a frase isolada − desprovida de co-texto e de contexto −, revelaram-se conceitos artificiais e insuficientes para descrever adequadamente os inúmeros e complexos factores envolvidos na comunicação verbal. Num certo sentido, a Sociolinguística, a Análise do Discurso, a Pragmática e a Linguística Textual tiveram origem nas incapacidades explicativas de abordagens anteriores.

Para uma articulação entre a Linguística Textual, a Pragmática e a Psicologia Cognitiva, van Dijk deu um contributo decisivo. A sua importância na emergência da análise semântica a nível do texto advém particularmente dos seus estudos e da sua teorização acerca das diferentes categorias subjacentes à estruturação textual.

Este autor contemplou nas suas reflexões dois tipos de estruturas textuais: as macroestruturas e as superestruturas. Por se revelarem particularmente relevantes quer na sua teorização, quer em desenvolvimentos ulteriores da Linguística Textual, procederemos, de seguida, à explicitação destes conceitos.

As macroestruturas constituem, segundo van Dijk, representações abstractas da organização semântica global dos textos, equivalentes, no nível textual, às estruturas profundas da frase (segundo as primeiras propostas da gramática generativa),e inerentes ao processamento complexo dos conteúdos informativos10.

10 «Macrostructures are higher-level semantic or conceptual structures that organize the

‘local’ microstructures of discourse, interaction, and their cognitive processing», van Dijk (1980: v). Na obra Text and context, van Dijk definiu as macroestruturas nos seguintes termos: «a macrostructure of a sequence of sentences is a semantic representation of some kind, viz a proposition entailed by the sequence of propositions underlying the discourse (or part of it)», van Dijk (1977: 137).

Estão directamente relacionadas com o conceito de tópico (frásico e discursivo)11 e têm como função organizar e reduzir a informação através de (macro-)regras semânticas12 que estabelecem a relação entre o nível local e o nível global,

gerando macroestruturas (inscritas em sequências de frases) a partir de microestruturas (detectáveis no nível da palavra, do sintagma, da oração e das conexões entre as frases). Estas regras incidem sobre os conteúdos e consistem, fundamentalmente, na sua supressão parcial (ou seja, na omissão de informações não necessárias para a compreensão global do texto) e na sua generalização (isto é, na sucessiva integração no nível global de conteúdos do nível local). Deste modo, o sumário de um texto reproduz geralmente a macroestrutura que lhe subjaz.

No modelo de van Dijk, prevê-se a existência de diferentes níveis macroestruturais, dependentes da extensão de um texto e da quantidade de informação nele contida. Cada nível macroestrutural consiste numa sequência de proposições linearmente ordenadas e dotadas de coerência. Os diferentes níveis sobrepõem-se de forma piramidal, verificando-se uma progressiva redução da informação: quanto mais elevado for o nível macroestrutural, mais ele se caracteriza por supressões e generalizações dos conteúdos semânticos. Entre as marcas linguísticas presentes na superfície textual que propiciam a formação de macroproposições13 contam-se os títulos, as palavras e os sintagmas em posição

11 Os conceitos de tópico de frase e tópico discursivo (ou tópico de conversação) são

definidos em termos semânticos a partir da noção, um pouco vaga, de aboutness: trata-se daquilo acerca de que se comunica verbalmente. O tópico discursivo é mais abrangente do que o tópico de frase, sendo este mais facilmente reconhecível devido à sua posição: tipicamente, localiza-se em início de frase.

12 Há evidentes analogias entre estas regras e as que servem de mediação entre a estrutura

profunda e a estrutura de superfície da frase, na concepção inicial de Chomsky; tais semelhanças conceptuais denunciam a filiação generativa das primeiras reflexões de van Dijk.

13 Na teorização de van Dijk, o conceito de macroproposição é concebido como um

conteúdo que subsume um segmento textual de dimensão indeterminada. Ao longo deste trabalho, utilizaremos o conceito de macroproposição tal como foi proposto por Adam (1992), isto é, na acepção de fase inerente a um dado protótipo sequencial. Por exemplo, a estrutura macroproposicional do protótipo sequencial narrativo é

temática, e os primeiros enunciados de uma interacção verbal (na oralidade), de um capítulo ou de um parágrafo (em textos escritos).

Fica a dever-se, sobretudo, às macroestruturas o facto de os textos serem, na fonte, planeados como uma unidade significativa e, na recepção, interpretados como um todo coerente. Elas desempenham uma função vital no processamento da informação, viabilizando alguns dos procedimentos que atestam a competência textual dos locutores (por exemplo, as já referidas capacidades de resumir ou de reconhecer um texto incompleto).

A componente cognitiva, aliás, é fundamental nesta teorização, devido ao lugar central que o tratamento de informação nela ocupa14. Na recepção, os conteúdos novos são integrados em informação já conhecida; e o tópico da frase desempenha uma função cognitiva relevante, uma vez que selecciona a unidade de informação que o alocutário deve activar para acrescentar algo novo acerca dela (o comentário). O tipo de conteúdos que são armazenados na memória e o modo como eles são aí organizados dependem de tarefas cognitivas como reconhecer, recordar, inferir e resolver problemas de interpretação. Durante o processamento dos conteúdos informativos, estas operações servem o propósito de formular hipóteses na tentativa de (re)construir a macroestrutura subjacente à sequência em questão. Estudos realizados no âmbito da Psicologia da Linguagem comprovaram que a informação memorizada pelos locutores corresponde basicamente àquela que se enquadra no conceito de macroestrutura, o que comprova que esta noção é cognitivamente motivada.

composta pelas seguintes macroproposições: a situação inicial, a complicação, as reacções, a resolução e a situação final.

14 Na secção 1.3. deste capítulo, ao abordarmos a questão da compreensão textual,

explicitaremos os principais processos cognitivos subjacentes ao tratamento da informação discursiva.

Van Dijk (1977: 11) sublinhou igualmente que «the semantic of sentences and that of sequences and discourses cannot be dissociated from each other», pelo que se justifica integrar, numa análise do significado global do texto, os níveis frásico, textual e pragmático. Na verdade, as macroestruturas do nível semântico têm correspondência, a nível pragmático, nos macro-actos de fala. Se a macroestrutura representa o significado global abstraído a partir de uma sequência de enunciados, também uma sequência de actos de fala configura um macro-acto de fala15.

As macroestruturas dependem ainda do género discursivo em causa. O conceito de superestrutura − definido por van Dijk (1980: 127) como «conventionalized schemata, which provide the global ‘form’ for the macrostructural ‘content’ of a text» − releva da existência de esquemas formais, fixos e convencionais, que servem de molde para veicular os conteúdos inseridos nas macroproposições. As superestruturas consistem, então, em esquematizações de categorias funcionais e respectivas regras de ordenação, através das quais se organiza hierarquicamente o conteúdo global do discurso. São motivadas por razões de ordem pragmática, porquanto desempenham um papel central no processamento da informação textual. À natureza semântica das macroestruturas opõe-se, portanto, o carácter esquemático e linear das superestruturas. São elas que organizam formalmente a macroestrutura de um texto, à maneira de uma sintaxe textual. Daí que, para este autor, as macroestruturas configurem o objecto da gramática textual, enquanto as superestruturas, não sendo especificamente linguísticas, inserem-se preferencialmente numa teoria geral das práticas semióticas.

15 «Such a speech act performed by a sequence of speech acts will be called a global

Os exemplos mais comuns de superestruturas linguísticas são também os mais estudados, quer pela tradição retórica, quer pela teoria literária: a argumentação, a narração e a descrição. Cada uma destas superestruturas caracteriza-se por uma organização hierárquica das categorias de que são típica e convencionalmente compostas. Assim, a argumentação envolve categorias funcionais como as premissas, as inferências e a conclusão; a narração inclui, entre outras, as categorias de complicação, resolução e avaliação.

Uma vez que os géneros discursivos estão frequentemente associados a actos de fala específicos (recorde-se, como exemplos, o anúncio publicitário, a notícia de jornal ou o sermão religioso), o conceito de superestrutura projecta a análise do texto para o âmbito mais vasto da Pragmática, pelo que uma investigação adequada dos textos deverá ter em conta a descrição das relações sistemáticas que existem entre as macroestruturas semânticas e as macroestruturas pragmáticas.

Centrando o seu objectivo na descrição de estruturas não directamente observáveis, van Dijk concebeu o texto não como uma entidade concreta mas com carácter abstracto. Em contraste com esta concepção, Maingueneau, autor que privilegia os factores socioculturais que condicionam a produção discursiva, definiu o texto como «une suite linguistique autonome, orale ou écrite, produite par un ou plusieurs énonciateurs dans une situation de communication déterminée»16. Sublinhou, portanto, que o texto é dotado de coerência e que pode apresentar-se num registo escrito ou oral. O seu posicionamento teórico e metodológico revela-se na inclusão quer dos actores da interacção verbal (um texto é produzido por um ou vários locutores), quer da própria situação de enunciação (a que correspondem coordenadas espaciais, temporais e sociais sempre únicas). A definição apresentada evidencia, portanto, preocupações de natureza sociocultural, e tal constatação é consentânea com o facto de

Maingueneau se situar na área de investigação designada por Análise do Discurso. Esta disciplina linguística visa, genericamente, descrever a relação que se estabelece entre as interacções verbais e os lugares sociais em que elas emergem. A descrição das estruturas e dos modos de organização próprios dos diferentes tipos de textos (objecto privilegiado pela Linguística Textual) é subsidiária daquela finalidade17.

Mas o interesse pelas produções verbais de dimensão superior à da frase extravasou o âmbito da Linguística Textual, da Pragmática, da Sociolinguística e da Análise do Discurso. Bronckart é um psicólogo da linguagem que se insere no quadro teórico do interaccionismo social, pelo que privilegia a análise das relações entre um organismo e o meio que o rodeia. Propôs um modelo descritivo das operações linguísticas subjacentes ao discurso, que contempla os parâmetros do contexto e do conteúdo referencial, bem como a organização das unidades linguísticas, numa abordagem de tipo psico-sociológico. Reflectiremos, a seguir, sobre este modelo, na medida em que nele estão previstos, num plano global e abrangente, todos os factores que determinam o surgimento de qualquer texto.

17 Essa é, pelo menos, uma tendência na Análise do Discurso, nomeadamente no âmbito

da escola francesa. Na verdade, esta disciplina não apresenta a homogeneidade epistemológica que as nossas considerações teóricas brevemente resumem, caracterizando-se, antes, pela diversidade de abordagens. O objecto da Análise do Discurso é definido por Maingueneau em termos muito genéricos, assinalando precisamente a dificuldade em delimitar a especificidade do seu ponto de vista: trata-se de uma disciplina que pretende descrever o modo como o contexto perpassa no texto e vice-versa. Mais do que uma área de investigação com um objecto claramente circunscrito, a Análise do Discurso tem-se constituído como o lugar de encontro de várias disciplinas ligadas através do seu interesse pela linguagem e que a estudam na sua relação com questões sociais, históricas, psicológicas, etc. A título de exemplo, o número 117 da revista Langages (publicado em 1995), cujo tema é Les analyses du discours en

France, ilustra alguns dos diferentes percursos seguidos por autores que se inserem nesta área de investigação, frequentemente guiados por metodologias, objectivos e pressupostos teóricos muito diversificados. Cf. igualmente Charaudeau (1995, 1998) e Roulet (1999). Sublinhe-se, ainda, que, no mundo anglo-saxónico, são desenvolvidas outras linhas de investigação.

Deste modo, uma incursão sobre a teoria de Bronckart permitir-nos-á compreender melhor a emergência dos textos.

Este autor perspectiva a actividade linguística como uma forma específica de comportamento humano que se articula com todos os outros tipos de actividade. A relevância da linguagem verbal advém das suas potencialidades de representação e de comunicação. Tais potencialidades fazem com que, na sua concepção, seja a produção verbal a configurar o quadro geral que organiza e controla as acções dos seres humanos. A actividade linguística desenrola-se em zonas de cooperação social, determinadas pelos interlocutores, pelos objectivos que os movem e pelo lugar social em que decorre. O produto das acções linguísticas, definíveis em termos psicológicos, é o texto.

A acção linguística é uma intervenção, dotada de intencionalidade e atribuída a um agente, que se concretiza na entidade textual. Concomitantemente,

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