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Capítulo 2. Efeitos da decisão de inconstitucionalidade

2.5 Coisa julgada

2.5.2 Coisa julgada no processo constitucional A necessidade de novo

Ainda que o processo constitucional tenha natureza jurisdicional e produza coisa julgada material e formal, é necessário registrar que a coisa julgada nesse processo, necessariamente, deve ser guiada por outros parâmetros, até porque seu escopo é distinto em relação ao processo civil comum. No processo constitucional, a coisa julgada não tem a função de amparar direitos subjetivos, fazendo com que o Estado-juiz substitua a vontade das partes no processo em juízo. No processo constitucional não existe a tutela de direitos subjetivos nem mesmo partes existem no processo. O interesse tutelado no controle abstrato de constitucionalidade é difuso e sua natureza é objetiva. O processo abstrato não está nem à disposição de nenhuma parte nem mesmo do próprio órgão julgador, o STF, cabendo a este, se for o caso, proceder à modulação de efeitos da decisão de inconstitucionalidade153.

O processo constitucional tem autonomia, é responsável em instrumentalizar e possibilitar a abertura da Constituição aos seus intérpretes154. Estabelece um novo paradigma155 para se analisar a sentença e a coisa julgada

153 Nelson N

ERY JR. enfatiza ser difuso o interesse tutelado no controle concentrado de

constitucionalidade: “É sabido que no controle abstrato de constitucionalidade das leis e atos normativos federais e estaduais, contestados em face da Constituição Federal, não há interesse subjetivo, mas interesse difuso, de toda a coletividade, na higidez da norma federal ou estadual comparada com o texto constitucional federal. O processo não está ao dispor de nenhum sujeito individual, nem da Corte Constitucional (STF). Teoria geral dos recursos, p. 62. No mesmo sentido Vitalino CANAS ensina que nos processos de fiscalização abstrata da constitucionalidade e da

legalidade “o processo não está ao dispor de nenhum sujeito processual, incluindo, aliás, o próprio Tribunal Constitucional que não lhe pode pôr termo por razões de inconveniência ou de inoportunidade da fiscalização (podendo no máximo modelar os efeitos da sua decisão nos processos de fiscalização abstracta sucessiva de modo a adaptá-la às circunstâncias do caso. Os processos de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade pelo Tribunal Constitucional. Coimbra: Coimbra Ed., 1986, p. 130.

154 Sobre autonomia do processo constitucional conferir a obra de Eduardo Ferrer M

ACGREGOR. Derecho Procesal Constitucional, Madrid: Marcial Pons, 2008, pp. 32/43. Peter HÄBERLE. La verfassungsbeschwerde nel sistema della giustizia costituzionale tedesca. Milano: Giuffrè Editore, 2000, p. 24.

155 Essa ruptura paradigmática pode ser demonstrada por Thomas K

UHN; para este autor ocorre

transição paradigmática quando é necessário um novo paradigma apto a aproveitar as especificidades do paradigma anterior e potencializá-las para conseguir solucionar as novas controvérsias, conforme ensina ele: “o novo paradigma deve garantir a preservação de uma parte relativamente grande da capacidade objetiva de resolver problemas, conquistada pela ciência com o auxílio de paradigmas anteriores. A novidade em si mesma não é um desiderato das ciências, tal como em outras áreas da criatividade humana. Como resultado, embora novos paradigmas

material. Importar simplesmente os conceitos da coisa julgada material do processo civil comum ao constitucional pode acarretar sérios riscos e distorções na ordem jurídica vigente156. Isso ocorre principalmente em razão da anômala figura da Ação Declaratória de Constitucionalidade; admitir-se a coisa julgada material nos termos do processo civil comum em decisões de acolhimento da ADC poderia acarretar a fossilização da Constituição, daí que explicitaremos os diversos pontos que distanciam a coisa julgada material do processo civil do processo constitucional. Até porque corroboramos o posicionamento de Rui Medeiros, asseverando que o caráter objetivo do processo de controle de constitucionalidade, apesar da ausência de partes e do contraditório (ao menos no sentido substancial), não impede a aplicação da coisa julgada material à declaração de inconstitucionalidade157.

O que não se pode perder de vista é que a coisa julgada no controle abstrato de constitucionalidade tal como no processo civil comum tem a função de conferir a segurança jurídica; todavia, nesse processo não existem partes litigando, daí não haver nenhuma substituição de vontade por parte do Estado em relação à vontade dos particulares. Nesse sentido deve ser conferido tratamento distinto à coisa julgada no processo constitucional, principalmente no que diz respeito à maior amplitude de revisão pelo STF.

raramente (ou mesmo nunca) possuam todas as potencialidades de seus predecessores, preservam geralmente, em larga medida, o que as realizações científicas passadas possuem de mais concreto. Além disso sempre permitem a solução concreta de problemas adicionais”. Thomas KUHN. A estrutura das revoluções científicas. 8.ed. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 214.

156 Angel Latorre S

EGURA e Luis DIEZ-PICAZO ressalta a necessidade de se conferir tratamento peculiar e autônomo à coisa julgada formada no processo objetivo de controle de constitucionalidade cf. La Justiticia Constitucional en El cuadro de lãs funciones del Estado, in: Justiça Constitucional e espécies, conteúdo e efeitos das decisões sobre a constitucionalidade de normas, Lisboa, 1987, p. 215.

157 Rui M

EDEIROS. A decisão de inconstitucionalidade, p. 795. De acordo com esse autor: “o

carácter objectivo dos processos de fiscalização de constitucionalidade não se opõe ao instituto do caso julgado, porquanto este, enquanto imposição da paz e da segurança jurídicas, responde a um conflito, também presente nos processos de fiscalização abstracta, entre a preocupação com a correcção da decisão e o objectivo da segurança e da paz jurídicas. A jurisprudência não visa apenas à justiça no caso individual e, para salvaguardar a paz e a segurança jurídicas, impostas pelo princípio do Estado de Direito, lança justamente mão da figura do caso julgado material. O caso julgado pode, pois, sem dificuldade explicar a imutabilidade e a definitividade da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral”. A decisão de inconstitucionalidade, p. 797.

Os pronunciamentos definitivos de mérito em ADIn e ADC produzem coisa julgada formal quando não é mais possível a interposição de recursos e, posteriormente, a coisa julgada material, que, apesar de diversas semelhanças com a coisa julgada do processo civil comum, possui nítidas diferenças, conforme demonstraremos nos tópicos seguintes.