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Capítulo 2. Efeitos da decisão de inconstitucionalidade

2.2 Conceito de sentença e coisa julgada no direito processual

No processo constitucional, o conceito processual de sentença é o mesmo do direito processual civil. Mesmo após a Lei 11232/05, manteve-se a teleologia como elemento caracterizador de todo pronunciamento do juiz juntamente com seu conteúdo. Quer dizer, tendo em vista o art. 162 § 1.° do CPC, sentença é o pronunciamento do juiz que contém uma das matérias do CPC 267 ou 269 e que ao mesmo tempo extingue o processo ou a fase de conhecimento no primeiro grau de jurisdição. Nesse conceito, processo deve ser considerado

102 Friedrich M

ÜLLER. Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 64. 103 Carl S

como o conjunto de todas as relações processuais deduzidas cumulativamente ou processadas em simultaneus processus104.

Após a edição da L 11232/05, uma parcela da doutrina reforçou seus argumentos para conceituar a sentença tendo em vista apenas seu conteúdo, desconsiderando sua teleologia105. Bastaria que o pronunciamento do juiz contivesse conteúdo do CPC 267 ou 269 para que fosse considerado sentença e consequentemente apelável.

Esse posicionamento acarreta diversas complicações no curso de um processo, porque induz a se utilizar a apelação contra provimentos que excluem um dos réus de um processo ou ainda contra decisões que concedam a própria antecipação de tutela concedida antes da sentença final. Admitir apelação contra esses provimentos compromete todo o processo; afinal, ao litigante de má- fé bastaria alegar uma das exceções contidas no CPC 267 para após ser julgada improcedente, poder paralisar todo o processo utilizando a apelação contra esse provimento que não acatou a exceção arguida. A fim de evitar essa manobra, os defensores do novo conceito de sentença tentaram corrigir essa distorção, alegando que esses provimentos seriam passíveis de apelação por instrumento106.

104 Nelson N

ERY JUNIOR e Rosa M. A. NERY. Código de processo civil comentado. 10.ed. São Paulo: RT, 2007, pp. 427/428.

105 V. Teresa Arruda A

LVIM WAMBIER. O conteúdo das decisões judiciais como fator determinante

para sua classificação e para a indicação dos recursos cabíveis, in: Revista de Processo, n. 162, pp. 273/296 especialmente p. 283. Jorge de Oliveira VARGAS. O novo conceito de sentença e o

recurso daquela que não extingue o processo: apelação ou agravo de instrumento?, in: Nelson Nery Junior; Teresa Arruda Alvim Wambier (orgs.). Aspectos polêmicos e atuais dos Recursos Cíveis, v. 11., São Paulo: RT, 2007. Luiz Guilherme da Costa WAGNER JÚNIOR. O novo conceito de

sentença e os reflexos na escolha dos meios de impugnação cabíveis diante dos pronunciamentos judiciais: a aplicação do princípio da fungibilidade, In: Nelson Nery Junior; Teresa Arruda Alvim Wambier (orgs.). Aspectos polêmicos e atuais dos Recursos Cíveis, v. 11., São Paulo: RT, 2007. Em sentido contrário cf. Nelson NERY JR. Conceito sistemático de sentença: considerações sobre

a modificação do CPC 162, § 1, que não alterou o conceito de sentença, in: Estudos em homenagem a Humberto Theodoro Junior. Belo Horizonte: Del Rey, 2008; Eduardo CAMBI. Notas

sobre questões recursais envolvendo a aplicação do art. 285-A do CPC, in: Nelson Nery Junior; Teresa Arruda Alvim Wambier (orgs). Aspectos polêmicos e atuais dos Recursos Cíveis, v. 11., São Paulo: RT, 2007; Araken de ASSIS. Manual dos Recursos Cíveis. 2.ed. SP: RT, 2008, p. 383. 106 Cf. Luiz Guilherme da Costa W

AGNER JÚNIOR. O novo conceito de sentença e os reflexos na

escolha dos meios de impugnação cabíveis diante dos pronunciamentos judiciais, p. 197; Jorge de Oliveira VARGAS. O novo conceito de sentença e o recurso daquela que não extingue o processo,

Com a devida vênia, esse posicionamento não merece acolhida, primeiramente, apelação por instrumento é um recurso que não existe em nossa ordenança, porquanto não atende ao princípio da taxatividade dos recursos. A segunda razão é o fato de a apelação por instrumento tal como proposta pela doutrina consistir meramente no agravo de instrumento, que é o recurso adequado para rebater esses provimentos. Logo, a apelação por instrumento, se interposta no prazo de dez dias, deverá ser admitida e recebida como agravo; se interposta fora desse prazo, deverá ser considerada intempestiva ainda que ajuizada dentro dos quinze dias permitidos para a apelação, porque de apelação não se trata.

Conceituar a sentença tendo em vista simplesmente o conteúdo do pronunciamento judicial quebra a sistematicidade de nosso sistema recursal e introduz a teratológica figura da apelação por instrumento. Examinar, ainda que de maneira breve, a questão recursal em outros ordenamentos contribui para aclarar a polêmica.

No ZPO alemão, o § 301 1 dispõe sobre a apelação da sentença parcial: “En caso de que solo una de las pretensiones o parte de una se haya hecho valer en una demanda o en caso de interposición de una contrademanda, siendo que solo la demanda o la contrademanda se encuentran en condiciones de ser resueltas, El tribunal tiene entonces que pronunciar una sentencia definitiva (sentencia parcial). Sobre la parte de una pretensión que es controvertida en su causa y monto puede decidir-se solo mediante sentencia parcial, cuando se pronuncie una sentencia con reserva de liquidación sobre la parte restante de la pretensión107”.

Sentença parcial seria Teilurteil, no Tratado de Rosenberg tem a denominação de sentença interlocutória108. De acordo com o autor, estão sujeitas

107 Tradução de Álvaro J. Peréz R

AGONE e Juan Carlos Ortiz PRADILLO. Código Procesal Civil

Alemán (ZPO). Montevidéu: Konrad-Adenauer, 2006, p. 234.

108 Cf. Leo R

OSENBERG. Tratado Procesal Civil. v. II. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-

America, 1955, p. 355. Conforme ensina Otto MAYER Teilurteil são os provimentos que se limitam

a resolver definitivamente uma certa parte dos litígios levados ao conhecimento do tribunal. Resolvem uma pretensão no processo. Derecho Administrativo Alemán. 2.ed. t. I. Parte General. Buenos Aires: Depalma, 1982, p. 270.

em princípio a impugnação mediante apelação ou revisão [cassação] porém apenas junto com a sentença final que preparam109.

O ZPO 511 1 regra a apelação contra as sentenças definitivas estabelecendo que: “1) La apelación procede contra las sentencias definitivas pronunciadas en primera instancia110”.

Esse enunciado é complementado pelo ZPO 512: “Aquellas resoluciones que fueron pronunciadas com anterioridad a la sentencia definitiva también se encuentran sujetas a la decisión del tribunal de alzada, en tanto no sean consideradas por las disposiciones de esta ley como inimpugnables o con relación a ellas se admitá solo la queja immediata111” [beschwerde].

Para finalizarmos o exame, merece destaque o § 280 2 do ZPO: “En caso de ser pronunciada una sentencia incidental [interlocutória], esta debe ser vista como sentencia definitiva en lo que corresponda a los recursos. El tribunal puede, sin embargo, a petición de parte, ordenar si continúa el tratamiento de la causa principal112”. A sentença incidental, mesmo que parcial, deve seguir o regime da definitiva, o recurso hábil para atacá-la é a apelação. Ao apreciar o recurso, o Tribunal decide se é possível continuar o exame da causa principal, contudo, em regra, a recorribilidade deve ser feita juntamente com a sentença final definitiva.

Diante dos dispositivos legislativos expostos, podemos concluir que a apelação é procedente contra as sentenças definitivas (ZPO § 511).

109 Leo R

OSENBERG. Tratado Procesal Civil. v. II. p.355. 110 Álvaro J. Peréz R

AGONE e Juan Carlos Ortiz PRADILLO. Código Procesal Civil Alemán (ZPO), p.

282.

111 Álvaro J. Peréz R

AGONE e Juan Carlos Ortiz PRADILLO. Código Procesal Civil Alemán (ZPO), pp.

282/283.

112 Álvaro J. Peréz R

AGONE e Juan Carlos OrtizPRADILLO. Código Procesal Civil Alemán (ZPO), p. 228.

Também é parcialmente admissível contra as sentenças interlocutórias (ZPO § 280 2 e ZPO § 304 2) e contra as sentenças com reservas (ZPO § 302 3)113.

Sentença interlocutória tem por objeto decidir apenas uma questão processual e não põe fim nem total nem parcial ao processo; por outro lado, a sentença parcial diz respeito a uma espécie de sentença que, sendo definitiva, põe fim ao processo em relação a determinada pretensão114.

Em razão do que dispõe o ZPO para as sentenças parciais (incidentais) - nossas interlocutórias -, elas podem ser apeláveis em razão de previsão expressa, de acordo com o ZPO § 280 2, a sentença parcial é equiparada à definitiva para fins recursais passível de apelação; contudo, de acordo com Rosenberg, a sentença parcial deveria ter seu recurso processado juntamente com a decisão definitiva. O ZPO por medida expressa no § 280 2 equipara para efeitos de recurso a decisão interlocutória à sentença definitiva; em nossa ordenança essa equiparação não está prevista e não pode ser feita pelo intérprete. As sentenças incidentais que para efeitos recursais se consideram como definitivas são impugnáveis pela apelação (ZPO 304 2); quanto às sentenças incidentais recaídas em incidentes com terceiros, recorre-se mediante queixa imediata (ZPO 387 3)115.

No CPC não existe previsão expressa nem para a apelação instrumental nem para o fato de que as decisões judiciais que seriam sentenças parciais (parece ser a que indefere uma pretensão e.g., a que indefere o pedido de reconvenção, a ser tratada como interlocutória) ou incidentais (conceito que se aproxima de nossas interlocutórias aquelas que não extinguem necessariamente uma pretensão, em regra aquelas que seriam passíveis de agravo retido no curso da audiência) deveriam seguir o regime das sentenças definitivas e assim passíveis de apelação. Entender que sentença é toda decisão que contenha

113 Álvaro J. Peréz R

AGONE e Juan Carlos Ortiz PRADILLO. Código Procesal Civil Alemán (ZPO), p.

120.

114 Nota 19. Álvaro J. Peréz R

AGONE e Juan Carlos Ortiz PRADILLO. Código Procesal Civil Alemán

(ZPO), p. 234.

115 Adolfo S

matéria do CPC 267 ou 269 levaria a se afirmar que a própria tutela antecipada seria apelável, vez que contém matéria do art. 269, I(?). Em razão da nomenclatura adotada pelo nosso CPC, não se deve utilizar o termo sentença parcial, porque se trataria de decisão interlocutória; sentença em nossa ordenança processual civil é apenas a definitiva; as demais são interlocutórias. Nosso CPC, ao contrário do ZPO, não estabelece a classificação dos atos recorríveis em sentença definitiva, parcial e incidental, e sim em sentença sempre definitiva e decisões interlocutórias independentemente de seu conteúdo, mas que não encerram o processo, ainda que julguem extinta por exemplo determinada ação116.

Em relação ao processo constitucional, a sentença deve ser considerada o ato jurisdicional que examina o mérito acerca da (in)constitucionalidade e encerra o processo. Essa é a definição de Edgar Corzo Sosa com base no art. 86.1 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional Espanhol, afirmando que a sentença é a resolução processual mediante a qual se resolve o mérito da controvérsia objeto da questão de constitucionalidade117. No mesmo sentido manifesta-se María Mercedes Serra Rad, conceituando a sentença como ato processual / decisão de um colégio de juízes que põem fim ao processo118.

A teoria que classifica a sentença considerando apenas o seu conte’duo, e não a sua teleologia, acarreta diversos inconvenientes no processo civil comum. Além disso, em relação ao processo constitucional pode provocar mais um gravame, uma vez que, de acordo com o art. 102 § 2.° da CF, apenas as sentenças definitivas de mérito poderão ter efeito vinculante. Somente, as

116 No Direito Argentino parece ocorrer fenômeno parecido, as sentenças interlocutórias (CPA 161)

somente são suscetíveis de recurso de apelação em conjunto coma a sentença definitiva. Victor de SANTO. Diccionario de Derecho Procesal. 2.ed. Buenos Aires: Editorial Universidade, 1995, p. 394. A sentença definitiva é conceituada no CPA como ato do órgão jurisdicional em virtude do qual esgotadas as etapas de iniciação e desenvolvimento decide acolher ou denegar a atuação da pretensão que foi objeto do processo116. Prossegue o autor definindo o conceito: “de esta definición surge, en primer lugar, que la sentencia constituye un acto mediante el cual normalmente concluye todo tipo de proceso judicial, sea contencioso o voluntario” Victor de Santo. Diccionario de Derecho Procesal, p. 396.

117 Edgar Corzo S

OSA. La cuestión de inconstitucionalidad. Madrid: Centro de Estudios Políticos y

Constitucionales, 1998, p. 528.

118 María Mercedes S

ERRA RAD. Procesos y recursos constitucionales. Buenos Aires: Depalma, 1992, p. 63.

sentenças, ou seja, pronunciamentos que encerram o processo, poderão ter efeito vinculante; desse modo, cautelares ou provimentos incidentais não poderão ser dotados desse efeito por afrontarem teor literal expresso da CF 102 § 2.°.

Assim, se o critério para classificar as sentenças constitucionais for simplesmente o conteudístico, diversos provimentos, inclusive cautelares, poderão ser enquadrados como sentença e consequentemente possuir efeito vinculante, violando a CF 102 § 2.°. Portanto, deve-se ressaltar que sentença constitucional é aquela que, além de examinar o mérito acerca da (in)constitucionalidade, extingue o processo iniciado pela ADIn, ADC ou ADPF, cabendo efeito vinculante apenas a esse provimento que extingue o processo.

Diante do que foi exposto, podemos conceituar a sentença constitucional como: ato processual, realizado por um órgão colegiado do STF, que, ao examinar o mérito do processo, decide acerca da inconstitucionalidade ou constitucionalidade (ADIn/ADPF/ADC) de determinado texto normativo, sobre a inconstitucionalidade em razão de omissão legislativa (ADIO), ou pronuncia a normatividade necessária ao exercício de algum direito fundamental em razão da ausência legislativa (MI), sempre extinguindo o processo. Se o provimento do Supremo apenas encerrar o processo sem examinar seu mérito, decidindo e.g., pela ilegitimidade ativa da ADIn, por ser ato que encerra o processo, também será sentença, contudo não estará englobada nas decisões judiciais objeto da pesquisa, porquanto não estará apta a produzir coisa julgada material e seus efeitos erga omnes e vinculantes.

2.3 Sentença constitucional como categoria triédica. Sentença como