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Capítulo 2. Efeitos da decisão de inconstitucionalidade

2.4 Princípios informadores da sentença constitucional

2.4.1 Princípio da congruência

O juiz constitucional, de modo similar ao juiz ordinário, deve resolver a questão constitucional de maneira análoga ao juiz comum. As sentenças devem guardar estrita relação entre a demanda e o pronunciamento. Contudo, no processo constitucional, o princípio da congruência sofre temperamentos, porque permite estender a declaração de inconstitucionalidade sobre preceitos não impugnados na ação, mas cuja declaração de inconstitucionalidade é imprescindível125.

Pode ainda o juiz constitucional alterar a causa de pedir126, pode o juiz elaborar sua decisão com motivação distinta da alegada no pedido127. Questão polêmica que surge no cenário nacional é se o STF, ao apreciar uma ADIn e ao julgá-la procedente, pode decidir pela constitucionalidade do ato

124 Cf. Francisco Fernandez S

EGADO. La jurisdiccion constitucional en España, p. 668.

125 Cf. María Mercedes S

ERRA RAD. Procesos y recursos constitucionales, p. 67.

126 Nesse sentido já se manifestou o STF: “Ultimamente, para evitar verdadeiro duplo julgamento,

vem-se acionando, nas ações diretas de inconstitucionalidade, a LADIn 12, partindo-se para o julgamento definitivo da ação. É de frisar que, no processo objetivo, a Corte atua sem vinculação à causa de pedir constante da petição inicial” (STF, RE 505477-SP, rel. Min. Marco Aurélio, decisão monocrática, j. 25.5.2007, DJU 15.6.2007, p.103). Em outra oportunidade: “O Plenário desta colenda Corte, ao julgar a ADIn 2031, rejeitou todas as alegações de inconstitucionalidade do ADCT 75 caput e dos §§ 1.º e 2.º introduzidos pela EC 21/99. Isto porque as ações diretas de inconstitucionalidade possuem causa petendi aberta. É dizer: ao julgar improcedentes ações dessa natureza, o STF afirma a integral constitucionalidade dos dispositivos questionados (STF, 1.ª T., AgRgRE 431715-MG, rel. Min. Carlos Britto, j. 19.4.2005, v.u., DJU 18.11.2005, p. 8)”.

127 Nesse sentido cf. María Mercedes S

ERRA RAD. Procesos y recursos constitucionales, p. 68; J. J. Gomes CANOTILHO. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 980.

normativo sub judice. Parcela da doutrina128 e da jurisprudência consideram a ADIn e a ADC como ação dúplice129.

A ADIn e a ADC não podem ser consideradas a mesma ação com sinal trocado. O julgamento improcedente da ADIn não deve autorizar a declaração de constitucionalidade do ato normativo em questão. Isso porque, ainda que de maneira temperada, o princípio da congruência vige no processo constitucional; mesmo que a causa de pedir possa ser alterada, em nenhuma hipótese está autorizada a alteração do pedido; nesse sentido o Tribunal Constitucional Português já decidiu que os seus poderes de cognição estão condicionados pelo pedido mas não pela causa de pedir130.

A ação é caracterizada pelo seu pedido; caso se permita a algum tribunal realizar a alteração do pedido, está se autorizando a esse tribunal que modifique a ação. Permitir-se essa teratologia é admitir que o tribunal de forma

128 Defendendo a ambivalência v. Gilmar Ferreira M

ENDES. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 122; Teori Albino ZAVASCKI. Eficácia das

sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: RT, 2001, pp. 45/48.

129 No sentido que criticamos: “Aceita a idéia de que a ADC configura uma ADIn com sinal trocado,

tendo ambas caráter dúplice ou ambivalente, afigura-se difícil admitir que a decisão proferida em sede de ADIn seria dotada de efeitos ou consequências diversos daqueles reconhecidos para a ADC. Argumenta-se que, ao criar a ADC lei federal, estabeleceu o constituinte que a decisão definitiva de mérito nela proferida incluída aqui, pois, aquela que, julgando improcedente a ação, proclamar a inconstitucionalidade da norma questionada ‘produzirá eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo’ (CF 102 § 2.º). Portanto, sempre se me afigurou correta a posição de vozes autorizadas do STF, como a de Sepúlveda Pertence, segundo a qual, ‘quando cabível em tese a ADC, a mesma força vinculante haverá de ser atribuída à decisão definitiva da ADIn (STF, Pleno, Rcl 2256-RN, voto do Min. Gilmar Mendes, j. 11.9.2003, DJU 30.4.2004, p. 34)”. Contudo, esse posicionamento não é pacífico no STF encontrando-se decisões em sentido contrário: “É fora de dúvida que o objetivo da agravante alcançar declaração de constitucionalidade em sede de ADIn não encontra respaldo jurídico. Isso porque, na eventual existência de interpretações díspares quanto a determinado ato normativo, o ordenamento jurídico brasileiro prevê ação própria, cuja finalidade é a de dirimir divergências na aplicação do preceito. Lembro a observação de José Ignacio Botelho de Mesquita: 'o risco de, ao demandar a declaração de inconstitucionalidade de uma lei, provocar a declaração de sua constitucionalidade com eficácia erga omnes, constitui um fator do mais alto grau de desestímulo à iniciativa de propor uma ADIN’. Além disso, a lei hoje declarada constitucional pode em oportunidade posterior vir a ser julgada inconstitucional (STF, AgRgADIn 3218-CE, rel. Min. Eros Grau, decisão monocrática, j. 28.2.2005, DJU 7.3.2005, p. 48).

130 J. J. Gomes C

ANOTILHO. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 980. No mesmo

sentido cf. María Mercedes SERRA RAD. Procesos y recursos constitucionales, p. 68. José Ignácio BOTELHO DE MESQUITA critica o caráter ambivalente dessas ações, afirmando que: “o risco de, ao

demandar a declaração de inconstitucionalidade de uma lei, provocar a sua declaração de sua constitucionalidade com eficácia erga omnes, constitui um fator do mais alto grau de desestímulo à iniciativa de propor uma ADIn”. O desmantelamento do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, in: Revista do Advogado, n. 67, p. 92.

transversa inicie processo ex officio, porquanto pode alterar o pedido, ou seja, estabelecer nova ação.

É vedado ao STF modificar o pedido no controle abstrato de constitucionalidade, sem dizer do risco que é para a ordenança atribuir-se efeitos erga omnes e vinculante para as decisões declaratórias de constitucionalidade. O risco existe porque, se o STF decidir erroneamente sobre a constitucionalidade de determinado dispositivo legal, praticamente não haverá maneira de controlar suas decisões. Esse alerta é demonstrado por Rui Medeiros: as decisões do STF que declaram a constitucionalidade de determinado dispositivo legal dificilmente poderão ser corrigidas por outro órgão do Estado, “o poder incontrolável de decidir infalivelmente da constitucionalidade da lei, tornando-o num árbitro irresponsável da vida do Estado e em dono, em vez de servo da Constituição131”.

Daí ser materialmente inconstitucional o art. 24 da L 9868/99132, que atribui esse caráter ambivalente à ADIn. Wssa naturalidade que o caráter ambivalente possui não passa de flatus vocci; não é pacífico ou lógico que o simples fato de um texto normativo não ser declarado inconstitucional ser consequentemente julgado constitucional. Essa ambivalência não tem respaldo no direito comparado, até porque no direito estrangeiro não há a figura da Ação Declaratória de Constitucionalidade133.

131 Rui M

EDEIROS. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da

decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica Ed., 1999, p. 837. Em sentido próximo, Carlos BLANCO DE MORAIS disserta que: “não faria sentido blindar uma lei contra impugnações futuras, não só porque podem existir vícios de inconstitucionalidade não evidentes e não constantes do pedido que podem ter passado despercebidos, mas porque também a evolução temporal e circunstancial pode gerar inconstitucionalidades supervenientes de carácter deslizante que passariam a ser injustificadamente imunes a qualquer controlo”. Justiça Constitucional. t. II., p. 180.

132 Esse dispositivo legal também é alvo de crítica da doutrina estrangeira cf. Jorge M

IRANDA. Os

tipos de decisões na fiscalização da constitucionalidade, in: Estudos em homenagem ao prof. Dr. Inocêncio Galvão Telles, Coimbra: Almedina, 2002, p. 813.

133 Nesse sentido v. Lenio Luiz S

TRECK. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, p. 570. Para uma crítica contundente sobre a natureza dúplice cf. Nelson NERY JUNIOR e Rosa M. A. NERY.