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Por que as coisas pesadas caem?

Capítulo 3: Reflexões sobre a Gravitação Universal a partir da História da Ciência

3.2 Por que as coisas pesadas caem?

No contexto da física antiga, a hipótese do movimento conduzia a complicações de difícil resolução na época. A hipótese da Terra imóvel no centro do Universo era, portanto, bem justificada. Afinal de contas, nenhum grego sentia a Terra mover-se, nem nós! Além disso, essa hipótese havia dado origem a uma astronomia bastante sofisticada, desenvolvida pelos gregos, que tinham conseguido descrever o movimento dos planetas com boa precisão. A ideia é originalmente de Platão que, na seguinte citação introduzia a concepção de mundo esférico e circular:

Para a forma deu-lhe a que lhe convinha e que tinha afinidades com ele. Ora, a forma que convinha ao animal que devia conter todos os animais é a que encerra todas as outras formas. Por isso o deus deu ao mundo a forma esférica, cujas extremidades estão todas a igual distância do centro, sendo esta forma circular a mais perfeita de todas e a mais semelhante a si mesma, pois ele pensava que o semelhante é infinitamente mais belo que o dessemelhante. Além disso, arredondou e poliu toda a sua superfície externa por várias razões.(...) Atribuiu-lhe um movimento ao seu corpo, o dos sete movimentos, que melhor se ajusta à inteligência e ao pensamento. Consequentemente, fê-lo girar uniformemente sobre si mesmo no mesmo lugar e impôs-lhe o movimento circular; quanto aos outros seis movimentos proibiu-os e impediu-o de errar como eles. Como não eram precisos pés para esta rotação, criou-o sem pernas e sem pés.(Platão, apud Zanetic, 2007, p..23).

Platão trata originalmente da forma e do movimento que esse mundo deveria possuir. Foi o primeiro a afirmar que o círculo cujas partes são todas iguais entre si, e

por essa razão uma figura geométrica perfeita, e, como os corpos celestes são eles mesmos perfeitos, o único movimento que lhes é possível é o movimento circular uniforme. Cremos que Platão não procurou responder à pergunta desta seção.

Como discípulo de Platão, Aristóteles tem a árdua tarefa de adequar as ideias platônicas num sistema mais completo, que se firmou como o grande paradigma da ciência grega.

Ainda no século IV A.C., Aristóteles, o grande filósofo grego de Estagira (380 a 322 AC), ao construir sua visão do cosmos, adotou uma concepção muito mais sofisticada da Terra do que aquela apresentada por Platão, como apresentamos na citação abaixo:

(...) lugar, nem vácuo, além dos céus (...). O movimento natural da Terra como um todo, como de todas as suas partes, está dirigido para o centro do universo; esta é a razão de porque ela está no centro do universo, assim, a Terra e o Universo têm o mesmo centro(...) os corpos pesados movem-se para o centro da Terra apenas incidentalmente, pois seu centro está no centro do Universo (...). Assim, a Terra não se move (...) a razão para essa imobilidade é clara(...) é da natureza da Terra mover-se de todos os lados para o centro (como as observações mostram), assim como a do fogo é mover-se para fora do centro (...) é impossível (portanto) para qualquer porção de Terra mover-se para fora do centro(naturalmente) sem coação(...) sua forma deve ser esférica (...) pois, se partes iguais são adicionadas em todas as partes, a extremidade deve estar a uma distância constante do centro. Tal forma só pode ser esférica((Aristóteles, De Caelo. apud. Zanetic, 2007, p.25).

Com base nessa citação, Zanetic assinala que está explicitada uma primeira “ideia gravitacional”, ou seja, a concepção de que o centro da Terra, que se confunde com o centro do Universo, seria o lugar natural dos graves. Portanto, a Terra não é o centro do Universo. Ela está no centro do Universo.

Se a natureza de um corpo determina a direção de seu movimento, pode-se dizer que toda a Terra poderia mover-se em direção a um mesmo lugar: o centro do universo. Isto resulta consequentemente na admissão do formato esférico como o mais provável para a Terra.

Quando Aristóteles ingressou na Academia, como estudante, Platão trabalhava no Timeu11, parte fundamental de seus Diálogos, e que exerceu forte influência nos

trabalhos científicos de Aristóteles. Assim, com Aristóteles consagrava-se a hegemonia das esferas e dos círculos, na descrição e explicação do movimento e forma dos corpos celestes, que permaneceria dominante até o século XVII com o advento dos trabalhos de Kepler, isto é, o que chamamos de paradigma aristotélico-ptolomaico foi dominante por 20 séculos.

Aristóteles lançou várias ideias não apenas sobre os céus, mas também sobre o que existia aqui na Terra. A teoria dos quatro elementos foi retomada por Aristóteles, cujo pensamento serviu de base para a compreensão da natureza até o século XVII, tanto para os aristotélicos convictos quanto para os comentadores críticos de seu pensamento. Ele ainda introduziu um 5 elemento, o éter, que constituía os corpos celestes.

Segundo Aristóteles, cada um desses elementos possui um “lugar natural”, ao qual procura espontaneamente chegar. Os elementos pesados, que são a terra e a água, tendem a se dirigir para o centro do Universo, centro que, como Aristóteles descreve na citação do De Caelo, coincide com o centro da Terra. Em contrapartida, o movimento natural do elemento leve, o fogo, tende para fora do centro do universo.

No Universo aristotélico, todos os corpos, sejam celestes ou terrestres, têm seu lugar “natural” e seu movimento local “natural” para este lugar. Todo movimento que não é natural é violento. As ideias físicas principais de Aristóteles sobre o movimento dos corpos podem ser assim resumidas (Zanetic 2007, pág. 26):

1. O movimento de queda dos corpos pesados, ou graves, é natural e dirigido para o centro do universo que coincide com o centro da Terra.

2. A taxa de queda de um corpo depende de dois fatores: seu peso e resistência do meio em que ele se desloca.

3. Os corpos celestes são dotados de movimento natural descrevendo uma trajetória circular perfeita.

4. Todos os corpos pertencentes à Terra, quando em movimento não dirigido para o centro do universo, seu lugar natural, são dotados de movimento violento provocado por algum agente externo a eles. A velocidade dos corpos aumenta com o

aumento da intensidade do agente; quando o agente é removido ou cessa de atuar, o movimento pará.

5. O ar deslocado por um corpo em movimento também é um agente secundário de movimento.

6. Não pode existir movimento não - natural infinito; em consequência não pode existir o vácuo.

A este respeito Luis Pinguelli Rosa faz a seguinte observação:

Aristóteles argumenta que não há necessidade de haver o vazio para haver movimento pela razão de que o lugar cheio pode sofrer mudança qualitativa. Logo, o vazio não é uma condição para a locomoção. Outra razão que ele levanta contra a existência do vazio é que, sendo infinito, nele não haveria em cima nem em baixo nem meio, pois não há diferença no que é nada no vazio, pois o vazio seria a privação do ser, O movimento natural se dá diferenciando em cima de em baixo. Como então poderia haver movimento natural através do vazio? (Rosa apud Zanetic 2007, p.27)

Os aristotélicos consideravam ainda que corpos celestes, além da Terra, estavam associados a esferas concêntricas e transparentes, as esferas de cristal, com centro na Terra. A esfera mais interna era formada pela Lua, seguida pelas esferas dos planetas Mercúrio e Vênus, e depois seguida pelas esferas do Sol, Marte, Júpiter e Saturno. A oitava esfera corresponde ás estrelas fixas e a última a um motor – deus – que imprimiria movimento a todo o sistema. A concepção Aristotélica do movimento apesar de apresentar muitos problemas, perdurou durante quase dois mil anos transformando-se no principal dogma no ocidente.

Outro importante resultado dos aristotélicos foi a observação de eclipses da Lua. A Lua é eclipsada na fase da Lua cheia, quando a Terra fica entre o Sol e a Lua. Quando isso ocorre, sabemos que a sombra da Terra é projetada sobre a Lua, a encobrindo total ou parcialmente. E podemos observar partes dessa sombra, que é sempre arredondada. A partir da concepção aristotélica de universo, na qual os corpos celestes giravam em torno de uma Terra imóvel, foram construídos modelos matemáticos que buscavam garantir a aparência do que era observado.

Eudoxo, que também viveu no século IV AC, foi o introdutor do complexo sistema de esferas homocêntricas que permitiam reproduzir o movimento celeste. Não é nossa pretensão aqui explorar as várias escolas de pensamento grego mas tão somente

destacar aquelas que influenciaram diretamente o desencadeamento da revolução científica que ocorreu entre os séculos XVI e XVII.

Nesse contexto, não se pode deixar de mencionar os trabalhos do pitagórico Aristarco de Samos (320 – 250 AC) que propunha uma concepção de universo diferente de Platão e de Aristóteles.

Aristarco imaginou o Sol situado no centro do universo e os demais corpos celestes, inclusive a Terra, em movimento orbital ao seu redor. Porém, muito pouco se sabe sobre os escritos de Aristarco, mas os testemunhos de Arquimedes e Plutarco registram a concepção heliocêntrica de Aristarco, que, em linhas gerais, pode ser descrito nas palavras de Plutarco da seguinte forma:

Aristarco de Samos supunha que o céu permanecia imóvel e que a terra se movia num círculo oblíquo, girando ao mesmo tempo sobre o seu eixo. (Plutarco apud Zanetic, 2007, p.28).

Essa concepção foi derrotada pela visão geocêntrica dominante e a astronomia de Aristarco foi esquecida e rejeitada por quase dois mil anos. Deve-se também a Aristarco o cálculo da distância entre o Sol e a Terra.

Algo que perturbava os astrônomos geocentristas era o que acontecia com os planetas que, ao contrário da expectativa de movimento circular e uniforme ao redor da Terra, apresentavam um movimento irregular em determinadas partes de sua órbita, como ilustra a figura 2. Essa irregularidade foi denominada de movimento retrógrado.

Figura 2: A figura mostra o movimento do planeta Marte, de 15 em 15 dias, em relação às estrelas de

fundo, no período entre os meses de agosto de 2005 e fevereiro de 2006. Em 06 de novembro o planeta estava em sua maior aproximação com a Terra e melhor de ser observado.12

12Fonte: Kemper, 2007, p.1

Os planetas não seguem constantemente um movimento uniforme em relação às estrelas fixas. Em certos momentos eles parecem recuar em suas trajetórias, efetuando um movimento retrógrado Assim, no século II AC, com o intuito salvar as