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Educação científica nas perspectivas Freiriana e “Zaneticiana”

Capítulo 2: História da Ciência e Educação Científica: o exemplo da Gravitação

2.1 Educação científica nas perspectivas Freiriana e “Zaneticiana”

demais áreas da cultura. Essa perspectiva cultural da Física percebe sua historicidade e favorece uma educação na concepção problematizadora freiriana.

A Física como construção humana é uma propriedade cultural da humanidade, que reflete o conhecimento produzido ao longo da história.

Nesta perspectiva, o ensino da física no ensino médio não pode privilegiar uma formação que apenas prepare para a Universidade, sim, que prepare o indivíduo para uma intervenção mais crítica na realidade que o cerca. Zanetic (1989, p. 49) apresenta em sua tese de doutorado a relevante argumentação de Snyders (1988) sobre o papel dos conteúdos escolares: ”[...] como diz George Snyders ‘renovar a escola a partir de uma transformação dos conteúdos culturais’, ou melhor ainda’[...] trata-se então, na verdade, de desorganizar a escola, a partir de novos conteúdos’.

Concordamos com Snyders que o autor adverte que é necessário “desorganizar a escola”, pois ainda existe em grande parte dos docentes de Física, uma visão simplista de Ciências.

Assim, antes de discutir-se a importância atribuída a uma inclusão de um conteúdo científico no planejamento escolar, é necessário discutir a compreensão crítica desse conhecimento. Assim torna-se necessário estabelecer uma discussão epistemológica da ciência que auxiliará na definição de concepções que permeiam a postura de que se propõe a discuti-la.

Como vimos em discussões anteriores neste trabalho, a ciência se desenvolve em um contexto social, econômico, cultural e material bem determinado. Por outro lado, também não é possível discutir os conhecimentos científicos apenas a partir deste contexto. E necessário também contemplar os fatores internos da ciência, tais como os argumentos teóricos e experimentais.

Assim, entendemos que os episódios da história da ciência são insubstituíveis na formação de uma visão mais cultural da ciência, como suas limitações, suas relações com outros domínios, auxiliando não só no próprio aprendizado dos conteúdos científicos, mas também potencializando a formação cultural do estudante.

Mas o que ocorre em nossas escolas como aponta Zanetic (1989) é uma “física escolar” que não ultrapassa os conceitos descontextualizados e um amontoado de fórmulas sem sentido para os estudantes, muito distante do que o autor denomina de “física real”.

Em contrapartida, Zanetic (2009) destaca que a Física como cultura possibilita um diálogo inteligente com o mundo, à medida que promove a curiosidade, facilitando a formação dos envolvidos no processo educativo.

Dessa forma, consideramos importante que ao longo de toda a sua formação, o estudante seja instigado a refletir sobre a ciência, pensando os limites e potencialidade desse conhecimento. A Física como cultura vai além dos aspectos científicos, contemplando os seus aspectos sociais permeados por valores, ideologias e crenças.

Para concretizar a aproximação entre Física e Cultura, Zanetic sugere a aproximação histórica da ciência como podemos ler no fragmento abaixo:

A recuperação da física enquanto uma área que tem muito a contribuir na formação cultural geral do cidadão contemporâneo”. Ao lado do algoritmo, da aplicação na solução de determinados problemas importantes (por exemplo, a física das coisas), a história da física oferece o aspecto dinâmico de uma área de conhecimento em evolução e/ou mudança.

Esse aspecto dinâmico da ciência apontado por Zanetic pode ser facilmente vislumbrado nos seguintes marcos históricos da sua evolução como a concepção de ciência dominante até o Renascimento e a revolução científica do século XVIII que resultou na ciência moderna, produzindo uma ciência que entrava em conflito com valores, princípios e teorias que prevaleciam na época.

Portanto a física escolar que desconhece essa riqueza cultural e conduzem à memorização de conceitos e fórmulas, torna o ato educativo incompleto e vazio, mero depósito de conhecimentos, onde os estudantes são os depositários e os professores depositantes (FREIRE, 1987).

Em oposição a esta cultura de informes, a escola ainda é um dos espaços propícios para o resgate da cultura/formação científica, de forma que a principal tarefa da escola é como aponta Zanetic:

[...] favorecer a construção de uma educação problematizadora, crítica, ativa, engajada na luta pela transformação social. Um fator determinante no encaminhamento de um jovem para o encantamento com o conhecimento, para o estabelecimento de um diálogo inteligente com o mundo, para a problematização consciente de temas e saberes, é a vivência de um ambiente escolar rico e estimulante, que possibilite o desabrochar da curiosidade epistemológica. [itálico do autor].

Para desenvolver a curiosidade epistemológica, o processo de ensino – aprendizagem deve permitir aos estudantes um olhar crítico, rigorosamente metódico sobre a realidade, para que eles tenham possibilidade de incorporar os conhecimentos científicos e tecnológicos como cultura.

Em vista do exposto, dialogamos com a Abordagem Temática Freiriana que tem como foco a problematização de situações significativas imersas na realidade vivencial dos estudantes.

Na pedagogia de Paulo Freire, o educando assume o papel central no processo de ensino aprendizagem. Esta proposta de ensino tem como ponto de partida as situações-limite, ou seja, os problemas vivenciados pelos educandos no cotidiano. Para Freire (1987), as situações-limite são dimensões desafiadoras que emergem da atividade dos homens e que nem sempre são percebidas por eles.

Portanto, o problema, é o principal eixo norteador da programação curricular, curricular. E a partir do desenvolvimento e discussão do problema pela comunidade que será estabelecido o Tema Gerador. Este tema tem como objetivo trazer à tona o entendimento dos sujeitos envolvidos acerca da realidade em que estão imersos. Para Delizoicov (1982):

O tema gerador gerará um conteúdo programático a ser estudado e debatido, não só como um conteúdo insípido e através do qual se pretende iniciar o aluno ao raciocínio científico; não um conteúdo determinado a partir da ordenação dos livros textos e dos programas oficiais, mas como um dos instrumentos que tornam possíveis ao aluno uma compreensão do seu meio natural e social.

Neste aspecto, a escolha do tema gerador se dá através do “dialogo” entre educador, educando e comunidade. Para Paulo Freire, é o diálogo do professor com o estudante sobre algo que lhe é familiar é que favorecerá sua participação efetiva, tornando possível a problematização das situações evidenciada pelo tema gerador.

A dialogicidade do ato educativo, contudo, não se reduz a um diálogo gratuito. Ela tem como foco o objeto cognoscível, cuja apreensão é cointencionada pelos distintos sujeitos do conhecimento. Esses sujeitos possuem diferentes formas de conhecimento, e essas devem ser problematizadas. Desse modo, o diálogo educador- educando, educando-educador é pautado pela problematização do conhecimento. Segundo Freire:

A tarefa do educador, então, é a de problematizar aos educandos o conteúdo que os mediatiza, e não a de dissertar sobre ele, de dá-lo, de estendê-lo, de entregá-lo, como se tratasse de algo já feito, elaborado, acabado, terminado. Neste ato de problematizar os educandos, ele se encontra igualmente problematizado (FREIRE 1992, p.81).

No âmbito do ensino de física, e numa acepção mais ampla do termo problematização (que não remeta apenas aos problemas de lápis e papel), Delizoicov (1991) aponta duas dimensões para a problematização.

A primeira delas está relacionada à exploração didática de temas significativos, envolvendo questões sociais, relações entre ciência, tecnologia e sociedade, ou ainda à busca de uma aproximação dos conteúdos específicos de Física de situações vivenciadas pelos estudantes no seu cotidiano. A outra possibilidade como já apontamos anteriormente, está articulada ao uso da história e filosofia da ciência no ensino de Física.

É no âmbito da segunda possibilidade que se situa a pesquisa aqui empreendida, pois dessa forma, o diálogo com a perspectiva freiriana e zaneticana de ensino e as pesquisas em ensino de ciências a ela articulada teve como objetivo subsidiar teórica e metodologicamente a pesquisadora em seu esforço de refletir sobre a

história da ciência, e a partir dessa reflexão selecionar e desenvolver o material histórico cientifico.

Uma possibilidade de estabelecer uma dinâmica de atuação docente em sala de aula, segundo a perspectiva dialógica e problematizadora de Freire, é estruturada em Delizoicov (2008,1991) e Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002), no que se convencionou denominar três momentos pedagógicos: problematização inicial, organização do conhecimento e aplicação do conhecimento.

Portanto, inspirada nas ideias do educador Paulo Freire (1921-1997), a proposta dos “Três Momentos Pedagógicos” surgiu no contexto da apropriação dos aspectos da pedagogia freiriana nos projetos de Ensino de Ciências da década de 70.

A partir da reflexão de um grupo de pesquisadores do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, sua primeira aplicação ocorreu em um projeto de ensino de ciências para as 5 e 6séries do ensino fundamental na Guiné-Bissau. Posteriormente, também foi aplicado no Rio Grande do Norte e em São Paulo. (MUENCHEN E DELIZOICOV, 2010).

Esses momentos, apesar de distintos, não devem ser interpretados como uma sequência rígida de etapas estanques, mas como constituintes de uma dinâmica de trabalho pautada pela articulação dialética estabelecida por eles, como veremos na próxima seção.