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Contornos da História da Ciência no âmbito do presente trabalho

Capítulo 1: Histórias da “História da Ciência”

1.8 Contornos da História da Ciência no âmbito do presente trabalho

início do século XX, a aproximação da história da ciência e ensino correspondia a uma perspectiva historiográfica positivista.

Entretanto, como afirma Beltran et al (2014, p.107) esse diálogo entre tendências pedagógicas e perspectivas historiográficas considerando uma forma de interação mais profícua para o ensino, só voltariam a ser valorizadas e discutidas mais profundamente na década de 80.

Em recente artigo, Caldeira (2009, p. 6) aponta que nos anos 50, a aproximação entre história da ciência e organizações dos professores de ciências fomentou o desenvolvimento de currículos e atividades integradas entre duas áreas.

No entanto, segundo a autora, os cursos e exames que originaram as primeiras propostas curriculares Nuffiled de 1951, para a Inglaterra, Wales e Irlanda do Norte, praticamente ignoraram as dimensões histórica, social e cultural da ciência.

Ainda segundo Caldeira (2009), Richard Dusch10 fez uma revisão da literatura publicada na área da interface entre história e filosofia da Ciência e ensino de física, tomando a década de 50 como ponto inicial de sua investigação, finalizando seu levantamento nas décadas de 80. Esse autor concluiu que entre 1950 e 1960, as pesquisas refletiram propostas relacionadas ao planejamento curricular, migrando nos anos 1970 e 1980 para pesquisas voltadas para estratégias de aplicação desta abordagem no ensino e sua avaliação.

Por outro lado, segundo Matthews (1994, p.49), do ponto de vista acadêmico houve um aumento de iniciativas em diversos países, que o autor destaca como uma “mudança de sorte” na inclusão da história da ciência no currículo científico.

No mesmo período, Michael Mathews (1994, p.70) identificou duas tendências nas propostas de inclusão da História da Ciência nos currículos científicos, o que ele denominou “abordagem inclusiva” (“add on aproach”). Trata-se da introdução de episódios históricos (ou “estudos de caso” de História da ciência), em um curso tradicional, não histórico. Este tipo de abordagem ganhou espaço, devido as dificuldades encontradas pela abordagem anterior, característica dos anos 1950 e 1960 que Mathews denominou de “abordagem integrada” (“integral aproach”) (PRESTES e CALDEIRA, 2009). Neste tipo de abordagem, a perspectiva histórica servia de linha condutora de todo o conteúdo científico a ser trabalhado com os estudantes em um curso.

10 DUSCHL, RICHARD A. Science education and philosophy of science: twenty –five years of mutually

Nesse caso, cada conceito seria tratado segundo suas origens e transformações, bem como cada método ou prática seria analisado conforme seu desenvolvimento histórico (MATTHEWS, 1994, p.70).

No entanto, como apontamos anteriormente neste trabalho, o maior e mais significante obstáculo encontrado para a abordagem histórico-epistemológica no ensino básico, é a própria visão dos educadores pautada na perspectiva tradicional do ensino de física, enfatizando os produtos da ciência. Além disso, as diferentes histórias da ciência que os professores têm acesso e propõem - se a aplicar em sala de aula conflitam diretamente como o objetivo de formação cultural que são recomendadas pelas diretrizes governamentais, tais como nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que destacam a história da ciência como uma forma não neutra de apresentar a ciência na educação básica.

E ainda quando os educadores se propõem a introduzir em suas aulas a história da ciência, em geral é de forma separada do conteúdo, apresentando pequenas biografias daqueles cientistas considerados gênios, ou simplesmente como mera curiosidade.

Portanto, concordamos com Martins (2006) quando o autor afirma que o primeiro problema é a falta de professores com“ formação adequada para ensinar de forma correta a história das ciências(...) Enquanto não é resolvido, deve-se ter em mente que os professores de Física podem prestar um desserviço a essa área.(Martins, 2006, p. XXIII).

Um segundo problema também apontado por Martins, é a falta de material adequado, especialmente porque, a perspectiva dominante nos materiais didáticos valoriza o progresso contínuo do empreendimento científico.

Assim, nos livros de Física, é comum apresentar Newton e a queda da maçã em sua cabeça como principal motivo do desenvolvimento da teoria da gravitação. Consideramos muito grave esta distorção, pois além de ridicularizar a ciência e o próprio Newton, implica em veicular uma imagem falsa do complexo processo da construção da ciência.

Portanto, ao se pensar uma proposta que articule a história da ciência no ensino, é necessário que se considere não só sua inserção, mas também os aspectos práticos de sua concretização no contexto escolar.

Aliada a essa problemática, não podemos esquecer o reduzido número de aulas de Física, especialmente nas escolas públicas estaduais.

Neste contexto, embora considerando que as duas abordagens, a integrada e a inclusiva, tenham o seu valor, concordamos com Allchin em que “permanece majoritária a tendência de elaboração de contribuições pontuais,” ao menos até conseguir desenvolver suportes mais amplos (ALLCHIN, 2007). A abordagem inclusiva colabora diretamente em dar ao professor autonomia para a “tomada de decisão” na construção do programa de aprendizagem, conforme os modelos educacionais atuais. Desse modo, em sintonia com a nova perspectiva historiográfica, levamos em consideração não só aspectos internos, mas também externos ao desenvolvimento da teoria da gravitação universal de Newton.

Alinhados à abordagem inclusiva, a proposta desta tese é a de desenvolver um estudo de caso na perspectiva da Abordagem Temática Freiriana proposta por Delizoicov, Angoti & Pernanbuco (2011) fundamentados nos pressupostos freiriano e zaneticiano de ensino, tendo tema gerador a Gravitação Universal.

Para Freire (1987) a contextualização envolve não só os aspectos sociais, mas também aspectos culturais e políticos de um povo – ou seja - contempla a construção de atividades didático - pedagógicas que estejam vinculadas a problemas historicamente situados em determinado momento histórico.

Além disso, na Abordagem Temática Freiriana, os conceitos científicos têm um papel fundamental, pois é a partir dos conceitos científicos que os estudantes poderão alcançar uma consciência crítica e reflexiva no contexto no qual este imerso, superando as situações limite.

Neste aspecto Delizoicov (2001) afirma que o conhecimento científico poderá ser abordado sob diferentes estratégias metodológicas. Dentre as possibilidades, o autor aponta textos de divulgação científica, produção escrita, utilização de informação e comunicação. Segundo Delizoicov (1982):

O tema gerador gerará um conteúdo programático a ser estudado e debatido, não só como um conteúdo insípido e através do qual se pretende iniciar o aluno ao raciocínio científico; não um conteúdo determinado a partir da ordenação dos livros textos e dos programas oficiais, mas como um dos instrumentos que tornam possível uma compreensão do seu meio natural e social, 1982, p.11( grifo do autor).

Portanto, o problema é o principal elemento estruturante do planejamento curricular, sendo que sua consolidação se dá através da escolha do tema gerador.

Na proposta do Tema Gerador, podem-se abordar conhecimentos que vão além das Ciências para melhor compreensão do tema. Neste sentido, o que Freire se refere é não apenas ensinar os conteúdos científicos, mas levar os estudantes a apropriarem-se das práticas científicas.

Para uma abordagem distinta do que comparece nos livros didáticos, Delizoicov (2001), fundamentado em Bachelard (1977) destaca a função das questões problematizadoras como gênese do conhecimento durante a aprendizagem do estudante para se apropriar de novos conhecimentos.

Entre as opções apresentadas por Delizoicov (2001, p. 134) para se realizar a problematização destaca-se a História e Filosofia da ciência como podemos ler neste fragmento.

(...) uma das possibilidades de se considerar essa perspectiva de problematização está articulada ao uso da História e Filosofia da Ciência no Ensino (...). Dessa forma seria propiciada a contextualização da origem, formulação e solução dos problemas mais relevantes que culminaram com a produção dos modelos e teorias, o que teria o potencial de explicitar e explorar o significado histórico dos problemas juntos aos estudantes e, talvez por isso, permitir-lhe a apreensão das soluções dadas e o respectivo conhecimento produzido (...).

Portanto, é nesta perspectiva que se enquadra o presente trabalho, uma vez que tivemos como objetivo problematizar a Gravitação a partir do seu viés histórico- epistemológico, segundo a qual os diferentes modelos cosmológicos ao longo da história contribuíram para que Newton realizasse a sua grande síntese, culminado com a gravitação universal. E a partir daí levar os frutos desta reflexão aos alunos de física do ensino médio. Na próxima seção discorremos mais detalhadamente sobre a abordagem temática freiriana e a problematização na educação cientifica.

Capítulo 2: História da Ciência e Educação Científica: o exemplo da