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As colaborações do LEA/UNIVALI

No documento Todo Risco A possibilidade de arriscar (páginas 117-121)

5.5 A NOVA FASE DA RESEX MARINHA DO PIRAJUBAÉ

5.5.1. As colaborações do LEA/UNIVALI

Conforme o referido, as atividades da equipe de técnicos/educadores LEA/UNIVALI faziam parte do programa de educação ambiental que foi inserido como termo aditivo no contrato do programa de monitoramento ambiental da UNIVALI firmado com o DEINFRA/SC. A existência do programa de educação ambiental foi uma das condicionantes ambientais exigidas pelo IBAMA no processo de licenciamento ambiental da Via Expressa Sul.

Ainda no ano de 2008, o LEA/UNIVALI iniciou um programa intitulado “Programa de Educação Ambiental: Subsídios à Gestão Ambiental Participativa na Área de Abrangência da Via Expressa Sul/Baía Sul” (PEA BS), originalmente voltado à comunidade da Costeira atingida pela instalação da Via Expressa Sul. Contudo, devido à existência da RESEX do Pirajubaé na área, o esforço de capacitação para gestão ambiental participativa empreendido pelo LEA/UNIVALI acabou sendo direcionado à população extrativista da RESEX. O objetivo deste programa era “fortalecer a implantação de um sistema Gestão Ambiental Participativa do Patrimônio Ambiental (Natureza e Cultura)” na RESEX. (LEA/UNIVALI, PEA BS, 2008).

O PEA BS estabeleceu as seguintes diretrizes e justificativas:

Ficou evidenciada a necessidade urgente de um Programa de Educação Ambiental capaz de fortalecer um sistema integrado e participativo de gestão dos recursos socioculturais e naturais existentes na área de influência da Obra, sendo que a RESEX Marinha do Pirajubaé e seu entorno representa o patrimônio Natural e Cultural mais vulnerável aos impactos das obras, pois envolve o modo de vida (cultura da pesca) associado ao manguezal do Rio Tavares. (LEA/UNIVALI, PEA BS, 2008).

A situação de vulnerabilidade da RESEX reflete a atual visão política de desenvolvimento associado à expansão urbana do município e do Estado que acaba desestruturando socioculturalmente os grupos sociais que têm seu modo de vida intimamente associado aos ecossistemas costeiros.

(LEA/UNIVALI, PEA BS, 2008).

Diante disso, o PEA BS estabeleceu três frentes de ação: 1) valorização da identidade socioambiental e cultural do local; 2) a construção de conhecimentos e esclarecimento de conceitos que contribuam para uma maior mobilização, organização e criatividade que

promovam o desenvolvimento de alternativas; 3) o planejamento de gestão e autogestão comunitária, além de assegurar o pleno exercício da cidadania participativa. (Idem).

Buscando implementar o PEA BS, durante o primeiro trimestre de 2008, o LEA/UNIVALI realizou diversas visitas à área da RESEX com o intuito de identificar a população extrativista e alguns esforços na tentativa de mobilizá-la para participação na gestão da UC.

Esse processo ganhou força em abril/maio de 2008, quando o Núcleo de Educação Ambiental (NEA) do IBAMA, em parceria com a ONG Instituto Mater Natura, promoveu um curso de gestão participativa de UCs, em Florianópolis/SC, do qual a equipe do LEA/UNIVALI e alguns extrativistas da RESEX do Pirajubaé participaram. Neste Curso, conseguiu-se formar um Grupo de trabalho (GT) que era integrado pela gestora da RESEX/ICMBio, a equipe do LEA/UNIVALI e um representante dos extrativistas. A

“missão” deste grupo era fomentar um de espaço de diálogo para iniciar a gestão participativa da RESEX, fortalecer a participação da população extrativista e promover a ampliação deste grupo de trabalho visando à criação do Conselho Gestor Deliberativo. Este grupo foi chamado de GT pró-gestão participativa da RESEX Marinha do Pirajubaé.

Nesse curso, encaminhou-se que a então gestora RESEX/ICMBio deveria convocar reuniões com os extrativistas para formar um Grupo de Trabalho a fim de recadastrar os extrativistas na RESEX. O objetivo do recadastramento era identificar aqueles que mantinham algum vínculo com a área da RESEX e definir coletivamente critérios para identificar quem eram os usuários de direito, além das categorias de acesso/uso para estes usuários.

Assim, iniciaram-se os primeiros encontros entre o ICMBio, LEA/UNIVALI e alguns extrativistas, visando reorganizar os extrativistas para criar os espaços institucionais necessários à gestão participativa da UC, ou seja, para institucionalizar a participação na RESEX, após quase 17 anos de sua criação.

No final de 2008, a gestora RESEX/ ICMBio, com o apoio do LEA/UNIVALI e de alguns extrativistas, promoveu a ação de recadastramento dos extrativistas na RESEX. Ao sistematizar os dados gerados neste recadastramento o ICMBio e o LEA/UNIVALI concluíram que existia: 1) uma diversidade de interesses entre os usuários diretos e indiretos da RESEX; 2) pouco conhecimento sobre as normas que regulamentam as atividades na área da RESEX; 3) muitas incertezas sobre a situação ambiental após a obra do aterro da Via Expressa Sul, resultando em atividades que ameaçam a sustentabilidade da RESEX a médio e longo prazo.

Em abril de 2009, o LEA/UNIVALI retomou o referido programa de educação ambiental (PEA BS) com a atividade que denominou de “Ciclo inicial sobre Gestão Ambiental Participativa” cujos objetivos eram:

A melhoria das relações internas da comunidade de extrativista e pescadores artesanais por meio do fortalecimento dos laços de confiança e amizade, e ao mesmo tempo, ampliar a compreensão sobre os vários aspectos que envolvem a Gestão Ambiental Participativa de uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, tendo em vista a constituição do Conselho Gestor e a elaboração do seu plano de manejo dos recursos naturais da Resex.

(LEA/UNIVALI, PEA BS, 2009, grifo nosso).

Nesta perspectiva, o LEA ofereceu o Curso Inicial em Gestão Ambiental Participativa (GAP) para os extrativistas que tivessem preenchido o cadastramento realizado no final de 2008 pelo ICMBio. A comunicação e mobilização dos extrativistas para participar de tal curso foram realizadas diretamente pelo LEA, através de cartas, telefonemas e contatos pessoais, ou seja, não envolveu diretamente o ICMBio, que apenas participou do referido curso. O curso teve três etapas: 1ª) discutir o conceito de gestão ambiental participativa, e sua importância para o contexto da RESEX Marinha do Pirajubaé, a partir das experiências do cotidiano dos extrativistas; 2ª) fortalecer a identidade de grupo, com a metodologia advinda do campo da Educação Ambiental (EA), chamada “Trilha da Vida”; 3ª) consolidar conceitos sobre a Gestão Ambiental Participativa em Unidades de Conservação de Uso Sustentável e seus instrumentos de gestão (Conselho Gestor Deliberativo e Plano de Manejo), para Construir um Plano de Ações Prioritárias para a Gestão da RESEX. Nessa última etapa, foram apresentados e discutidos os significados dos instrumentos de gestão participativa da RESEX, inclusive de Conselho Gestor Deliberativo, e a diferença deste tipo de Conselho para os outros conselhos consultivos de outras UCs.

Este curso teve duas edições, realizadas entre abril e agosto de 2009, das quais participaram cerca de 20 a 25 extrativistas da RESEX, além da chefia da RESEX/ICMBio e da socióloga que desenvolvia o referido trabalho de consultoria na RESEX pelo Projeto PNUD/BRA/99/024. De acordo com os dados levantados, o curso parece ter tido uma repercussão positiva entre os extrativistas naquele período, no sentido de que promoveu um maior entendimento sobre categorias e conceitos muito utilizados pelos gestores RESEX/ICMBio e pesquisadores, tais como gestão participativa, conselho gestor de UCs, conselho gestor deliberativo, e o próprio conceito de unidades de conservação e de reserva extrativista. Ainda foram discutidas as noções de “participação” e “deliberação”, sobre as quais grande parte dos extrativistas tinha pouca informação e muitas dúvidas. Os

questionamentos dos extrativistas, registrados pelo LEA/UNIVALI durante estes cursos, evidenciam essa situação:

Mas, qual é a diferença entre conselho gestor e conselho gestor deliberativo? Ou é consultivo? Tem que ser uma associação como a AREMAPI? (Questionamento de Extrativista transcrito no relatório PEA BS LEA/ UNIVALI).

Gostaria de saber/entender o que é a RESEX (...) tem que definir se é só para o berbigão? (Id.).

Nessas situações, houve um esforço de “tradução” (CUNHA, 2007), realizado LEA/UNIVALI, da linguagem técnica e jurídica para uma linguagem acessível aos extrativistas. De acordo com os dados levantados sobre tal curso, o LEA/UNIVALI ao apresentar o conteúdo do curso GAP, constantemente, mobilizava exemplos apreensíveis que se referiam ao cotidiano da população extrativista. Isso facilitou bastante a compreensão dos significados dos conceitos e categorias informados aos extrativistas, cuja maioria é desfavorecida em termos de recursos socioeducacionais. Essa percepção é explicitada em alguns depoimentos registrados pelo LEA/UNIVALI no relatório referente a este curso:

Eu não gosto da linguagem das leis, agora no meio desse curso eu to conseguindo acompanhar o que significam os números, os decretos e essas coisas. Antes a gente entrava em reuniões, mas saía delas mais confundido, era como si quiseram que a gente não entendera as coisas. Em um curso quem está educando também, deve estar se educando.” (depoimento de Extrativista transcrito no Relatório PEA BS LEA/UNIVALI, 2010).

O LEA/UNIVALI teve um papel fundamental na fase de reestruturação institucional e reorganização política da população extrativista para possibilitar a gestão participativa da RESEX Marinha do Pirajubaé.

Ainda em outubro e novembro de 2009, o LEA/UNIVALI continuou o programa de educação ambiental, ao realizar uma “Oficina de sistematização dos conhecimentos locais e da história da comunidade tradicional”, cujo objetivo foi “registrar o conhecimento da comunidade sobre os recursos prioritários à sustentabilidade da RESEX, a fim de subsidiar o debate para atender à demanda sobre revisão das normas de captura do berbigão e da elaboração do pleno de manejo de recurso” (Relatório PEA BS, LEA/UNIVALI, 2010). Essa oficina foi denominada “A Vida do Berbigão”. Nela foi produzido um diagnóstico sobre os conhecimentos dos extrativistas relacionados ao recurso berbigão na RESEX Marinha do Pirajubaé. Contudo, de acordo com depoimentos recolhidos na nossa pesquisa, esta oficina não parece ter tido a mesma relevância que o curso GAP para os extrativistas participantes.

Diversas vezes registramos depoimentos dos extrativistas referindo-se à utilidade desta oficina, tais como:

Para que serviu tudo aquilo? Não mudou nada nossa situação [...] é sempre assim, eles (referindo-se aos pesquisadores, não apenas da UNIVALI) veem aqui perguntam um monte de coisa, depois somem e ninguém vê resultado nenhum. (Extrativista, 2010).

Assim, uma série de informações sobre os saberes e posicionamentos dos extrativistas e, também, sobre os principais conflitos presentes na RESEX Marinha do Pirajubaé, foram identificados pelo trabalho da equipe LEA/UNIVALI. Embora o LEA/UNIVALI tenha compilado e apresentado tais informações para a população extrativista, no final de 2009, elas só foram recuperadas e articuladas objetivamente, com um propósito prático e perceptível aos extrativistas, em outubro de 2010 na ocasião de formação do Conselho Deliberativo, sobre a qual transcorreremos no próximo capítulo.

No documento Todo Risco A possibilidade de arriscar (páginas 117-121)