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Os condicionantes da participação social

No documento Todo Risco A possibilidade de arriscar (páginas 42-46)

2.3 DIMENSÕES DA PARTICIPAÇÃO DELIBERATIVA NOS ESPAÇOS PÚBLICOS

2.3.2 Os condicionantes da participação social

Estudos sobre espaços participativos (FUKS e PERISSINOTO, 2006 e 2007, WENDHAUSEN; BARBOSA; BORBA, 2006) têm analisado os recursos econômicos e políticos dos atores nos espaços participativos. Considera-se não apenas os recursos políticos objetivos, como renda e escolaridade, mas também os recursos subjetivos, por exemplo, a disposição para participar. Eles têm como objetivo compreender em que medida a maior ou menor disponibilidade dos mesmos interfere, de fato, na igualdade política e na distribuição do poder no interior dos espaços participativos.

Como Lüchmann e Borba (2006, p. 60) observam, “recursos materiais (dinheiro) e simbólicos (prestígio, educação)” e/ou as atitudes e crenças relacionadas ao sistema político, os quais refletem, respectivamente, a dimensão objetiva e subjetiva do modelo da centralidade12, possuem uma relação de proporcionalidade direta com a participação dos cidadãos. A disponibilidade destes recursos pode influenciar a decisão de participar, ou seja, é um fator de motivação para participação. Portanto, está relacionada às possibilidades de inclusão política nas instituições participativas e deliberativas, como o Conselho Deliberativo das RESEX. Paralelamente, esta variável é fundamental para compreendermos as condições de igualdade participativa, pressuposta pelo modelo da democracia deliberativa, nos processos decisórios que ocorrem no interior destes espaços. Nesta perspectiva,

[...] uma boa compreensão do funcionamento destas instâncias participativas exige conhecer as especificidades dos grupos e os impactos dessas especificidades sobre a capacidade de participação de cada um deles. (FUKS e PERISSINOTTO, 2007, p. 63).

12 O Modelo da centralidade “propõe que a intensidade da participação varia conforme a posição social do indivíduo, porque, quanto mais central do ponto de vista da estrutura social maior a participação e maior o senso de agregação.” (AVELAR, 2004 apud LÜCHMANN e BORBA, 2008, p. 60).

Os espaços instituídos para a participação democrática da sociedade civil podem proporcionar oportunidades de participação, ainda que os segmentos desfavorecidos economicamente, culturalmente e politicamente não possuam os recursos considerados importantes para o sucesso da participação, como certo nível de renda, de acesso aos padrões culturais dominantes que tornam possível a comunicação entre os diferentes participantes, além da experiência de participação política em outros fóruns a ela destinados na sociedade, como partidos políticos, associações etc.

Recursos econômicos, culturais e políticos facilitam a participação política dos atores, pois podem prover maior destreza, capacidade argumentativa e organizativa para defenderem seus interesses na vida pública e, portanto, nos processos deliberativos travados nos espaços públicos que demandam o exercício do discurso racional. Wendhausen, Barbosa e Borba (2006, p. 137), por exemplo, observam que os recursos educacionais (escolaridade) favorecem a formação das pessoas como cidadãos que, cientes de seus deveres e direitos, envolvem-se com “as coisas de seu mundo”, ou seja, participam politicamente.

Neste sentido, Fuks e Perissinotto (2006, p. 72) observam que, segundo o método posicional13, a capacidade de cada ator de influenciar o processo decisório “[...] está direta e proporcionalmente associada aos recursos que ele dispõe, recursos que, por sua vez, são atributos das posições sociais e institucionais que eles ocupam.”.

Assim, a pouca disponibilidade de recursos econômicos e culturais pode constituir um obstáculo para a participação. No entanto, é preciso questionar a relação direta entre pobreza e a não participação ou a apatia, que é defendida por parte da literatura crítica sobre democracia deliberativa (LÜCHMANN, 2007). Contrapondo-se a estas generalizações, Lüchmann (2002, 2007), apresenta a experiência do Orçamento Participativo em Porto Alegre, como exemplo de participação de atores que não possuíam os recursos econômicos e políticos “desejados”, mas, uma vez ofertada a oportunidade de participação, os demais condicionantes se relativizam.

Por outro lado, a falta de capacidade de desenvolver um discurso racional e argumentativo, que caracteriza, ao menos ideologicamente falando, dentre outros aspectos, a cultura da classe dominante econômica, social, cultural e politicamente, pode obstaculizar a participação dos segmentos desfavorecidos nos espaços públicos nos quais este tipo de discurso prevalece. Assim, uma relação direta e positiva entre posse de recursos econômicos e

13 Fuks e Perissinotto (2007, p. 56) explicam que, para este método, o qual Write Mills é um dos principais defensores, um estudo dos recursos (materiais, institucionais, intelectuais) dos indivíduos proveria um retrato do “caráter” daqueles que exercem o poder e por efeito de derivação a natureza de suas decisões.

participação também pode ser questionada.

Em relação ao condicionamento político, para alguns autores que analisam movimentos sociais ou desenvolvem seus estudos sobre capital social, as redes de interação social, dentre elas o associativismo, podem ser um exemplo de condição de participação que não são aquelas atribuídas aos grupos sociais privilegiados econômica, social e culturalmente.

Através da formação de identidades que sustentam estas redes, os indivíduos desenvolvem maior interesse e se tornam, de certa forma, mais capacitados para a atuação em espaços públicos de participação (LÜCHMANN; BORBA, 2008).

A prática associativa pode auxiliar na superação dos obstáculos que se impõem às experiências participativas e deliberativas e que podem bloquear seu potencial democratizante, dentre elas a manipulação dos processos participativos e deliberativos, não permitindo que a distribuição de poder entre os participantes ocorra efetivamente nas decisões a serem tomadas. Nesta perspectiva, fundamentada em evidências empíricas, Lüchmann (2007) argumenta que um elemento importante é:

[...] a mediação, nesses espaços participativos, da representação coletiva (ou associativismo), já que, geralmente, os representantes (conselheiros ou delegados) estão vinculados a organizações sociais, e em grande parte, às associações comunitárias. Isso tem implicações nada desprezíveis no que se refere às recorrentes acusações de controle e manipulação por parte dos setores mais aquinhoados de capital cultural e educacional. (LÜCHMANN, 2007, p. 190)

Mas a prática associativista não garante a equidade política nos arranjos institucionais de processos participativos deliberativos, podendo até mesmo reforçar situações que acentuam o oposto. Por exemplo, em análise sobre o conceito de “capital social”, Frey afirma:

[...] particularmente nos países em desenvolvimento, as associações civis tendem a reforçar as desigualdades existentes, as estruturas paternalistas e hierárquicas e privilégios sociais e até conviver com corrupção. (FREY, 2003 apud LÜCHMANN, 2007, p. 192).

Assim, devemos também questionar em que medida as práticas associativas contribuem para promover igualdade política nestes espaços.

É importante analisar também os recursos subjetivos, que “podem ser considerados de natureza menos tangível, mas nem por isso menos eficazes, indicando, por exemplo, certa disposição para participar” (FUKS e PERISSINOTO, 2006, p. 74). Dentre estes, destacamos a competência política subjetiva, definida como “a percepção que os indivíduos, ou membros de um grupo social, possuem sobre sua capacidade de influenciar a política ou a tomada

de decisões”, ou seja, é a existência de uma disponibilidade subjetiva para o ativismo político (FUKS; PERISSINOTTO; RIBEIRO, 2003; FUKS e PERISSINOTTO, 2006, 2007). Tal disponibilidade subjetiva influenciar tanto na decisão de participar como na capacidade participativa e argumentativa dos atores envolvidos no processo participativo e deliberativo.

Outro condicionante da participação se refere ao processo de escolha racional que, para alguns autores, como já observado no item 1 deste capítulo, é central na compreensão dos processos participativos deliberativos. Para Olson (1999), a motivação dos indivíduos, ou membros de um grupo, para participar estaria associada à obtenção de benefícios individuais ou daqueles que os participantes do processo em questão poderiam se apropriar de maneira privada. Nesta perspectiva, os indivíduos, através de um cálculo racional, decidiriam pela não participação quando os possíveis benefícios, oriundos das decisões tomadas em um processo participativo-deliberativo, fossem coletivos ou disponibilizados igualmente para todos aqueles afetados por tais decisões, independentemente da sua participação no processo decisório.

Como explica Lüchmann (2009, p. 4) para esta corrente “os motivos cooperativos ou de participação apoiam-se nos cálculos de custos e benefícios, caracterizando uma racionalidade instrumental.” Isso significa que a inclusão política – participar ou não participar – idealizada pela participação deliberativa estaria condicionada ao cálculo racional dos possíveis participantes.

Lüchmann e Borba (2008, p. 60) destacam que este modelo é incapaz de “[...]

perceber que existem motivações e interesses direcionados ao bem comum que destoam dos motivos calculistas e/ou egoístas/individuais tão propalados pela escola da escolha racional”.

Lembramos que essa constatação é válida para os mais diversos campos da ação coletiva que a escola da escolha racional se propõe a explicar, como o da apropriação de recursos naturais comuns que tem na “tragédia dos comuns”, e não apenas para a questão da participação política. No entanto, é pertinente observar que reconhecer os limites da teoria da escolha racional para analisar a ação coletiva, incluindo a participação em esferas públicas de decisão, não significa ignorar as importantes contribuições desta teoria nas análises de tais experiências. Há que se fazer a ressalva de que os cálculos em torno dos custos e benefícios advindos da participação, provavelmente, são realizados pelos indivíduos. Eles podem forjar a não participação dos atores e esconder-se por trás de uma aparente apatia dos mesmos (LÜCHMANN, 2006).

A disponibilidade de recursos econômicos e políticos, objetivos e subjetivos, individuais e coletivos, bem como os cálculos dos atores para a participação são fatores relevantes para compreendermos as possibilidades de inclusão política, e de distribuição

equitativa do “poder” no interior dos espaços participativos, dentre eles, o Conselho Deliberativo da RESEX do Pirajubaé.

No documento Todo Risco A possibilidade de arriscar (páginas 42-46)