• Nenhum resultado encontrado

ESQUEMA TEÓRICO-ANALÍTICO

No documento Todo Risco A possibilidade de arriscar (páginas 72-77)

Buscamos neste item construir um esquema interpretativo que permitisse articular os elementos teóricos apresentados e discutidos no capítulo um. Assim, no esquema apresentado adiante apresentamos aquelas dimensões teórico-analíticas, que são interligadas entre si, que consideramos pertinentes para analisar a experiência participativa do Conselho Deliberativo da RESEX do Pirajubaé.

O esquema teórico-analítico desenvolvido por Macedo (2008), em seu trabalho sobre a participação em duas Unidades de Conservação (Áreas de Proteção Ambiental - APAs) no sul do Brasil, trouxe algumas contribuições importantes para a construção do esquema que apresentaremos aqui. O esquema elaborado pelo autor integra as contribuições analíticas advindas do Enfoque dos Commons e da literatura sobre participação política e, por isso, tornou-se uma referência interessante para a construção do nosso esquema teórico-analítico.

No esquema elaborado por Macedo, ele aborda um eixo que conecta “arranjos institucionais” e “padrões de interação” sobre o qual incide a sua pesquisa sobre a participação nas APAs. Este eixo representa a mútua influência entre estas duas variáveis.

Como informa Macedo (2008), arranjos institucionais referem-se às regras e normas que estruturam as escolhas individuais e esta definição assemelha-se a de um desenho institucional desenvolvida nos estudos sobre participação (LÜCHMANN, 2002, 2009). Já padrões de interação, segundo o autor, referem-se às percepções, atitudes e práticas dos atores sociais envolvidos nos espaços de gestão (MACEDO, 2008). Esse alicerce priorizado por

Macedo (2008) é também o eixo sobre o qual incide a análise da experiência participativa do Conselho Deliberativo na RESEX do Pirajubaé proposta nesta tese.

Como Lüchmann observa:

O desenho institucional não adquire um status ou poder explicativo de caráter unicausal ou unilateral e, neste sentido, deve manter uma perspectiva articuladora. Enquanto resultante das articulações entre Estado e Sociedade, o desenho institucional operacionaliza um conjunto de princípios através da institucionalização de critérios e regras que reincidem sobre as práticas e relações político-sociais. (LÜCHMANN, 2002, p. 16)

No nosso entender, essa observação corrobora a necessidade de uma abordagem integrada da dimensão institucional e as dimensões referentes às interações dos atores políticos na análise das experiências participativas. Assim, consideramos que é impreterível associar a análise do formato institucional destes espaços e a das relações entre os atores que se estabelecem no Conselho Deliberativo da RESEX, se pretendemos compreender em que medida os processos de debate e decisão – engendrados por esse espaço participativo – possibilitam um reordenamento na lógica convencional de poder e, logo, uma gestão democrática da RESEX (LÜCHMANN, 2009).

Esclarecemos que, em nossas análises, o arranjo ou desenho institucional refere-se ao formato do espaço jurídico-institucional de deliberação na gestão da RESEX do Pirajubaé, ou seja, o Conselho Deliberativo. Já as dimensões referentes às interações, correspondem àquelas estabelecidas entre os atores no Conselho Deliberativo, principalmente, entre os usuários dos recursos pesqueiros na RESEX, o grupo de extrativistas, e os representantes da agência governamental responsável – ICMBio. Tais dimensões refletem tanto as condições de participação como as estratégias destes atores no processo participativo de deliberação e correspondem às relações de poder estabelecidas entre eles nestes processos. Optamos por focar nossas análises sobre as relações estabelecidas entre estes atores políticos, porque consideramos que elas representam o eixo de poder principal nos processos decisórios engendrados no Conselho Deliberativo.

No esquema analítico aqui apresentado adotamos alguns fatores, ou “dimensões”, sugeridos por Macedo (2008), para analisar o arranjo ou desenho institucional do Conselho Deliberativo. Destacamos que o termo “dimensão”, como foi apresentado no capítulo um, é aplicado para nos referirmos ao arranjo ou desenho institucional em sua totalidade que é, no nosso entender, constituído por tais fatores.

Lüchmann (2009, p. 9) esclarece o desenho institucional pode ser analisado da seguinte forma: quanto aos atores que participam dos espaços participativos; quanto ao modo como se institui o processo deliberativo; onde 19 e quando ocorre o processo participativo dos conselhos. Seguindo esta orientação, apresentamos no quadro 1 os fatores referentes à dimensão do arranjo institucional que serão investigados para a análise da dimensão da experiência do Conselho Deliberativo da RESEX do Pirajubaé – análise da formatação institucional deste espaço participativo.

Quadro 1 – Fatores relacionados à dimensão arranjo ou desenho institucional Fatores Referências Detalhamento participativo-deliberativo e refere-se ao modo como: (1) foi criado o espaço participativo-deliberativo; (2) foi definida sua composição (paridade, número de integrantes, territorialidade...); (3) foram eleitos os participantes.

Regras e Normas do espaço participativo-deliberativo

Macedo (2008) As normas e regras (formais e não formais) existentes, subdividindo-se em: (1) instâncias existentes no interior do espaço (câmeras técnicas, grupos de trabalho, secretaria executiva...); (2) regras criadas pelo espaço participativo, que regem sua própria dinâmica (regimento interno) e também relacionadas à gestão da UC (outras normativas).

(3) A relação entre as regras, normas e diretrizes estabelecidas no conselho (regimento interno e outras normativas) com outras aquelas que regem o recursos institucionais: materiais e humanos; (2) periodicidade com que se reúnem; (2) modo como se define a pauta das reuniões; (3) presença e ausência dos participantes; (3) A sequência do debate, ou seja, qual ator inicia o debate e qual dá continuidade; (4) a presença de contestação, identificada quando a intervenção do segundo ator se opõe explicitamente a do que iniciou o debate; (5) Tipo de deliberação

Macedo (2008) (1) a participação do governo no espaço participativo; (2) a efetiva implementação do que foi decidido, isto é, ao grau vinculante. Fator analisado em conjunto com formação, dinâmica e estrutura do espaço participativo-deliberativo.

Fonte: Própria autora

19 “Onde” não se refere apenas ao espaço físico, mas também ao político. Segundo Lüchmann (2009, p. 9), onde significa “quais os espaços e lugares que ocupam – seja no interior da estrutura de governo, seja no contexto social de maneira geral” em que o processo participativo dos conselhos ocorre.

Em relação à interação entre os atores, recuperamos no Quadro 2 aquelas dimensões teórico-analíticas, já discutidas no primeiro capítulo, que serão abordadas na análise da experiência participativa do Conselho Deliberativo. Detalhamos, de forma sucinta, os fatores que foram avaliados em cada uma delas.

Quadro 2 – Dimensões relacionadas à interação entre os atores

Dimensões Referências Fatores Detalhados competência política subjetiva e; (2) Escolha racional, ou seja, cálculo racional feito pelos participantes acerca dos custos e benefícios da participação no Conselho.

Relação entre entre os atores em espaços participativos aponta para a necessidade de se estabelecer um trabalho de tradução que contribua para deliberação pública (CUNHA, 2007);

(3) a predominância do saber tecnocientífico sobre os outros saberes ou, em oposição, a ocorrência do diálogo entre estes saberes.

Fonte: Própria autora

Desta forma, nos Quadros 1 e 2, elencamos aquelas dimensões e respectivos fatores, que consideramos pertinentes para refletir sobre a experiência participativa do Conselho Deliberativo. Buscamos apreendê-los e articulá-los na análise dos dados gerados pela pesquisa de campo, a fim de compreender a qualidade da participação-deliberativa no Conselho Deliberativo da RESEX do Pirajubaé e, portanto, até que ponto este Conselho é um espaço participativo que possibilita a gestão democrática desta UC.

No quadro 3, a seguir, apresentamos os aspectos específicos da realidade concreta que foram observados para examinar as dimensões, e respectivos fatores, apresentadas nos quadros anteriores. Assim, este quadro nos guiou na análise da experiência do Conselho Deliberativo da RESEX, ao “olhar” nossos dados de campo.

Quadro 3 – Aspectos observados para cada dimensão.

Arranjos Institucionais

1. Se o Conselho Deliberativo foi formado de maneira participativa deliberativa, ou seja, sua composição (número de cadeiras, atores representados, distribuição (%) das cadeiras entre os atores) e os critérios para defini-la foram debatidos e decididos com a participação ativa dos extrativistas, ou foi determinado pelos gestores e técnicos da RESEX.

Como os representantes da população extrativista foram escolhidos.

2. Como foram definidas as regras (regimento interno) que orientam a dinâmica do conselho, se elas estão de acordos com a instrução normativa que rege a criação e o funcionamento dos Conselhos deliberativos de Reservas Extrativistas (IN nº 02, ICMBio/MMA, 2007). Se elas possibilitavam, a priori, que processos decisórios inclusivos, igualitários e plurais se estabeleçam. Se o Conselho possuía outras instâncias (grupos de trabalhos, câmaras técnica, secretaria executiva) além da própria plenária e se elas são atuantes e efetivas.

3. Se a periodicidade, espaços e locais das reuniões do Conselho facilitavam a participação e deliberação. Se a maioria dos conselheiros, particularmente dos representantes dos extrativistas, estavam presentes nas reuniões ou a inadimplência era alta.

4. Se todos os conselheiros, particularmente os representantes dos extrativistas, participavam ativamente dos debates:

Se os pontos de pauta das esferas participativas de decisão foram estabelecidos com a participação de todos, principalmente, dos extrativistas; Se havia um ator que prioritariamente iniciava e conduzia o debate, ou isso era alternado entre os atores. Se havia, frequentemente, presença de contestações ou não. Se as plenárias, em sua maioria, finalizavam com encaminhamento, aprovação ou resolução e se havia um ator que elaborava mais frequentemente as propostas ou todos, principalmente os extrativistas, o faziam.

Condicionantes de participação

1. Como era a disponibilidade de recursos materiais e socioeducacionais (renda, escolaridade/cursos técnicos, capacitação para participação) entre conselheiros, especialmente os representantes dos extrativistas, ou seja, o perfil dos atores. Se a distribuição dos mesmos era equitativa caracterizando uma simetria entre os perfis dos atores, ou não.

2. Se os representantes dos extrativistas estavam vinculados à associação dos extrativistas na RESEX e se faziam parte de alguma outra associação ou instituição civil.

3. Se os representantes dos extrativistas que participavam de associações, consideravam que sua capacidade de argumentação e negociação era ampliada com tal prática, melhorando seu desempenho político no Conselho, ou não. Se esta melhoria na capacidade participativa e argumentativa dos extrativistas, a partir da atuação na associação, era observável nos processos decisórios acompanhados pela pesquisadora.

4. Se na percepção dos representantes dos extrativistas, eles se sentiam capazes de influenciar as tomadas de decisão no Conselho (através de entrevistas com os extrativistas conselheiros).

5. Escolha Racional: Se os extrativistas julgavam que os custos (tempo, dinheiro, stress...) para participar dos espaços de decisão eram menores que os benefícios (defesa de interesses, prestígio etc..) desta participação.

Relação entre saberes

1. Se durante os debates no Conselho e instâncias ligadas a ele, havia exposição dos distintos saberes (tecnocientífico e extrativistas) sobre os problemas de gestão debatidos.

2. Se havia esforços de tradução, para que a informação técnica e científica ficasse acessível aos extrativistas.

3. Se havia diálogo e negociação entre os diferentes saberes na busca de soluções para os problemas de gestão debatidos e decisões tomadas no Conselho, caracterizando uma situação de pluralidade epistêmica, ou caso contrário, um saber sempre prevalecia ou o silenciava o outro, caracterizando uma relação de dominação epistêmica.

Fonte: Elaborada pela própria autora

Figura 1 – Ilustração do esquema teórico-analítico

No item seguinte apresentaremos a forma como procedemos à coleta de dado e sobre os processos decisórios engendrados pelo Conselho Deliberativo da RESEX do Pirajubaé, para a análise desta experiência participativa.

No documento Todo Risco A possibilidade de arriscar (páginas 72-77)