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4. A “voz” dos estudantes: não somos mais os mesmos?

4.6 As “vozes” nas entrevistas

4.6.1 Coletivo Junt@s somos mais

O coletivo “Junt@s somos mais” era uma das chapas que concorriam à eleição para a representação discente do Diretório Central dos Estudantes. Na realidade, esse era, à época da entrevista (e da campanha), o grupo que dirigia o DCE e concorria, portanto, à reeleição. Após o resultado das eleições decidiram continuar a se reunir em torno das propostas e continuar os debates pela internet. Hoje se identificam como

[...] os indignados que estão vendo a UnB crescer ainda sem a qualidade que merecemos. São as indignadas que não aguentam mais uma Universidade machista. Indignados que estão com sede de participação e por isso reivindicam democracia e paridade na gestão universitária. Indignadas estudantes do noturno, cansadas da insegurança e da falta de serviços na UnB, à noite. São os calouros recém-chegados na UnB que estão indignados com a forma violenta como muitas vezes são organizados os trotes. Indignadas com essa política de assistência estudantil que não dá conta da demanda estudantil por garantia de acesso e permanência ao ensino superior. [...] Somos estudantes que participam de Centros Acadêmicos, extensionistas, pesquisadores, integrantes de Empresas Juniores, grupo I, II e II. Somos negras, brancos, mulheres, homens, LGBTs, calouras e veteranos [...].

O ponto de origem do grupo é localizado: estão indignados com a situação da Universidade de Brasília. Suas reivindicações são por qualidade – na gestão, querem democracia, expressa pela paridade na consulta para reitor – na infraestrutura, querem melhorias na segurança e nos serviços. Qualificam-se como o

retrato da diversidade que defendem: negros, brancos, homens, mulheres, calouros e veteranos...

Logomarca do grupo disponível na internet

Embora sejam um grupo político, na exposição dos objetivos o são relativamente tênues as marcas do discurso político “puro”, por assim dizer. O que predomina são preocupações relacionadas a aspectos práticos da vida acadêmica, além da valorização da diversidade, criatividade e sustentabilidade:

Mas nem só de indignação vive o movimento estudantil! Nós queremos criar. Queremos uma UnB como pólo de efervescência cultural de nossa cidade, um grande ponto de encontro. Queremos uma UnB que faça esporte, com um Centro Olímpico de verdade, utilizado não só por atletas de alto rendimento, mas sim por toda a comunidade. Queremos uma UnB integrada, de forma que os estudantes dos quatro campi se conheçam e construam atividades em conjunto. Onde a diversidade nos una. Queremos uma universidade que valorize a extensão, assim como a pesquisa e o ensino em sala de aula. Defendemos uma UnB sustentável, consciente dos desafios ambientais da nossa sociedade. Uma UnB que dialogue e viva os movimentos sociais, dentro e fora dela. [...] Entendemos que o movimento estudantil está a todo o momento se reinventando, criando o novo. Por isso convidamos a todos e todas que também compartilham estes sonhos a construírem conosco um movimento estudantil forte, diverso, horizontal e democrático.

O trecho acima reforça que o foco do coletivo é a UnB, tanto, que dá margem ao surgimento e aparente “convivência harmoniosa” entre os movimentos

sociais, e desejam um movimento estudantil “diverso”. O discurso é de tolerância e respeito às diferenças, inclusive as ideológicas.

O coletivo possui um site na internet, cujo primeiro post é de outubro de 2011, ainda na campanha às eleições para o DCE. O grupo continua se reunindo e atua como uma espécie de “oposição” à atual gestão do DCE. Possuem dois representantes discentes no Conselho Universitário (CONSUNI) atualmente.

Durante a entrevista, no discurso de Ailton, alguns temas são predominantes. Esses temas podem ser vistos sob duas perspectivas: de um lado, os assuntos relacionados aos direitos individuais como respeito às diversidades e liberdades. De outro, os que se referem à Universidade: qualidade do ensino, movimento estudantil, extensão, pesquisa. Mas, além disso, surge ainda, uma terceira temática de assuntos mais amplos, que dizem respeito a toda a sociedade: sustentabilidade, esporte, movimentos sociais, criatividade. Embora o espaço de atuação do coletivo seja bem definido – a Universidade – ele sempre fala como se estivesse se referindo à cidade (às vezes, ao País) em geral:

[...] porque a gente quer participar, a gente tem que participar, porque é a nossa Universidade, a nossa cidade, o nosso País... então, tem que fazer barulho, tem que falar o que pensa, tem que ir lá, porque se não, ninguém faz nada pela gente não! [...] e eu acho que cada um faz do jeito que pensa que é melhor, tipo, se você quer se filiar a um partido, vai, se você quer ir pro C.A., vai, se quer ser da Associação de Moradores, se quer ser síndico, sei lá, tudo isso é válido, e as pessoas fazem isso. [...] E quem tem acesso à internet, fica assim, fica tudo mais fácil, porque às vezes você não tem tempo de sair por aí de porta em porta pedindo assinaturas, mas você agora tem petição on line e consegue mil vezes mais assinaturas e as pessoas sabem que é sério e participam e passam pra frente e postam no Facebook e twittam e tal...

O estudante mostra um olhar positivo em relação ao atual movimento estudantil, inclusive porque se vê nele e acredita “na mudança da sociedade pela participação das pessoas, não só dos estudantes, mas da sociedade como um todo”. Nesse ponto a fala do estudante corresponde às repostas colhidas pelos questionários que apontam como forma válida de participação o fato de “cada um fazer a sua parte”.

Em relação à “responsabilidade” ou não por parte da juventude em participar, ele afirma que a função de jovens como ele é a de

[...] às vezes, sei lá, dar uma puxada na galera mais velha, mas não é só a gente que tem que ir lá não! [...] É claro que a gente acaba sendo mais atuante porque tipo, faz parte, a gente vê as coisas ali e não consegue ficar parado, entende? [...] Agora, esse negócio de ah, o jovem é revolucionário e vai pra rua e sei lá o quê, isso aí tá é lindo, eu também acho, mas sei lá, eu acho que é papel de todo mundo [...] Jogar pra gente é fácil, mas por que você não vai lá também?

Esse coletivo, assim como outros encontrados, tem uma grande rotatividade de membros, o que permanece é “uma base de mais ou menos uns sete ou oito colegas”, segundo Ailton. A diversidade de cursos dos alunos que integram o grupo também é grande: Medicina, Jornalismo, Nutrição, Engenharias, Direito, Letras, dentre outros. Consideram-se um grupo mais à esquerda, mas não se classificam como radicais, pois pregam a tolerância e o respeito. Acreditam que o mundo passa por um momento de grandes mudanças, mas enxergam tudo com bons olhos e creem que as pessoas estão se conscientizando que é preciso mudar o comportamento para que o futuro seja melhor.

O motivo do engajamento é a construção de um mundo melhor e eles, os jovens são os atores capazes dessa transformação. Até esse ponto o discurso não parece muito diferente de qualquer outro jovem em qualquer outro tempo. O que muda é o conteúdo desse mundo diferente. Sua descrição envolve palavras como sustentabilidade ambiental, justiça social, respeito às diferenças, liberdade. E suas formas de “exigir” ou “construir” isso, não passam por passeatas e manifestações nas ruas. Vez ou outra pode acontecer, mas o mais usual são fóruns sociais, ou movimentos virtuais.