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Universidade: produção de conhecimento ou formação de profissionais?

2. Ensino Superior no Brasil

2.1 Universidade: produção de conhecimento ou formação de profissionais?

O objetivo desse capítulo é traçar brevemente um histórico do advento do ensino superior, com foco no Brasil e seu desenvolvimento até os dias de hoje. Para tanto, delineia-se o percurso da instituição universitária em termos conceituais e históricos ampliando-se o escopo do olhar para além de sua introdução no País. Por isso, em alguns momentos, breves incursões sobre outros países serão trazidas, muito mais para ilustrar e assinalar as diferenças, em diversos momentos, do ensino superior brasileiro. Esta temática também permitirá retomar e ampliar o conceito de juventude ligado a um determinado lugar e, principalmente, estes elementos históricos, mesmo que breves, são necessários para se entender o que está acontecendo hoje na Universidade de Brasília.

A começar pela etimologia, a palavra latina universitas significa o “conjunto integral e completo dos seres particulares que constituem uma coletividade determinada” (LOUREIRO, 1975, p. 30). Como toda palavra, esta também foi ganhando várias camadas semânticas e simbólicas ao longo da história. Muitas vezes ligadas a algum tipo de poder, e/ou como lócus de confrontação de ideologias vigentes, as instituições de ensino, em suas variantes, fazem parte de um longo processo de organização social própria, de transformações tecnológicas e, principalmente, um espaço muito bem definido na sociedade. Na atualidade, essa concepção pode ser explicitada como

[...] a corporação de professores e estudantes, que através da investigação e da comunicação se ordena à contemplação da verdade que orienta a prática. [...]. Busca-se compreender nessa instituição cultural, a universalidade do saber e das formas superiores de preparação científica e técnica, para o exercício das diversas profissões intelectuais (LOUREIRO, 1975, p. 31).

Em relação à função, o foco mais reconhecido era o de “preservar e transmitir o conhecimento”, de forma “universal”, “propósito que se engrandeceu no século XIX com uma nova dimensão: a ampliação do conhecimento através da investigação” (LOUREIRO, 1975, p. 408). Uma corporação voltada para a investigação e a comunicação pauta-se também pelo seu conjunto de práticas que redefinem o próprio conceito de cientificidade, de verdade, de técnica e de profissão.

É importante recuperar o pensamento de Max Weber [1864-1920] que, diante do fim de um século positivista e de uma guerra europeia de proporções mundiais, prontifica-se a fazer importantes reflexões sobre a função da Universidade em cada época. Segundo ele, a instituição não deveria ocupar-se pura e simplesmente em transmitir opiniões ou pontos de vista a favor ou contra o Estado, pois essa não seria especificamente a tarefa dela. Elas deveriam examinar, segundo o autor “os fatos, suas condições, leis e inter-relações, [...] os conceitos, seus pressupostos lógicos e seu verdadeiro significado” (WEBER, 1989, p. 69-70), contribuindo, com isso, para o avanço social e científico concomitantemente. E conclui que “[...] elas não ensinam e não podem ensinar o que deveria acontecer [...]” (WEBER, 1989, p. 69-70). Após listar longamente qual não seria o real papel de um espaço universitário, o autor assim define:

[...] a universidade é uma instituição do Estado destinada à formação de servidores públicos “fiéis”. Tal procedimento faz da universidade, não uma escola técnica especializada – que a muitos professores parece tão degradante –, antes porém um seminário teológico, embora sem possuir a dignidade religiosa deste último (WEBER, 1989, p. 129).

Na realidade a tarefa de estabelecer um papel na sociedade e sua relação com o Estado é complexa e subsiste desde o seu surgimento. Ainda hoje é ponto de dissensão na agenda de debates e estende-se aos problemas de autogestão. A esse respeito, Fávero (2006, p. 22-23) observa que existem, geralmente duas posições: de um lado, aqueles que pensam que entre as funções básicas devem estar “[...] a de desenvolver a pesquisa científica, além de formar profissionais”. De outro lado, há “[...] os que consideram ser prioridade a formação profissional.” A autora assinala ainda uma terceira possibilidade que se desdobraria da primeira: “[...] a universidade, para ser digna dessa denominação, deveria tornar-se um foco

de cultura, de disseminação de ciência adquirida e de criação da ciência nova” (FÁVERO, 2006, p. 22-23). Essa visão indica uma concepção muito recente de universitas: status científico e formação para o mercado de trabalho e, por outro lado, a disseminação de capital simbólico sempre renovado e gerador de elementos práticos e teóricos alcançando assim o caráter universal. A coincidência entre o papel institucional e a juventude, parte massiva dos frequentadores, é a de que ambos são projetados para um futuro, a médio e longo prazo, e são situações “passageiras”. Essa conjunção de forças despendidas, mas projetadas, é um dos traços que trazem a essa pesquisa um caráter atual e, ao mesmo tempo, com a intenção de gerar dados para trabalhos acadêmicos.

Em termos legais, o artigo 9º do Decreto nº 2306 de 19/08/1997, regulamentador da LDB, as universidades, na forma do disposto no artigo 207 da Constituição Federal, caracterizam-se pela “indissociabilidade das atividades de ensino, de pesquisa e de extensão, atendendo ainda ao disposto no art. 52 da Lei nº 9394 de 1996” (BRASIL, 1996). Enquanto se vê às voltas com as diversas funções que lhes são atribuídas, ela é alvo de críticas, inclusive de seus próprios mentores:

[...] o caráter burocrático destas universidades, que não passam de repartições públicas. Nelas, frequentemente, órgãos administrativos imbuídos de mentalidade burocrática exercem verdadeira ditadura sobre os setores consagrados à docência e à investigação [...] Merece ser destacado, por outro lado, o caráter da universidade como agência, seja do estado, seja dos potentados acadêmicos. E, ainda, como um traço peculiar, o mimetismo e a hipocrisia acadêmicas que separam com distâncias abismais os valores professados e a conduta real, admitindo um cultivo nominal de altos valores que nada têm em comum com a prática mesma da vida universitária, tal como ela é exercida (RIBEIRO, 1969, p. 67-68).

O trecho citado é uma crítica de Darcy Ribeiro à universidade brasileira, quanto às heranças recebidas de academias inglesas, norte-americanas e francesas, além das latino-americanas. Ribeiro busca compreender como essa herança contribuiu para os rumos que o ensino superior tomou. Importa recuperar aqui um dos fatores destacados por Weber (1989) em seus estudos sobre burocracia que é o crescimento de procedimentos administrativos do Estado moderno e, consequentemente, no âmbito de suas instituições. Esse pensamento sobre os mecanismos burocráticos, no que diz respeito à eficiência, pressupõe uma

capacidade técnica e de autonomia. Aliando as reflexões críticas de Ribeiro e o pensamento de Weber, percebemos uma via de mão dupla que disputa espaço nas mesmas condições.

Nestas reflexões ressalta-se outra questão que remete ao Observatório da Vida Estudantil: o fato de pensar a Universidade dentro dela mesma, a partir de um conhecimento sobre o corpo discente. Neste sentido, o aperfeiçoamento, no sentido empregado por Weber, proporciona uma estratégia de previsibilidade. Previsibilidade muito semelhante aos estudos sobre jovens da Escola de Chicago.

Se Darcy Ribeiro constatava, diante de quase dez anos de Universidade, os caminhos tomados por ela, este exercício crítico, caracteriza-se por ser parte deste movimento de constituição de elos entre os estudantes e o restante da academia. As transformações mais recentes sugerem essa abordagem para que haja um diálogo entre a academia e sua comunidade composta por membros permanentes e temporários. Ainda em diálogo com um dos fundadores, se esses rumos levaram muito mais para a manutenção do status quo do que para algum tipo de renovação ou progresso, por outro lado, a UnB vem se constituindo como um campo importante no plano nacional e na construção de um pensamento “fora dos eixos” centrais nacionais. Para a compreensão desse fenômeno, no entanto, é necessário entender quais foram os caminhos percorridos por esta instituição desde que surgiu. É o que será tratado na próxima seção.