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3.2 Os julgados do Tribunal de Justiça de Santa Catarina

3.2.5 Comércio de produtos impróprios para consumo

Em 2012, foi encontrado um único caso versando sobre danos morais coletivos no âmbito consumerista, a apelação civil n. 2011.049089-4, julgada pela 1ª Câmara de Direito Civil, relatada pela Desembargadora Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, referindo-se à Ação Civil Pública proposta pelo MPSC em face de duas indústrias alimentícias em que, após inspeção da Vigilância Sanitária, foram encontradas diversas irregularidades, tornando os produtos ali fabricados impróprios para consumo, configurando risco à saúde dos consumidores. O magistrado a quo condenou as empresas requeridas ao pagamento de um milhão de reais a título de compensação por danos extrapatrimoniais coletivos.

105 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 0007958-87.2011.8.24.0008, de Blumenau, rel. Des. José Maurício Lisboa, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 12-12-2019

A Desembargadora relatora, em segundo grau, destacou que não há discussão quanto ao cabimento do dano moral coletivo, restando configurada a lesão à coletividade. No entanto, argumentou que o valor arbitrado para a indenização se revelou excessivo. Em seu voto expôs:

Primeiramente, há de se mencionar que o conhecimento parcial da demanda recursal não deixa brecha para discussão acerca do reconhecimento da violação aos interesses difusos dos consumidores, bem como a possibilidade de fixação dos danos morais coletivos compensatórios.

Trata-se, apenas, da discussão acerca da quantificação do dano.

Como em qualquer caso de dano moral, sejam coletivos ou não, não existem critérios estabelecidos para a quantificação da indenização, tornando, por conseguinte, tarefa extremamente delicada ao magistrado.

O quantum indenizatório não pode se exacerbado, fora dos padrões da normalidade, conforme aduz as apelantes, mas também não pode ser tão baixo que se torne inexpressivo. Deve-se sopesar, no seu arbitramento, os princípios da razoabilidade e equivalência relativa.

(...)

Observando os critérios acima elencados, como, por exemplo, as peculiaridades do caso, o grau de lesividade da conduta e a extensão do dano, e as condições financeiras das empresas apelantes, entendo que o valor arbitrado pelo Magistrado a quo foi exacerbado.

Assim, atenta às peculiaridades do caso em comento, em especial o número considerável de irregularidades sanitárias apresentadas [42 e 60], a colocação no mercado consumidor de produtos fabricados em local inadequado de higiene, entendo que os danos morais devem ser ficados em R$ 200.000,00 [duzentos mil reais], a serem pagos solidariamente pelas apelantes.106

Já na Apelação Cível n. 2014.021626-6, julgada na 2ª Câmara de Direito Público, relatada pelo Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz, em 9 de dezembro de 2014, foi examinado o recurso contra a a sentença prolatada na Ação Civil Pública contra mercado que estava expondo à venda produtos com prazo de validade vencido e sem indicação de procedência, com conduta reiterada mesmo após ser firmado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Adotando o mesmo entendimento exposto acima, o relator votou:

Nesse contexto, tenho que a conduta do fornecedor em comercializar alimentação potencialmente danosa à saúde, em razão da adoção de práticas violadoras das normas sanitárias, além de extrapolar o razoável, atinge tanto aqueles que efetivamente consumirem o alimento quanto toda a coletividade que confia no cumprimento dessas normas, causando intranquilidade social. (...)

Tenho, portanto, sem descurar do art. 944 do CC e em atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, em razão da natureza dos riscos expostos à coletividade e das consequências do fato, e, em especial do

106 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2011.049089-4, de Sombrio, rel. Des. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 05-06-2012.

caráter punitivo da indenização, o montante arbitrado na sentença, no importe de R$ 20.000,00, não merece ser reduzido.107

Em recurso relatado pelo mesmo Desembargador e na mesma Câmara de Direito Público, a Apelação Cível n. 0900016-32.2016.8.24.0063, julgada em 12 de novembro de 2019, contra sentença proferida na Ação Civil Pública proposta contra réu acusado por acondicionar e comercializar alimentos em desacordo com rotulagem e temperatura, portanto de forma irregular. O Desembargador utilizou o mesmo argumento do processo anteriormente citado, destacando “que responde a parte requerida de forma objetiva, porquanto o dano é presumido, inerente a conduta propagada”108. Utilizando-se dos argumentos expostos, manteve o julgamento

exarado em primeiro grau de jurisdição, que condenou a ré ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de compensação por danos extrapatrimoniais coletivos.

Em outro caso seguindo o mesmo tema, a Apelação Cível n. 2012.021771-2, julgada em 26 de janeiro de 2015, na Câmara Especial de Chapecó, tendo como relator o Desembargador Rubens Schulz, tratava de mais uma Ação Civil Pública intentada contra uma indústria que estava comercializando frangos congelados com mais água que o permitido nas normas regulamentadoras e, portanto, incidindo em práticas abusivas. O juiz de primeiro grau considerou que a conduta gerou lesões à coletividade, arbitrando o valor da compensação por danos morais coletivos em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). Mantendo a linha de argumentação seguida nos últimos casos, o Desembargador relator votou pela manutenção da condenação ao entender que a lesão causada “é suficiente para desajustar a harmonia social, a ponto de levar ao descrédito de todo o sistema e de todas as instituições que deveriam promover a defesa das relações consumeristas”109.

Ainda acerca da comercialização de produtos impróprios para consumo, há a Apelação Cível n. 0006142-37.2011.8.24.0019, julgada em 13 de março de 2018, na 6ª Câmara de Direito Civil, relatada pelo Desembargador Stanley da Silva Braga, cujo objeto gira em torno de ação proposta pelo MPSC contra um frigorífico e seu dono

107 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2014.021626-6, de Laguna, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, Segunda Câmara de Direito Público, j. 09-12-2014.

108 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 0900016-32.2016.8.24.0063, de São Joaquim, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, Segunda Câmara de Direito Público, j. 12-11-2019.

109 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2012.021771-2, de Ipumirim, rel. Des. Rubens Schulz, Câmara Especial Regional de Chapecó, j. 26-01-2015.

pela inserção no mercado de produtos de origem animal impróprios ao consumo, por conta da falta de inspeção higiênico-sanitária. O magistrado a quo reconheceu que a conduta gerou lesão à coletividade e arbitrou o valor da compensação por danos extrapatrimoniais coletivos em R$ 100.000,00 (cem mil reais). Em segundo grau, embora tenha sido reconhecida a lesão à coletividade gerada pela conduta dos réus, entendeu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina que o valor arbitrado em primeiro grau foi excessivo, dada a capacidade econômica dos réus. Sendo assim, minorou o valor para R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), entendendo ser mais adequado por se tratar de uma empresa de pequeno porte.

No mesmo ano, foi julgada a Apelação Cível n. 0900053-42.2016.8.24.0004, na data 08 de março de 2018, relatada pelo Desembargador Gerson Cherem II, na 5ª Câmara de Direito Público. Neste caso um supermercado foi réu em Ação Civil Pública por comercializar produtos com embalagem inadequada e danificada. Todavia, tanto o juiz de primeiro grau quanto os julgadores do recurso entenderam que não houve dano moral coletivo diante da conduta praticada pelo supermercado. Nesse sentido, transcreve-se do voto do relator:

Na hipótese, apesar da conduta apurada ser antijurídica e haver sido praticada inequivocadamente pelos apelados, inexiste nos autos comprovação a ofensa aos bens jurídicos extrapatrimoniais da localidade de Maracajá, até porque o Auto de Infração n. 13582 (fl. 25) não descreve, nem ao menos minimamente, no que consistiria a 'embalagem danificada', nem a forma como tais produtos (9,2kg de miúdos) estariam, de fato, sendo expostos à venda aos eventuais consumidores interessados. Em virtude das particularidades do caso concreto, exsurge desarrazoada a condenação dos apelados em reparar um ato ilícito que, embora aparente, não repercutiu gravemente na paz coletiva.110

Ainda em 2018, foi julgada a Apelação Cível n. 0900052-57.2016.8.24.0004, relatada pelo Desembargador Stanley Braga, da 6ª Câmara de Direito Civil, em que foram réus a matriz e a filial de uma rede de supermercados em que estavam sendo comercializados diversos produtos de origem animal sem inspeção de órgão competente, indicação de procedência e fora das especificações do fabricante, configurando o comércio de produtos impróprios ao uso e consumo. No caso, foi reconhecido como incontroverso que as rés tiveram oportunidade de ajustar sua conduta, o que não foi feito por ambas.

110 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 0900053-42.2016.8.24.0004, de Araranguá, rel. Des. Gerson Cherem II, Quinta Câmara de Direito Público, j. 08-03-2018.

Em primeiro grau, as rés não foram condenadas ao pagamento de compensação a título de danos morais coletivos. Já em segundo grau, entendeu-se que houve sim lesão à coletividade que merece ser compensada, nos seguintes termos:

a prova de um prejuízo ou de um sofrimento psíquico individual e concreto é dispensável. O que se exige é o grave desrespeito à dignidade dos cidadãos - fato que aqui se verifica - sejam eles vistos em coletividade ou de modo difuso, em função do direito constitucional à saúde, imperativo que norteia a segurança das relações de consumo.

As circunstâncias aqui verificadas autorizam afirmar que a postura dos réus, que se recusaram a ajuste de conduta, desrespeitou a dignidade dos consumidores e perturbou a ordem social, criando um distúrbio, ainda que local, no sistema de controle sanitário da região em que atuam.

O fato, portanto, exige repressão estatal para se evitar maior dano.

Bem destacou o Procurador de Justiça, no sentido de que os réus agiram de má-fé ao negligenciar regras sanitárias e "expor à venda, como se próprios fossem, produtos impróprios para o consumo, seja pela falta de inspeção e não identificação da origem dos produtos" (fl. 130). Assim, deliberadamente relegaram a confiança dos consumidores a segundo plano, deixando-os em situação de risco, na medida em que tornavam mais precária a relação de consumo.

Parece óbvio, mas é sempre bom recordar que os consumidores têm o direito de conhecer a origem dos alimentos que consomem. Logo, é indiscutível que a identificação da procedência e a certificação deles ajuda todos na tomada de escolhas mais seguras para o fornecimento e aquisição de produtos. No caso, consideradas as circunstâncias já expostas, a revelarem a gravidade da ofensa dos réus em detrimento da saúde dos consumidores e à segurança das relações consumeristas, tendo ainda em conta que os réus formam uma empresa de pequeno porte, o valor pleiteado pelo Ministério Público se mostra excessivo, devendo a indenização ser fixada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), verba a ser rateada em partes iguais pelos estabelecimentos demandados(matriz e filial).111

Cabe salientar que nesse caso, a quantidade apreendida de produtos irregulares era muito maior e mais variada do que a encontrada no caso semelhante relatado anteriormente. Portanto pode-se inferir que a quantidade encontrada pode influenciar no julgamentos em casos como este.

Em outro caso, julgado em 19 de novembro de 2019, de relatoria do Desembargador Luiz Fernando Boller, na 1ª Câmara de Direito Público, a Apelação Cível n. 0900005-90.2018.8.24.0076, em que também foram apreendidos produtos de origem animal, neste caso frutos do mar, sem registro, em primeiro grau o juiz condenou o réu ao pagamento de compensação a título de danos extrapatrimoniais

111 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 0900052-57.2016.8.24.0004, de Araranguá, rel. Des. Stanley da Silva Braga, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 27-02-2018.

no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Contudo, a Câmara julgadora diminuiu o montante arbitrado, argumentando que “como a quantidade apreendida não foi tão significativa (...) é justo e legítimo readequar a monta pelo abalo extrapatrimonial para R$ 5.000,00 (cinco mil reais).”112

Na Apelação Cível n. 0902327-93.2015.8.24.0139 foi julgada em 17 de abril de 2020, relatada pelo Desembargador Pedro Manoel Abreu, na 1ª Câmara de Direito Público. Nesse caso, foi alvo da ação intentada pelo MPSC um frigorífico em que estava sendo realizado abate clandestino de animais e comercialização dos produtos de origem animal decorrentes. Além disso, o frigorífico não adotava as medidas de insensibilização para realizar o abate dos animais, em desacordo, portanto, com a Lei Estadual n. 12.566/2003. Ademais, o frigorífico não possuía licença para o abate e comércio de produtos, nem alvará ativo, bem como já estava com seu CNPJ baixado perante a Receita Federal. A ré sustentou que não comercializava os produtos. Porém a alegação não se revelou verdadeira diante dos fatos constantes no processo. Em primeiro grau, a ré foi condenada ao pagamento de R$ 70.000,00 (setenta mil reais) a título de compensação por danos morais coletivos. Em segundo grau, o montante foi mantido, diante do seguinte fundamento:

In casu, restou claro que a ofensa perpetrada pelos réus ofendeu um sem número de consumidores, a sociedade no plano da segurança do mercado de produtos de origem animal, pois induziu os consumidores a erro. Há ofensa a ordem econômica e tributária, sem olvidar a crueldade com que os animais eram abatidos, hábil a gerar um sentimento de desrespeito à dignidade das pessoas, que esperam, legitimamente, que regras mínimas sejam cumpridas nesse particular.

Cabível, portanto, a reparação eminentemente moral, impõe-se, agora, verificar se o respectivo quantum, arbitrado em R$ 70.000,00 (setenta mil reais), deve subsistir. Todavia, por ausência de impugnação específica no apelo, tendo-se em mente a dupla finalidade dessa espécie de indenização, a saber, repreensão e compensação, sem que isso implique em enriquecimento ilícito do ofendido, crê-se que aquele montante afigura-se razoável e proporcional.113

Finalizando a análise dos julgados do mesmo tema, tem-se a Apelação Cível n. 0900047-35.2016.8.24.0004, julgada em 18/06/2020, sendo o caso mais recente encontrado na Jurisprudência Catarinense dentre os julgados que tratam de dano moral coletivo nas relações de consumo. O caso foi julgado na 2ª Câmara de Direito

112 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 0900005-90.2018.8.24.0076, de Turvo, rel. Des. Luiz Fernando Boller, Primeira Câmara de Direito Público, j. 19-11-2019.

113 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 0902327-93.2015.8.24.0139, de Porto Belo, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, Primeira Câmara de Direito Público, j. 17-04-2020.

Civil e relatado pelo Desembargador Monteiro Rocha. Trata-se de supermercado em que estariam sendo comercializados alimentos em desacordo com normas regulamentares e com descumprimento de regras de segurança. Tanto a sentença de primeiro grau, quanto o voto do relator, entenderam que as irregularidades apontadas não se revelaram suficientes para ensejar algum dano indenizável à coletividade.

Diante dos casos expostos, extrai-se que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina adota posicionamento firme no sentido de que a comercialização de alimentos em desacordo com as normas regulamentares é conduta que ofende a esfera coletiva, causando dano que exige compensação. Observa-se que os casos em que não houve reconhecimento de danos extrapatrimoniais coletivos foram as demandas nas quais as irregularidades encontradas eram consideradas pequenas, motivo pelo qual não foram identificadas lesões suficientes para ultrapassar a barreira do mero dissabor.

O único caso encontrado no ano de 2013114 se limitou a devolver a matéria ao

primeiro grau ao cassar a decisão que extinguiu o feito sem julgar o mérito, determinando o regular processamento do feito. Portanto, não se discutiu acerca do dano moral coletivo.

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