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2.1 Responsabilidade Civil

3.1.1 Recurso Especial n 598.281-MG

Embora a legislação acerca do tema seja das décadas 80 e 90, o primeiro julgado do Superior Tribunal de Justiça que trata de dano moral coletivo é de maio de 2006. No Recurso Especial n. 598.281-MG, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça debateu intensamente acerca do tema. O Recurso Especial foi originado de ação civil pública, proposta pelo Ministério Público de Minas Gerais, objetivando a suspensão de atividades em obras de dois loteamentos, tendo em vista que elas estavam degradando o meio ambiente local, sendo pedida a condenação ao pagamento de compensação por danos morais coletivos.

79 SOARES, Flaviana Rampazzo. O percurso do "dano moral coletivo" na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. In: ROSENVALD, Nelson; TEIXEIRA NETO, Felipe. Dano moral coletivo. Indaiatuba: Editora Foco, 2018. p. 74.

No acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o pedido de compensação por danos morais coletivos foi julgado improcedente, sob fundamento de que o prejuízo teria caráter pessoal, portanto, incompatível com a ação civil pública. Diante dessa decisão, o MPMG recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, alegando violação aos artigos 1º da Lei 7.347/1985 e 14, § 1º, da Lei 6.938/1981.

No julgamento, o Ministro Luiz Fux sustentou que o meio ambiente é objeto de garantia constitucional, com base no art. 225 da Constituição Federal de 1988. Portanto, não se pode adotar interpretação que restrinja essa proteção. Nesse sentido, aduz que:

Deveras, a interpretação sistemática dos preceitos do art. 1º da Lei 7.347/95, com a novel redação dada pelo art. 88 da Lei nº 8884/94, revela a plausibilidade da pretensão do recorrente - condenação ao pagamento de danos morais coletivos em sede de ação civil pública.

Ademais, frise-se, a Constituição Federal e a Lei 7.347/95 estabelecem a possibilidade de reparação civil por danos morais causados ao meio ambiente, além do dever de indenizar os danos patrimoniais.

(...)

O advento do novel ordenamento constitucional - no que concerne à proteção ao dano moral - possibilitou ultrapassar a barreira do indivíduo para abranger o dano extrapatrimonial à pessoa jurídica e à coletividade.

No que pertine a possibilidade de reparação por dano moral a interesses difusos como sói ser o meio ambiente amparam-na: art. 1º da Lei da Ação Civil Pública e o art. 6º, VI, do CDC.

(...)

Consectariamente, o reconhecimento do dano moral ambiental não está umbilicalmente ligado à repercussão física no meio ambiente, mas, ao revés, relacionado à transgressão do sentimento coletivo, consubstanciado no sofrimento da comunidade, ou do grupo social, diante de determinada lesão ambiental.80

Sendo assim, o Ministro Luiz Fux adotou entendimento pelo qual o dano moral coletivo configuraria um abalo anímico coletivo, em função de uma lesão, nesse caso, ambiental.

No entanto, o Ministro Teori Zavascki adotou entendimento diverso em seu voto-vista, sustentando que:

O dano ambiental ou ecológico pode, em tese, acarretar também dano moral — como, por exemplo, na hipótese de destruição de árvore plantada por antepassado de determinado indivíduo, para quem a planta teria, por essa razão, grande valor afetivo.

Todavia, a vítima do dano moral é, necessariamente, uma pessoa. Não parece ser compatível com o dano moral a idéia da "transindividualidade" (= da indeterminabilidade do sujeito passivo e da indivisibilidade da ofensa e da reparação) da lesão. É que o dano moral envolve, necessariamente, dor, sentimento, lesão psíquica

(...)

Ao contrário, portanto, do que afirma o recorrente — segundo o qual o reconhecimento da ocorrência de dano ambiental implicaria necessariamente o reconhecimento do dano moral (fl. 494) —, é perfeitamente viável a tutela do bem jurídico salvaguardado pelo art. 225 da Constituição (meio ambiente ecologicamente equilibrado), tal como realizada nesta ação civil pública, mediante a determinação de providências que assegurem a restauração do ecossistema degradado, sem qualquer referência a um dano moral.

Registre-se, por fim, não haver o autor sequer indicado, na presente ação civil pública, em que consistiria o alegado dano moral (pessoas afetadas, bens jurídico lesados, etc.). Na inicial, a única referência ao dano moral consta do pedido, nos seguintes termos: "requer ainda a condenação dos réus ao pagamento de quantia em dinheiro, a título de danos morais, art. 1º da Lei 7.347/85, a ser oportunamente arbitrado por V. Exa., em face da ilicitude da conduta praticada pelos agentes" (fl. 9). Ora, nem toda conduta ilícita importa em dano moral, nem, como bem observou o acórdão recorrido, se pode interpretar o art. 1º da Lei da Ação Civil Pública de modo a "tornar o dano moral indenizável em todas as hipóteses descritas nos incisos I a V do art, 1º da referida lei" (fl. 462).81

Assim, o Ministro Teori Zavascki considerou o dano moral como inerente a uma pessoa, considerando que decorre de “dor, sentimento, lesão psíquica”, características que não seriam compatíveis com a “transindividualidade” dos direitos coletivos e difusos. Além disso, arguiu que o MPMG não fundamentou especificamente o pedido de compensação por dano moral coletivo e, portanto, negou provimento ao recurso especial.

Em outro voto-vista, a Ministra Denise Arruda acompanhou o Ministro Zavascki no sentido de negar provimento ao recurso, mas apresentou fundamentação diversa. A Ministra arguiu que:

Examinando os autos, e ainda que admitindo a possibilidade de ocorrência de dano moral em hipótese de verificação de dano ambiental, creio que o caso dos autos, em sua particularidade, não comporta condenação pelo alegado dano moral ambiental. Aliás, a simples dicção do art. 1º da Lei 7.347/85, apontado como violado, não revela a ofensa pretendida pelo recorrente, pois as hipóteses ali elencadas indicam a possibilidade de se responsabilizar por danos morais e patrimoniais qualquer lesão ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, nos termos dos incisos I a IV do preceito legal referido.

É certo que a Constituição Federal, no Título 'Da Ordem Social', assegura que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225).

Entretanto, ainda que a doutrina majoritariamente admita a possibilidade de ocorrência de dano moral ambiental, para que haja a responsabilidade patrimonial ou extrapatrimonial, deve esse dano atingir a esfera subjetiva das pessoas, físicas ou jurídicas, de molde a atingir aspectos de sua personalidade ou honra objetiva, indicando um prejuízo moral apto a ser

indenizável. Essa concepção tem sido alterada para se admitir o dano moral ambiental, com alcance coletivo e difuso (inciso IV do art. 1º da LACP), decorrente da proteção constitucional (art. 225 da CF).

(...)

Na hipótese dos autos, as dificuldades acima indicadas mostram-se claramente, visto que, comprovado o dano ambiental, buscou-se a reparação pela recomposição decorrente da obrigação de fazer. No entanto, no aspecto extrapatrimonial, não se procurou evidenciar a efetiva existência do dano coletivo e difuso, restando a questão indefinida pelas instâncias ordinárias, pois a r. sentença não identificou objetivamente tal tipo de dano (coletivo e difuso), responsabilizando os réus pelo descaso e ilicitude das condutas (o que implicaria em dupla condenação, pois tais aspectos autorizaram a condenação por danos materiais), enquanto o c. Tribunal de origem afastou a sua existência, sob o fundamento de ser descabida a interpretação de que todas as hipóteses legais (incisos I a IV do art. 1º da LACP) autorizariam a indenização por danos morais.

Não vislumbro, no exame dos autos, qualquer evidência de violação do sentimento coletivo da comunidade local.82

Sendo assim, a Ministra Arruda admite, claramente a hipótese da existência do dano moral coletivo, mas afirma que, no caso concreto, não houve a comprovação de existência de lesão ao sentimento coletivo, de modo que a “responsabilização dos réus pelo descaso e ilicitude das condutas”83 tanto no âmbito patrimonial como

extrapatrimonial configuraria dupla condenação.

Já o Ministro José Delgado acompanhou o voto do Ministro Fux, admitindo o dano moral coletivo ambiental no sistema jurídico brasileiro, com base na doutrina de José Ricardo Alvarez Vianna84.

Por fim, o Ministro Francisco Falcão desempatou o julgamento ao adotar o mesmo entendimento dos Ministros Teori Zavascki e Denise Arruda, votando por negar provimento ao recurso, argumentando que “para a condenação em dano moral, faz-se impositiva a comprovação de que o estrago alcançou a órbita subjetiva de terceiros (...) de forma a lhe causar desconforto de caráter individual.”85

Sendo assim, embora o recurso tenha sido desprovido, o entendimento que se extrai dos cinco votos é de que não houve uma rejeição definitiva à compensação por dano moral coletivo, mas sim cada um dos votos expressa requisitos, de certa forma complementares, que seriam necessários para seu cabimento, que seriam: um pedido devidamente fundamentado e a prova do dano.

82 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 598.281/MG. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, 01 jun. 2006. 83 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 598.281/MG. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, 01 jun. 2006.

84 Em versão atualizada, na obra: VIANNA, José Ricardo Alvarez. Responsabilidade Civil por danos ao meio ambiente. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2009. 85 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 598.281/MG. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, 01 jun. 2006.

Esse julgado foi utilizado como base para indeferir outros pedidos de compensação por dano moral coletivo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, e em Tribunais Estaduais de todo o Brasil. O voto vencedor do Ministro Teori Zavascki teve muita repercussão nacional e por alguns anos teve trechos de seu voto presente em diversas decisões como forma de afastar a indenização coletiva.

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