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2.1 Responsabilidade Civil

2.1.1 Elementos da responsabilidade Civil

2.1.1.4 Dano ou prejuízo

2.1.1.4.3 Dano moral coletivo

Superadas as principais discussões e elucidados os pontos basilares sobre o dano moral, passa-se a analisar a transição do direito à reparação do dano moral de individual para coletivo.

64 “O instituto dos punitive damages, ou indenização punitiva, é um mecanismo indenizatório típico da Common Law. Trata-se, em um conceito breve, de uma indenização conferida com intuito de punir o autor de algum ilícito por sua conduta ultrajante e dissuadir o ofensor e o restante da comunidade de condutas similares no futuro.” WALKER, Mark Pickersgill; SILVA, Rafael Peteffi da; REINIG, Guilherme Henrique Lima. Punitive Damages: Características do Instituto nos Estados Unidos da América e transplante do modelo estrangeiro pela jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Revista

de Direito do Consumidor, São Paulo, vol. 115/2018, p. 169-204, jan./fev. 2018.

65 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 14. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 531-532 66 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 14. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 533

Pelo exposto até aqui, denota-se que o sistema da responsabilidade civil foi construído para proteger a pessoa, seja ela física ou jurídica, de eventuais lesões. Nesse sentido, pessoa é o consagrado “sujeito de direito”.

Assim, com o intuito de se estender os conceitos da responsabilidade civil para a coletividade, é necessária a sua ampliação, bem como a formação de outros.

Essa necessidade de proteção dos interesses coletivos se iniciou, como exposto no primeiro tópico, com o milagre brasileiro dos anos setenta que marcou o início da incidência dos direitos de terceira geração ou da solidariedade no âmbito nacional.

Enquanto a Constituição Federal trouxe as concepções para a proteção individual através da permissão da compensação do dano moral, foram a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor que reconheceram expressamente a existência de dano moral coletivo no ordenamento jurídico brasileiro.

A Lei da Ação Civil Pública, Lei n.º 7.347/1985, logo em seu artigo 1º, dispõe:

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: l - ao meio-ambiente;

ll - ao consumidor;

III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. V - por infração da ordem econômica;

VI - à ordem urbanística.

VII – à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos.

VIII – ao patrimônio público e social

O Código de Defesa do Consumidor, Lei n.º 8.078/1990, determina:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...)

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

(...)

Com essa consagração, os interesses coletivos passaram a ser direitos coletivos. Sendo assim, “trata-se de alçar à condição de direito subjetivo os interesses de uma determinada coletividade, transformando-a em titular desse direito subjetivo”67

Ainda assim, a legislação acerca do tema é escassa e limitou-se a indicar a possibilidade de se aplicar o instituto. Bem como as disposições sobre dano moral presentes na Constituição Federal,

A lei autoriza a reparação do dano moral sem indicar o que é dano moral coletivo, quais os seus pressupostos, quem deve receber o produto de uma eventual condenação, e sem indicar se o modelo de responsabilidade civil existente, correlato às relações privadas e individuais, pode ser utilizado na proteção dos interesses coletivos lato sensu. 68

Dessa forma, a questão permaneceu em aberto, permitindo que a jurisprudência e a doutrina determinem estes aspectos, motivo pelo qual até hoje existem divergências na aplicação do dano moral coletivo.

O meio adequado para pleitear a indenização por danos morais coletivos é a ação civil pública, prevista na Lei n.º 7.347/1985. Sendo assim, devem ser respeitadas todas as particularidades aplicáveis em seu procedimento.

Em conformidade com o art. 1369 do mesmo diploma legal, o valor da

condenação deve ser revertido em benefício da coletividade através de fundos criados com essa finalidade.

Aqui, cabe destacar que a Lei que rege o fundo criado com esta função em Santa Catarina é a Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, de janeiro de 2019. Chamado de Fundo para Reconstituição de Bens Lesados, encontra suas disposições específicas nos artigos 279 e seguintes da Lei Complementar Estadual n. 738/2019.

O parágrafo único do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor conceitua as divisões dos interesses coletivos lato sensu:

67 DORETTO, Fernanda Orsi Baltrunas. Fundamento Normativo do Dano Moral Coletivo. In: ROSENVALD, Nelson; TEIXEIRA NETO, Felipe. Dano moral

coletivo. Indaiatuba: Editora Foco, 2018. p. 12

68 DORETTO, Fernanda Orsi Baltrunas. Fundamento Normativo do Dano Moral Coletivo. In: ROSENVALD, Nelson; TEIXEIRA NETO, Felipe. Dano moral

coletivo. Indaiatuba: Editora Foco, 2018. p. 21

69 Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Sendo assim, os interesses coletivos lato sensu se dividem em: difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Os direitos difusos são caracterizados pela indeterminação dos seus sujeitos e por não haver vínculo jurídico entre elas. O que as une como coletividade é algo ocasional e fático.

Um exemplo de fácil compreensão dos direitos difusos é a propaganda enganosa. De forma geral e indeterminada, toda a sociedade é atingida pelo anúncio enganoso, que é dirigido a todas as pessoas.70

Já os interesses coletivos decorrem de uma relação jurídica preexistente, que une os integrantes desse grupo. Portanto, a coletividade é absolutamente determinável.

Como exemplo dos direitos coletivos, tem-se a relação da qualidade de ensino oferecida por uma escola a seus alunos. Há uma relação jurídica entre os alunos e a escola. O direito à qualidade de ensino pertence a todos os alunos que frequentam aquela escola, formando-se uma coletividade determinável.

Tanto os direitos difusos como os coletivos são, por sua natureza, indivisíveis. Sendo assim, “mesmo repercutindo de modo individual em cada uma das pessoas singularmente consideradas enquanto membros de uma coletividade, não podem ser apropriados por qualquer delas”71. Para exemplificar essa afirmação,

considere que houve contaminação da água de um determinado local. Enquanto essa é hipótese típica de direito coletivo, com coletividade determinada, seu consumo por

70 NUNES, Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. 12. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 544

71 TEIXEIRA NETO, Felipe. Ainda Sobre o Conceito de Dano Moral Coletivo. In: ROSENVALD, Nelson; TEIXEIRA NETO, Felipe. Dano moral coletivo. Indaiatuba: Editora Foco, 2018. p. 38.

determinado indivíduo pode gerar dano à sua saúde, repercutindo em sua esfera pessoal. Ainda que essa hipótese ocorra, há um prejuízo a toda aquela coletividade, que não pode ser atribuído apenas a um sujeito, pois pertence a todos, e deve ser indenizado como tal.

Resumindo, um indivíduo não pode se apropriar do dano causado na esfera coletiva para pleitear indenização em nome próprio, como se sua fosse, embora tenha direito a ser indenizado por danos causados a sua esfera individual.

Quanto aos direitos individuais homogêneos, explica-se:

Aqui os sujeitos são sempre mais de um e determinados. Mais de um porque, se for um só, o direito é individual simples, e determinado porque neste caso, como o próprio nome diz, apesar de homogêneo, o direito é individual. Mas, note-se: não se trata de litisconsórcio e sim de direito coletivo. Não é o caso de ajuntamento de várias pessoas, com direitos próprios e individuais no polo ativo da demanda, o que se dá no litisconsórcio ativo; quando de trata de direito individual homogêneo, a hipótese é de direito coletivo — o que permitirá, inclusive, o ingresso de ação judicial por parte dos legitimados no art. 82 da lei consumerista.

É verdade que a ação individual ou a ação proposta por litisconsórcio facultativo não estão proibidas, como, também, não está proibido o ingresso de tais ações no curso da Ação Coletiva de proteção ao direito individual homogêneo. Porém, não se pode confundir os institutos, que têm natureza diversa: no litisconsórcio, o que há é reunião concreta e real de titulares individuais de direitos subjetivos no caso, no polo ativo da demanda; na ação coletiva para defesa de direitos individuais homogêneos, o autor da ação é único: um dos legitimados do art. 82 do CDC. 72

A aplicação prática do dano moral coletivo enfrenta diversas dificuldades diante da falta de disposições normativas para defini-lo, como já dito. A jurisprudência e a doutrina ainda hoje encontram dificuldades em uniformizar sua aplicação por este motivo. No entanto, há algumas tentativas que se destacam.

A primeira tentativa de definição, atribuída com destaque a Medeiros Neto, buscou associar o dano moral coletivo aos sentimentos humanos negativos, como a dor, sofrimento, humilhação, entre outros. Essa tese foi levada ao Superior Tribunal de Justiça, oportunidade em que foi rechaçada pelo Ministro Teori Zavascki73, em

2006, por serem estas emoções inerentes ao indivíduo, sendo inviável conceder-lhes conotação transindividual74.

72 NUNES, Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. 12. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 548

73 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 598.281/MG. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, 01 jun. 2006.

74 TEIXEIRA NETO, Felipe. Ainda Sobre o Conceito de Dano Moral Coletivo. In: ROSENVALD, Nelson; TEIXEIRA NETO, Felipe. Dano moral coletivo. Indaiatuba: Editora Foco, 2018

Em 2010, o Superior Tribunal de Justiça, em processo relatado pela Ministra Eliana Calmon, estabeleceu:

O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos.75

Sendo assim, surgiu outra tentativa de definição, relacionando a ocorrência do dano moral coletivo a qualquer lesão aos interesses transindividuais imateriais. Essa concepção é defendida com destaque por Leonardo Roscoe Bessa76.

A corrente mais recente, apresentada por Felipe Teixeira Neto, define o dano moral coletivo “como o prejuízo decorrente da lesão de um interesse transindividual que implica em consequências extrapatrimoniais associadas ao comprometimento do livre desenvolvimento da personalidade”77.

Esse conceito, de acordo com seu autor, busca especificar a aplicação do dano moral coletivo, diferenciando-o do dano social. Dessa forma, por sua natureza, o dano moral teria sua aplicação mais presente em casos de lesões associadas ao meio ambiente, a ordem urbanística, ao patrimônio histórico, arqueológico, cultural ou paisagístico, por serem mais diretamente ligadas ao desenvolvimento humano.78

75 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.057.274/RS. Relatora: Ministra Eliana Calmon. Brasília, 26 fev. 2010. 76 BESSA, Leonardo Roscoe. Dano moral coletivo. Revista de direito do consumidor, São Paulo, n. 59, jul./set. 2006, p. 105

77 TEIXEIRA NETO, Felipe. Ainda Sobre o Conceito de Dano Moral Coletivo. In: ROSENVALD, Nelson; TEIXEIRA NETO, Felipe. Dano moral coletivo. Indaiatuba: Editora Foco, 2018. p. 47

78 TEIXEIRA NETO, Felipe. Ainda Sobre o Conceito de Dano Moral Coletivo. In: ROSENVALD, Nelson; TEIXEIRA NETO, Felipe. Dano moral coletivo. Indaiatuba: Editora Foco, 2018. p. 46

3 O DANO MORAL COLETIVO CONSUMERISTA NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

3.1 O DANO MORAL COLETIVO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Antes de analisar o dano moral coletivo no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, é imperativo entender como o Superior Tribunal de Justiça adota a aplicação deste instituto, principalmente ao se considerar a inexistência de conceitos na legislação pátria e a falta de consenso entre os doutrinadores que escrevem sobre este assunto. Considerando o Superior Tribunal de Justiça como referência para todos os demais tribunais, seu entendimento, e a respectiva evolução, devem ser estudados.

A previsão legislativa do dano moral coletivo se deu em decorrência da consagração dos direitos coletivos e difusos na Constituição Federal de 1988, em especial nos artigos 5º, LXXIII; 102, I, “a” e 129, III, que tratam, respectivamente, da ação popular, ação direta de inconstitucionalidade e ação civil pública, sendo esta última a mais utilizada para a defesa desses interesses. Além dos dispositivos constitucionais, a relevância dos direitos coletivos e difusos é ressaltada no Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos 6º, VI e VII, e 81, parágrafo único e incisos, e na Lei da Ação Civil Pública, nos artigos 1º, IV, e 21.79

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