• Nenhum resultado encontrado

Essa fonte geradora, em se tratando do princípio fundamental da não- discriminação negativa no trabalho, pode estar historicamente residente na prática consuetudinária social, que projeta os seus reflexos para a Constituição Federal. Na verdade, o princípio, também pode ser considerado um fim a ser realizado pelo ato de interpretar o Direito.

4) com a ideia de finalidade, objetivo, propósito, meta.

A sociedade civil e o Estado Brasileiro, mediante os diversos poderes e, particularmente, o Poder Judiciário devem ter por finalidade o combate veemente a todas as práticas discriminatórias. No plano jurisdicional, o ato de interpretar deve vislumbrar esse teor finalístico.

É preocupante, entretanto, quando se empresta ao princípio o significado de meta, que, de acordo com Dworkin, não está associado a direitos individuais fundamentais, mas a objetivos políticos, o que pode distorcer o ato interpretativo na direção do contextualismo, do consequencialismo ou as práticas utilitárias quantitativas, como atender metas de órgão de controle para julgamento de processos, o que pode prejudicar a qualidade da prestação jurisdicional.

5) com a ideia de premissa, inalterável ponto de partida para a racionalidade; axioma, verdade teórica postulada como evidente; essência; propriedade definitiva.

A interpretação principiológica, por assim sê-la, não se traduz pela abstração, pois a complexa generalidade a ser interpretada pode ser racionalizada pelos princípios de molde a se chegar a uma particularidade concreta que resulte,

por exemplo, na efetividade do direito fundamental de não ser negativamente discriminado no trabalho, diante de um específico e individualizado caso concreto.

6) com as ideias de regra prática de conteúdo evidente; verdade ética inquestionável.

Compartilhamos do entendimento de que tudo pode ser questionável e de que os paradigmas existem para serem superados, mas nos impomos a assinalar que, em determinada circunstância histórica, determinada comunidade comunga de uma postura ética que norteia a sua prática. Podemos asseverar que a sociedade brasileira rejeita a prática da discriminação negativa no trabalho, por não ser moral, tampouco ética, o que para nós é uma verdade ética inquestionável.

7) com as ideias de máxima, aforismo, provérbio, parte de sabedoria prática que vem do passado e que traz consigo o valor da experiência acumulada e o prestígio da tradição.

Na verdade, a tradição tem o seu prestígio abalado quando paradigmas passados são superados pela experiência acumulada. Houve uma época em nosso País que discriminar negros, mulheres, homossexuais etc..., especialmente no mundo do trabalho, era perfeitamente natural. Todavia, a historicidade de uma comunidade é dinâmica e provoca, de forma contínua e paulatina, mudanças de concepções que dão origem a outros paradigmas, de tal modo que o que importa é a tradição atual e não a superada.

Objeta-se, por ser despiciendo, a digressão alongada sobre outros diversos conceitos doutrinários, características e funções dos princípios, para acrescentar a opção de sintetizar que os princípios positivados são de eficácia plena, vinculam o Poder Judiciário e sendo constitucionais legitimam o sistema53.

Na esteira dessa síntese, o mandamento vazado pelo artigo 3º da Constituição Federal, que trata da igualdade e da não-discriminação negativa, agasalhados como princípios fundamentais, deve ter eficácia plena, pois lei alguma

53 GOÉS, Gisele dos Santos Fernandes. Princípio da Proporcionalidade. São Paulo: Saraiva, 2004.

p.28. a) os princípios são normas positivas de eficácia plena ou imediatamente preceptivas e não programáticas; b) vinculam os membros do Poder Judiciário; c) são preeminentes, principalmente quando se trata de princípios constitucionais; d) nem todos os princípios constitucionais são princípios gerais do direito; e) os princípios podem ser explícitos ou implícitos.

pode limitar ou conter a concretização dos mesmos, afinal, seria um contrassenso afirmar que não deve haver discriminação negativa, salvo nos casos previstos em lei. Tampouco, a ausência de regras expressas deve servir de óbice à efetividade dos mesmos.

Ademais, tais princípios são mecanismos de unificação e coerência do sistema jurídico. Por conseguinte, qualquer decisão só será legitimada se perpassar pela digressão de tais normas, que espelham o fundamento do Direito.

A argumentação invocada é reforçada com a assertiva de que os princípios substantivos podem ser revestidos de maior eficácia, através do ato interpretativo, com a convergência, inclusive, do postulado da proporcionalidade com seus elementos característicos: adequação, necessidade e proporcionalidade propriamente dita.

Impende frisar, entretanto, que o direito fundamental de não ser negativamente discriminado é arredio à ponderação diante de possíveis princípios ou direitos fundamentais opostos. Assim, se a máxima ou postulado normativo da proporcionalidade for manejado, deve sê-lo com relação ao rito processual e não ao Direito material.

Explicamos: Deve haver uma racionalidade processual mais adequada para a efetividade do direito fundamental de não ser negativamente discriminado, a partir da problematização da questão. Essa racionalidade é necessária para extrair a melhor concepção interpretativa do Direito, pautada em argumentos substantivos de princípios. A essa racionalidade processual pode ser justificada a aplicação da proporcionalidade stricto sensu.

A proporcionalidade no sentido amplo pode ser tratada como um postulado normativo, estruturante para a aplicação das normas jurídicas para a promoção de determinado fim, que opera num âmbito a partir do qual o núcleo essencial do princípio fundamental restringido está preservado54, desde que esse princípio fundamental não seja o da não discriminação negativa no trabalho. Talvez, um de índole processual, de modo a favorecer a efetividade do direito fundamental de não ser negativamente discriminado.

Fazendo translado desse ensinamento doutrinário para um caso de discriminação negativa no trabalho, asseguramos ser adequado que se analisem

todas as possibilidades para a realização da finalidade fundamental de obstá-la; certamente a decisão judicial desprovida de fundamentação e carente de aprofundado viés investigativo depõe contra o elemento da necessidade, pois poderá estar restringindo o direito fundamental à não-discriminação negativa no trabalho; ademais, quanto mais exato o processo para o jurisdicionado, maior a valoração e a vantagem da finalidade pública diante de qualquer restrição.

Cumpre salientar, todavia, que, pelo nível de abstração do postulado da igualdade e do princípio da não-discriminação, conforme positivados na Carta Magna, imperiosa se faz a existência de mecanismos prestacionais por parte do Estado Democrático de Direito, para que se trilhe o caminho da generalidade abstrata para a particularidade concreta.

Em havendo óbice para que o trabalhador tenha acesso ao trabalho por posturas preconceituosas e excludentes, ou, ainda, que seja excluído da relação laboral por tais razões, deve ser feita a investigação pertinente, quer no âmbito do Poder Judiciário, quer no contexto do modelo repressor do Poder Executivo.

Sendo as regras jurídicas processuais vigentes insuficientes para o deslinde do assunto, isso se traduz em motivo de monta para que, além da integração sistemática pelos princípios jurídicos, como mecanismo de interpretação, se busquem outras alternativas para a precisão qualificada da prestação jurisdicional, inclusive no cenário da transdisciplinaridade ou da interdisciplinaridade.

Esse esforço sistemático, dada a transversalidade do tema discriminação no trabalho, só reafirma a característica do Direito como um sistema aberto às práticas sociais lastreadas em princípios de moralidade política, dentre os quais o direito de não ser negativamente discriminado por uma questão de princípio, tratada no cenário do liberalismo igualitário como uma questão insensível à escolha e no Estado Democrático de Direito como um direito fundamental, um princípio e uma relevante questão de interesse público.