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III – RACIONALIDADE PROCEDIMENTAL NA VISÃO DE ROBERT ALEXY

3.1 Crítica de Alexy ao Método Tópico e ao Pensamento Sistemático

Gianbattista Vico, se opondo criticamente à razão cartesiana, afirmava que tal racionalidade se contrapunha ao engenho inventivo da retórica tópica de pensar problematicamente, com a congruência dos pensamentos tópicos e sistemáticos, para encontrar o verossímil e o novo em contraponto à garantia falível da verdade apregoada pela certeza do método cartesiano97.

Aristóteles já propunha o raciocínio sobre problemas a partir de opiniões dominantes, priorizando o processo indutivo e dialético em face do intercâmbio constante entre o geralmente aceito e as premissas universalizadas diante das atualizações necessárias98.

Tais considerações demonstram a ancestralidade do método referente ao pensamento tópico-problemático. Doravante, importa desenvolvermos a argumentação sobre o discurso judicial mais adequado para se tratar do tema discriminação negativa no trabalho, que extraia a sua melhor concepção interpertativa.

Para atender a esse desiderato, tratamos de elementos teóricos relativos ao discurso racional procedimental, inerentes ao modelo de argumentação jurídica construída por Robert Alexy, um dos procedimentalistas mais comentados pela doutrina hodierna.

Para melhor qualificar a análise do discurso racional apregoado por Alexy, entendemos ser oportuno e conveniente resumir a análise crítica que este autor faz com relação à tópica e ao pensamento sistemático99, dada a nossa posição anteriormente esposada pelo entendimento de que o método tópico-sistemático, mediante o pensar problemático, é uma alternativa procedimental adequada para o enfrentamento de um caso difícil como a discriminação no trabalho.

Essa alternativa procedimental a que fizemos menção não significa que entendemos ser suficiente a adoção de regras procedimentais para o ponto culminante do ato interpretativo, sob a melhor luz do Direito, dos casos difíceis como a discriminação no trabalho.

97 VICO, Giambattista. Princípios de (uma) ciência nova: acerca da natureza comum das nações.

3.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p.XI. (Coleção Os Pensadores)

98 ARISTÓTELES. Tópicos; Dos argumentos sofísticos. São Paulo: Abril, 1978. p.5 e ss. (Coleção Os

Pensadores)

99 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo:

Ao contrário, somos pela compreensão de que qualquer método procedimental a ser adotado, e, para nós, é o método tópico-sistemático, deve estar sustentado por uma teoria interpretativa que reflita os fundamentos do direito, levando uma decisão judicial a sua melhor justificativa.

De acordo com Alexy, com apoio em Karl Larenz, a lógica de aplicação da lei se dá, também, sob conceitos superiores abstratamente formulados, em razão dos seguintes motivos: a) a imprecisão da linguagem do Direito; b) a possibilidade de conflitos entre as normas; c) é possível haver casos que requeiram uma regulamentação jurídica, que não cabem sob nenhuma norma válida existente; d) a possibilidade, em casos especiais, de uma decisão que contraria textualmente um estatuto100.

O autor destaca a imprecisão do Direito, que provoca resultados judiciais incompatíveis, de acordo com o ponto de vista do intérprete, ressaltando, assim, a fraqueza dos cânones de interpretação, que são insuficientes para a justificação de julgamentos jurídicos.

Podemos assegurar que, nos termos da assertiva acima, há uma preocupação em justificar os julgamentos, dada a característica imprecisa do Direito, e, como veremos, para Alexy, a melhor justificação se dará por um modelo procedimental denominado de regras/modelos/procedimento.

Diferentemente de Alexy, temos a teoria da integridade de Ronald Dworkin que abordamos adiante com a percuciência apropriada , que sustenta ser a melhor justificativa das decisões aquela baseada em princípios de moralidade política, aos quais a interpretação de casos difíceis deve guardar coerência, de maneira que, em se tratando de direitos individuais categorizados como questões de princípios insensíveis à escolha política, reste consagrado o princípio de que todos devem ser tratados com consideração e respeito, como revelado nos primórdios dessa empreitada jurídica.

Para Alexy, não existem critérios rigorosos que indiquem como os princípios em um sistema, conforme concebido por Canaris, podem ser estabelecidos, pois não seguem logicamente normas pressupostas, trazendo problemas para a justificação de julgamentos jurídicos101.

100 Idem.p.17 .

Prossegue o autor, afirmando que o sistema axiológico-teleológico em si não permite decisão única sobre o peso e o equilíbrio dos princípios jurídicos em dado caso ou sobre a quais valores particulares deve ser dada prioridade em qualquer situação particular.

Todavia, acrescenta Alexy, não se pode descartar a possibilidade de se basear os argumentos em um sistema axiológico-teleológico, considerando que os julgamentos de valor se tratam de uma tese muito fraca de que eles são moralmente relevantes, ainda que a tomada de decisão deva ser orientada por julgamentos de valor moralmente correto, sob o ponto de vista jurídico.

Verifica-se que o autor em tela não se afasta totalmente do pensamento sistemático formatado por Canaris, tampouco desconsidera a aproximação entre Moral e Direito, embora não revele um posicionamento firme de que os valores dizem respeito à moralidade de uma comunidade historicamente personificada, tal qual apregoa Dworkin ao discorrer sobre a integridade do Direito, assunto a ser tratado com minudência no capítulo seguinte.

Para melhor explicar a relação suscitada entre princípio, valor e moral podemos ilustrar que há um consenso conceitual de que a não-discriminação negativa no trabalho é um princípio fundamental e não ser negativamente discriminado é um direito fundamental, sendo que a esse princípio e direito fundamental está associado o valor justiça no sentido de combater, repelir, objetar o preconceito negativo discriminatório, por ser essa a postura moral correta, de tal modo que deve haver uma concepção do Direito que se apresenta com mais coerência e ajuste aos princípios fundamentais, aos direitos fundamentais e aos princípios de moralidade.

A aproximação de Alexy ao pensamento sistemático, apesar das críticas, reforça a tese até então sustentada, da relevância desse modo de pensar o Direito em conjunto com o pensamento tópico, como método para o equacionamento fundamentado de temas complexos como a discriminação no trabalho, desde que com a devida justificação, que em nossa compreensão não se afasta de motivações políticas e morais, que de alguma maneira são traduzidas em valores, princípios e direitos fundamentais em nossa Carta Política.

Feitas as considerações voltadas especialmente para o pensamento sistemático e para melhor fundamentar a sua construção jurídica a respeito do discurso racional mais apropriado para a justificação das decisões judiciais, Alexy,

inicialmente, apresenta de modo sintético a tópica, qualificando-a como uma teoria, da seguinte maneira: 1) técnica de buscar premissas para um argumento; 2) teoria quanto à natureza das premissas; 3) teoria sobre a aplicação das premissas nos argumentos justificativos da lei102-103.

Alexy ressalta a importância do que denomina de teoria dos tópicos como teoria da natureza das premissas, em face da característica de que as proposições de que se parte não são verdades provadas, tampouco arbitrárias, mas proposições plausíveis, razoáveis, geralmente aceitas ou prováveis.

Apesar de ressaltar esse aspecto positivo da tópica, o autor, no entanto, a considera generalizada demais porque não diferencia entre as várias premissas necessárias para o processo de justificação jurídica das decisões e, além disso, questiona o que seria foro de controle, quando Viehweg diz que “a discussão aparentemente permanece o único foro de controle”104.

Para Alexy, a tópica precisa de regras que sejam seguidas, de modo a configurar um cunho racional à discussão, sem subestimar a importância da lei, da dogmática e dos precedentes.

Observa-se na referência crítica de Alexy à tópica um ressalto relevante para que haja uma complementação à tópica, por ele qualificada de teoria, mediante o estabelecimento de regras que minimizem a sua generalidade, visto que o processo de justificação jurídica reivindica maior precisão e, por outros termos, maior racionalidade procedimental, o que é sinalizado por Alexy quando questiona sobre o que seja foro de controle discursivo, revelado pela teoria tópica, conforme sua denominação.

102 Ibidem, p. 31

103 No capítulo II, ao tratar da Racionalidade Jurídica, com destaque para o método tópico-

sistemático, tratamos a tópica como método e não como teoria, pois entendemos que a sua aplicação no que concerne à problematização requer uma teoria que o sustente, a qual deve estar fincada em bases de moralidade política. Por oportuno, trazemos a lume uma distinção entre metodologia e teoria. Metodologia: 1 – O estudo dos métodos (procedimentos) ou princípios utilizados em determinada disciplina organizada para ordená-las; 2 – Os próprios princípios de um sistema organizado; 3 – O ramo da lógica que formula ou analisa os princípios envolvidos em se chegar a inferências lógicas e em formar conceitos; 4 – Os procedimentos utilizados numa disciplina através da qual se consegue o conhecimento. Teoria: 1 – A apreensão das coisas nas suas relações universais e ideais umas com as outras; 2 – Um princípio abstrato ou geral que faz parte de um corpo de conhecimentos. Estas apresentam uma visão clara e sistemática do assunto. Por exemplo: uma teoria da arte ou a teoria atômica; 3 – Um princípio geral, abstrato, idealizado ou natural; 4 – Uma hipótese, suposição ou construção, pressuposta como verdadeira, sob cujas bases fenômenos podem ser previstos ou explicados e a partir das quais mais conhecimentos podem ser deduzidos. GILES, Thomas Ranson. Dicionário de Filosofia, op. cit.

Percebemos na brevíssima crítica de Alexy à tópica um certo apreço pelos juízos de probabilidade ou verossimilidade, resultante da aplicação do pensar problemático tópico, o que reforça o nosso entendimento de que, em casos judiciais como a discriminação no trabalho, pensar problematicamente sobre o mesmo com a devida sistematização ao ordenamento constitucional e apoio, conforme a complexidade da matéria, em conhecimentos transversais, traduz-se em método apropriado para o melhor deslinde da questão, desde que justificada por uma teoria interpretativa substancial.

Impende assinalar que a racionalidade a ser buscada de modo a concretizar uma decisão mais correta, fundamentada em princípios e direitos fundamentais justificados por princípios de moralidade política, resultará em uma resposta que é a verdade que se obtém ou a resposta certa sob o ponto de vista do padrão moral escorreito.

Nas suas considerações introdutórias, Alexy se apóia nas premissas de Karl Larenz, especialmente a respeito da imprecisão da linguagem jurídica, do conflito entre normas, inexistência de norma jurídica para um dado caso jurídico e decisões contrárias aos textos jurídicos. Karl Larenz, por sua vez, demonstra certo apreço à tópica, como se passa a expor105:

(...) é missão dos tribunais decidir de modo justo os conflitos trazidos perante si e, se a aplicação das leis, por via do procedimento de subsunção, não oferecer garantias de uma tal decisão, é natural que se busque um processo que permita a solução de problemas jurídicos a partir dos dados materiais desses mesmos problemas, mesmo sem apoio numa norma legal. Esse processo apresentar-se-á como um tratamento circular, que aborde o problema a partir dos mais diversos ângulos e que traga à colação todos os pontos de vista – tanto os obtidos a partir da lei como os de natureza extrajurídica – que possam ter algum relevo para a solução ordenada da justiça, com o objetivo de estabelecer um consenso entre os intervenientes. Como modelo histórico de um tal procedimento, recomendou Viehweg a tópica, no seu escrito sobre a jurisprudência dado pela primeira vez à estampa em 1953.

Vislumbra-se em Larenz a possibilidade de as lacunas do direito positivado serem superadas pela problematização da questão jurídica complexa levada à apreciação jurisdicional. No entanto, para Alexy, há necessidade de regras

procedimentais corretivas do discurso judicial, embora tenha partido de Larenz para tracejar a sua análise crítica à tópica.

Perfilhamos o entendimento de Larenz, somente no aspecto referente ao pensar problemático-tópico; afinal, se a questão é complexa, como restou argumentado ser o tema discriminação no trabalho, devemos enfrentá-la com a problematização devida, de modo a garantir o direito substancial de não ser negativamente discriminado.

O que não se pode é apelar para normas de índole processual e/ou infraconstitucional com o objetivo de pôr termo à lide processual, sem a apreciação meritória diligente, sob a melhor luz interpretativa do Direito, considerado como um sistema aberto ao conhecimento transversal, inclusive, em apologia a melhor exatidão processual, ainda que isso se apresente de forma aparente como um óbice intransponível para o exercício da magistratura, a contar, entre outras coisas, com a estrutura existente e a assoberbada quantidade de processos a julgar, em que o tema discriminação é um item sem muita importância nos autos.