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Nas linhas pretéritas sustentou-se com fundamentos formais e doutrinários que a não-discriminação negativa no trabalho é um direito fundamental, ao qual se deve assegurar plena efetividade, assim como fez-se a assertiva de que a discriminação no trabalho revela um profundo interesse público. No tópico presente, reafirma-se tal assertiva, acrescendo que, também, trata-se de um princípio fundamental.

Em sede constitucional, o título dos princípios fundamentais, além da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), destaca o valor social do trabalho (art. 1º, IV), que estão atrelados aos direitos sociais formalizados pelo art. 6º, dentre os quais o trabalho, que é considerado primado da ordem social (art. 193, CF/88),

49 BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo: Direitos Fundamentais, Democracia e

fundamento da ordem econômica, que deve valorizar o trabalho humano (art. 170, CF/88) e, como princípio, buscar o pleno emprego (art. 170, VIII).

Tais normas devem ser consideradas e respeitadas na interpretação e na valoração de um caso concreto levado às raias do Poder Judiciário, que verse sobre a discriminação no trabalho, o que permite a inferência de que o deslinde de qualquer questão jurídica pertinente imprescinde do pensamento jurídico que sistematize a situação fática no ordenamento, pelas diretrizes principiológicas antes referidas, que estão fundadas nos padrões de moralidade política da sociedade.

Demais disso, a igualdade e, acoplada a esta, a não-discriminação negativa são tratadas em sede de Constituição da República Federativa do Brasil, como princípios fundamentais e direitos e garantias fundamentais. E, por serem princípios, possuem função ordenadora e integradora, entre outras funcionalidades. Ordenadora no sentido de funcionarem como diretrizes para o ato interpretativo, devendo ser priorizados no processo de fundamentação jurídica, pois expressam valores morais objetivados na Carta Política. E essa função ordenadora compõe os princípios explícitos e os princípios implícitos, dada a abertura constitucional para isso.Tal característica não é sinonímia de mandato de otimização de regras.

A função integradora nos autoriza a inferir que a interpretação com substância em argumentos de princípios afasta o dogma das lacunas do ordenamento positivo, que leva a decisões discricionárias no sentido de não observarem a importância de cume dos princípios para a interpretação jurídica.

No ato de interpretar e aplicar o Direito, devemos valorar o caso concreto envolvendo a discriminação negativa no trabalho, com fulcro nos princípios, direitos e garantias fundamentais, nos termos alinhavados anteriormente, de modo a assegurar o máximo de coerência, não contradição e unidade não só ao sistema jurídico, como deste com a moralidade política que permeia a sociedade, pois interpretação diversa não contribui para a racionalização sistemática do ordenamento jurídico, ao contrário, legitima o caos com aplicação equivocada das normas.

Tal racionalidade jurídica não significa que devemos nos apear no logicismo formal, mas conceber que qualquer interpretação é inacabada e pode ser superada. Todavia, deve existir uma melhor interpretação, à luz dos princípios de moralidade política, dos direitos e princípios fundamentais e do interesse público.

A efetividade no mundo do trabalho da não-discriminação negativa explicita o postulado normativo da igualdade e confere concretude à dignidade da pessoa humana, destarte, a análise sistemática dos litígios envolvendo a temática em apreço, requer o conhecimento prévio sobre a importância dos princípios para a interpretação e aplicação do Direito.

De forma bastante simplória, o princípio indica por onde se deve começar. Aplicando-se tal máxima, temos que a interpretação e a consequente aplicação de uma regra jurídica diante de um caso concreto devem estar abalizadas e ser direcionadas por algum princípio, por se tratar de elemento fundante da construção do discurso judicial.

Como referências doutrinárias de nomeada no mundo jurídico, temos as concepções de Ronald Dworkin e Roberto Alexy a respeito de princípios e regras, que são importantes de serem referidas neste trabalho, tendo em vista que, como se esmiuça mais adiante, o fundamento do Direito e a legitimidade das decisões judiciais diferem entre esses autores, consoante as teorias da integridade do Direito e do modelo legitimado pelo procedimento, respectivamente.

Dworkin faz a distinção entre política, princípios e regras. A política é um tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado no campo econômico, político ou social da comunidade. Os princípios, por sua vez, dizem respeito a um padrão que deve ser observado como exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão de moralidade e estão relacionados direitos fundamentais individuais50.

Para o autor, a diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica, uma vez que as regras são aplicadas ao modo do tudo-ou-nada, enquanto que os princípios enunciam uma razão que conduz o argumento em uma certa direção, mas, ainda assim, necessita de uma decisão particular.

Os argumentos de princípios possuem a dimensão do peso e da importância, de onde se dessume, que no cruzamento entre argumentos de princípios relativos a direitos individuais fundamentais, deve ser considerada a força relativa de cada um, com a nossa ressalva de que o direito fundamental de não ser negativamente discriminado não deve ser relativizado em face de outros direitos fundamentais individuais. Por outro lado, se duas regras entram em conflito, uma

50 Cf. DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins

delas não pode ser válida, sendo superada por critérios utilizados para ultrapassar as antinomias jurídicas. O argumento de princípio não aplicado resiste; a regra não aplicada, dela desiste-se.

Para Alexy, tanto os princípios como as regras são normas, porque ambos possuem uma carga deôntica pemissiva, proibitiva ou obrigatória, são razões para juízos concretos de dever ser, ainda que essas razões sejam diferentes51.

O ponto decisivo, em Alexy, para a distinção entre regras e princípios é que estes são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes; são mandatos de otimização. As possibilidades jurídicas são determinadas por princípios opostos e regras de concretização. As regras, por seu turno, são normas que só podem ser cumpridas ou não, pois, se uma regra é válida, ela contém determinação no âmbito do fático e possível juridicamente.

O autor faz referência à força relativa de cada princípio, quando há a colisão de princípios, que deve ser superada com o auxílio da regra da ponderação. Subsistindo no ordenamento, o princípio de menor peso para o caso em que um outro princípio prevalece.

Ressalvados os substratos materiais da reflexão de Dworkin e Alexy, que para aquele é o direito fundado no common-law, em uma sociedade liberal que preza de modo radical os direitos individuais e, para o segundo, o Direito alemão, de tradição continental, em que não só apenas a dimensão individual dos direitos é considerada e respeitada, mas há uma preocupação demasiada com a racionalidade do sistema jurídico e uma tendência acentuada de prevalência dos bens coletivos em face dos direitos individuais.

Os dois autores buscam uma otimização da aplicação do direito pelo ínterprete no plano jurisdicional, sendo que Alexy tem foco na argumentação e Dworkin na interpretação do Direito.

Concordam os autores no que concerne à ponderação como critério para enfrentar importância de dois ou mais princípios no curso de uma interpretação jurídica, ainda que de forma diferente, pois, para Alexy, a ponderação implica a incidência da proporcionalidade propriamente dita, enquanto que, para Dworkin, o princípio diz respeito a argumentos reveladores de direitos individuais oriundos da

51 Cf. ALEXY, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios políticos y

moralidade política construída pela prática social historicamente considerada. Nesse diapasão, reside o diferencial entre os dois autores, como melhor se arguirá adiante sobre o discurso judicial procedimentalista e o discurso judicial substancialista.

A não-discriminação negativa no trabalho, como direito fundamental inerente à individualidade humana e como princípio otimizador do sistema jurídico, jamais deve ser cotejada com normas processuais lacunosas, como se regra fosse e pudesse receber o tratamento de ser aplicada ou não. Afirmamos isso, pois na lide processual trabalhista que verse sobre a discriminação no trabalho, não é suficiente o empregador ou seu preposto negar que houve discriminação e, com isso, o processo ser encerrado.

Sobremais, no Estado Democrático de Direito é uma questão de princípio – acolhida a tese de Dworkin – a busca pela máxima efetividade das normas de direitos fundamentais relativa ao tema discriminação no trabalho, por serem fundamentais para a incolumidade da individualidade humana e para a coletividade, pois, do ponto de vista da moralidade, a sociedade não tolera a discriminação negativa, pelo menos conceitualmente.

Ainda no que se refere aos princípios e sem se distanciar de Alexy e Dworkin, temos o magistério de Genaro Carrió, sustentando que na linguagem ordinária o conceito de princípio se vincula, pelo menos, a sete focos de significação52, os quais desdobraremos no contexto da temática Discriminação no Trabalho:

1) com as ideias de parte ou ingrediente importante de algo; propriedade fundamental; núcleo básico; característica central.

Esse seria o caso dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, a proibição da discriminação negativa, que são partes importantes, básicas e centrais da Carta Política de 1988 e que, em se tratando de relação jurídica laboral, guardam estreita vinculação com os direitos sociais.

52 CARRIÓ, Genaro R. Notas Sobre Derecho y Lenguage. 4.ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2006.

2) com a ideia de regra, guia, orientação e indicação geral.

Por esse prisma, devemos compreender que os princípios fundamentais constitucionais são fontes de orientação e indicação geral no ato de interpretar questões complexas que envolvem direitos fundamentais individuais e sociais.