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Com certeza! [risos] É assim não sei bem se o que fiz se pode chamar

ANEXO 3 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS

A.: Com certeza! [risos] É assim não sei bem se o que fiz se pode chamar

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estratégia… Basicamente, como já disse, andei a visitar e conhecer vários lares e 295

residências, seja lá o que for, e nessas visitas também falava com o pessoal respectivo 296

dos atendimentos e de como se realiza um processo de institucionalização e isso… 297

153 Bem, fazia várias perguntas, tirava dúvidas, perguntava pelas normas da instituição, os 298

horários, os quartos, tudo isso, mas quando via aqui algum lar que me interessasse, 299

guardava sempre a minha pergunta final para o fim da conversa. Era como que a minha 300

cereja no topo do bolo, não sei se me ‘tou a fazer entender. Basicamente, fazia as 301

questões daquilo que queria saber acerca do lar e depois de saber tudo, se a residência 302

me agradasse, eu próprio perguntava com muita naturalidade se aceitavam pessoas com 303

orientações sexuais diferentes. E fazia esta pergunta porquê? Ora, então eu tenho uma 304

orientação sexual diferente, e agora vinha para um lar sem saber se aceitam, se são 305

tolerantes, se são compreensivos, se são homofóbicos, ou se é permitido sequer, como já 306

vi ser, se não vou ter condições para seu eu próprio, quando a minha finalidade é a de 307

poder ser eu próprio e conhecer pessoas novas e por aí fora? Não fazia muito sentido, 308

pois não? E pronto, lá as pessoas me respondiam ao que queria saber, algumas com 309

mais estranheza do que outras pelo cariz das perguntas, pela calma e naturalidade com 310

que eu perguntava esse tipo de questões acerca da aceitação, das diferentes orientações 311

sexuais, etc etc, como se perguntasse que horas eram naquele momento. [risos] E é 312

engraçado porque houve um caso numa das visitas, um em que uma senhora do 313

atendimento me respondeu muito naturalmente à pergunta, como se fosse muito normal 314

esse tipo de malta, os tipos como eu, ‘tá a compreender, ir para aquele lar, e então 315

respondeu-me “Aceitamos sim, senhor [nome da pessoa]. O senhor é homossexual, se 316

não é indiscrição perguntar? Fique a saber que aqui não temos problemas nenhuns em

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aceitar pessoas com orientações sexuais diferentes, aqui temos uma política de aceitar

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a diferença. Aqui somos todos muito tolerantes pelas diferenças dos outros, muito

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tolerantes, e tentamos incutir isso a todos os que trabalham connosco e diretamente

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com os utentes!”. Realmente foi uma querida, mas quando me fez aquela pergunta de

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questionar se eu era homossexual apeteceu-me brincar e ser um bocado sarcástico e 322

dizer “Não, não, eu só estou a perguntar por curiosidade, para ver a sua reação, 323

porque não tenho mais nada que fazer e apeteceu-me vir aqui aleatoriamente saber

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mais sobre si e as suas opiniões!” [risos] Mas não, não o fiz porque era uma querida,

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ainda uma moça jovem, olhe, talvez uns 10 ou 15 anos mais velha que a menina, e até 326

porque achei uma atitude querida, portanto não o fiz. Mas na verdade o que lhe respondi 327

teve tanto efeito como o que eu queria dizer para brincar com a senhora! [risos] Disse- 328

lhe muito humildemente “Não minha senhora, na verdade não sou. Quer dizer… sou e 329

não sou. Ou melhor… Olhe, sou bissexual.” [risos] Gostava que tivesse visto a

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expressão da senhora, a cara dela mudou, passou de ar convicto de que eu era homo, 331

154 para quase um ar de “Então mas afinal o que é que o senhor come!? Gosta do quê 332

afinal!?” [risos] Foi uma expressão praticamente impagável. Mas percebi, percebi que

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não era algo muito comum pel’aquelas bandas. Homossexuais sim, lésbicas talvez, 334

esses talvez mais frequentes, mas bissexuais não tanto. [Pausa 0,2 segundos] Mas sim, 335

para responder ao ar de confusão que a senhora apresentou naquele momento, 336

acrescentei ao que tinha dito “Bissexual, sabe…? Gosto de homens e de mulheres… 337

gosto de pessoas, pronto!” [risos] E pronto a senhora recompôs-se de novo, algo

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envergonhada, atrapalhada pelo seu momento, mas continuou a tentar mostrar que ali 339

todos eram aceites, todos eram bem-vindos. Contudo, vi este lar e gostei mais deste, das 340

condições, do pessoal, etc., e aqui fiquei. Por uma pequena diferença de preço gostei 341

mais deste no conjunto que apresentava. A estratégia acho que passou mais por aqui, 342

por uma coisa mais deste nível. Procurei informação sobre os lares que visitei 343

assumindo que sou bissexual, porque assim via logo as reações e como me poderiam 344

tratar logo à primeira vista. Depois cá dentro sou eu próprio. Não ando aí com um papel 345

na testa a dizer que sou A, B, ou C, mas também não me escondo. E se alguém tiver 346

alguma questão, que ma faça diretamente, porque é assim que eu funciono. Claro que 347

tive… e às vezes ainda tenho… tenho medo de algumas represálias, de poder ser 348

discriminado, de ser maltratado… [Pausa 0,2 segundos] Porque infelizmente ainda há 349

muita gente conservadora e com mentalidade retrógrada, que não aceita as diferenças 350

dos outros, e que quando conhece pessoas diferentes podem fazer-nos mal, e disso sim, 351

eu tive medo, e dependendo das pessoas às vezes ainda tenho, mas ainda assim já passei 352

demasiado tempo confuso sobre aquilo que eu devia ser e neste momento, que sei aquilo 353

que sou, acho que não tenho que me esconder. Não provoco ninguém, nem espeto nada 354

na cara de ninguém sobre aquilo que sou, não ofendo ninguém, mas também não me 355

escondo. Acho que cheguei a esse direito ao fim de tanto tempo de vida, não é? 356

E.: Muito bem, estou a ver. E já que me falou em episódios caricatos que

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experienciou, conte-me que importância tem a sexualidade para si no seu dia-a-

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dia? Que episódios foram esses?

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