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O "Caso do molecote"

9 Combate ao Cangaceirismo

Desde meados do século XIX, que asociedade nordestina tem a sua história m arcada pela presença do cangaceirismo. Parti reforçar o que acabam os cie dizer, é im portante invocarmos o testem unho da Professora Maria Isaura Pereira de Queiroz, um a das mais brilhantes estudiosas desse fenôm eno social: "é em lins do século XIX que alguns cangaceiros, apoiados em seu próprio prestígio, se destacam rios chefes de parentela e dos coronéis, perseguindo livrem ente seu

l(i7 CAI i: 1-11.1 IO. |i)ã<>. Do Sindicato ao Catete. Itioile Janeiro: loséOlympio,

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destino”.188 189 190 191 Já o historiador I Jam ilton de M attos M onteiro detectou a existência de bandos independentes por volta de 1850, agindo em vários Estados do Nordeste. Reconheceu, todavia, que o fenômeno tornou-se epidêm ico após 1870.18,1 Baseado nos relatórios dos presi­ dentes de província de todos os Estados nordestinos e noutros docu­ mentos, Monteiro identificou no período de 1850 a 1889 a existência de 47 im portantes quadrilhas de cangaceiros, agindo no Nordeste brasileiro.180 Dessas quadrilhas, as mais famosas eram as dos Viriatos, dos Meirelles, dos Quirinos e dos Calangros, atuando nos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernam buco.1'"

Mas, para com preenderm os m elhor o fenômeno do cangacei- rismo, é m ister fazer um a distinção entre o capanga e o cangaceiro. Assim, enquanto o capanga é um elem ento de confiança do coronel ou chefe político, vivendo à sua sombra, obedecendo-lhe as ordense executando, quando preciso, os “serviços”, o cangaceiro é o indivíduo que se libertou do seu potentado, que age com autonom ia e persona­ lidade própria, vivendo como grupo errante e enfrentando situações onde prova, pela força das arm as, a sua coragem pessoal. Por essa razão, o capanga é um a categoria social quase tão antiga quanto os latifúndios brasileiros e que continua existindo no interior do país.

Para se ter um a idéia m ais objetiva desses bandos de canga­ ceiros, vejamos o que disse Monteiro:

Os Viriatos que se apresentavam uniformizados, hem armados e montados e cujo número gravitava em torno de oitenta, chegaram a terem 1878 cem e mesmo 150 elemen­ tos. Igualmente numerosos eram os bandos dos Quirinos e 188 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Os Cangaceiros. São Paulo: Livraria Duas

cidades, 1977, p. 55.

189 MONTEIRO, I lamilton de Mattos. Crise Agrária e luta de Classes. Brasília: Horizonte, 1980, p. 69.

190 MONTEIRO, I lamilton de Mattos. Crise Agrária e l uta de Classes. Brasília: I lorizonte, 1980, p. 74.

191 MON TEIRO, Hamilton de Mattos. Crise Agrária e l uta de Classes. Brasília: Horizonte, 1980, p. 78.

Calangros que também alcançaram a enorme cifra de 150 componentes.111

Após a Proclam ação da República, assum iram papel de des­ taque no cenário nordestino os bandos de Antônio Silvino (fim do século XIX até 1914) e o pernam bucano Virgulino Ferreira, vulgo Lampião (1922-1938).

Durante a República Velba, o Rio Grande do Norte não teve can­ gaceiros. O único norte-rio-grandense que tornou-se cangaceiro foi Jesuíno Alves de Melo Calado, vulgo Jesuíno Rrilbante, que nasceu no sítio Tuiuiu no município de Patu em 1844 e morreu em 1879, con­ tando apenas 35 anos e nove meses. Portanto, faleceu dez anos antes da Proclamação da República.

Mas, m esm o não tendo cangaceiros, como dissem os antes, o Rio Grande do Norte sem pre foi invadido por grupos de cangaceiros procedentes da Paraíba e do Geará. Uma das invasões mais remotas do território pot iguar por esses elementos ocorreu em 1878, na povo- tição de Luís Gomes, executada pelos Meireles e Viriatos. Naquela ocasião, saquearam o povoado, levando "grande porção de gêneros alim entícios, de fazendas, gado e dinheiro, como tam bém jóias e sagradas imagens. Nem as igrejas eram poupadas’’.1'"

No regim e republicano, a zona oeste do Estado foi invadida algum as vezes. Lm 1902, o governador Alberto M aranhão relatou 11 ma dessas ocorrências da seguinte maneira:

A invasão da cidade de Apodi por um pequeno grupo de bandidos incursionistas, logo postos em fuga com a só notí­ cia de que para ali seguira uma força da segurança, trouxe por alguns dias presa de terror a ordeira e pacífica popu­ lação daquela cidade sertaneja. Passou, porém, felizmente, logo, este pavor; e, com a chegada da força, voltou ao seu regular funcionamento a vida local, restabelecendo-se a b>2 MONTEIRO, 1 lamilton de Mattos. Crise Agrária e Lula de Classes. Brasília:

Horizonte, Pííit), p. 74.

*93 MONTEIRO, 1 lamilton de Mattos. Crise agrária e luta de classes. Brasília: I lori/.onte, 1980, p. 79.

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calma, com o desaparecimento elo receio de um possível saque, que a todos trazia sobressaltados.1”4

A partir de fevereiro de 1922, a população sertaneja entrou em pânico. Boatos de invasão do sertão por bandos de cangaceiros cor­ riam mais velozes do que um tufão. Mais de cem telegramas, passados por presidentes de Intendência, m agistrados, autoridades policiais, chefes políticos e particulares chegaram ao Palácio do Governo pro­ cedentes de Caraúbas, Augusto Severo, Apodi, M artins, Patu, Luís Gomes, Pau dos Ferros, Serra Negra, Caicó, Acari, Nova Cruz e Pedro Velho, noticiando a im inente invasão do interior por cangaceiros per­ seguidos pelas polícias do Ceará e da Paraíba.

Mesmo descontando o exagero, fruto da em oção e do pavor, o governador Antônio José de Melo e Souza tomou, de imediato, as pro­ vidências necessárias. Disse ele:

lim poucos dias, graças ao precioso auxílio da Inspetoria cie Obras Contra as Secas, então representada pelo bngenbeiro Henrique cie Novais, que pós à disposição do Lstado os caminhões necessários para o transporte das forças, segui­ ram para os municípios da fronteira 106 praças, dos quais os 16 primeiros por mar, via Areia Branca, e os outros, por aqueles veículos.194 195 196

Na realidade, os bandoleiros não penetraram no território norte-rio-grandense. Como relatou o governador, "houve um a pas­ sagem pelas extrem as do município de Luís Gomes, onde praticaram depredações de pouca im portância num a fazenda.”191’

Por consequência disso, os governadores do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba resolveram desenvolver um a ação conjunta:

194 MARANI IÃO, Alberto. Mensagem lida perante o (Congresso Legislativo do Rio Grande do Norte, em 14 de julho de 1902. Natal, A República, 16 de julho de 1902.

195 SOUZA, António JosédeMeloe. Mensagem dirigida aoCongresso Legislativo em 1922. Natal, A República, 1! de novembro de 1922.

196 SOUZA, António JosédeMeloe. Mensagem dirigida aoCongresso Legislativo em 1922. Natal, A República, 8 de novembro de 1922.

Acordamos a união dos esforços dos três estados tio extremo nordeste para o combate à vergonhosa praga do banditismo, pondo cada um certa parte tias suas forças sob a direção de uma autoridade especial comum, que por proposta do honrado Sr. Dr. JiistinianodeSerpa, presidente do Ceará, ficou sendo o delegado paraibano Dr. Severiano Procópio, como o melhor conhecedor da /ona habitual- mente infestada pelos bandidos.1'17

Por outro lado, o governador Antônio de Souza manteve a força policial nas localidades próximas às fronteiras tem endo a volta dos bandoleiros.

Para estruturar m elhor a segurança do interior do Estado, o governador losé Augusto Bezerra de Medeiros criou seis delegacias regionais situadas em Natal, Goianinha, Caicó, Macau, M artins e Apodi.1'"1

Em 1927, aconteceu a invasão de M ossoró pelo bando de Lampião, descrita m inuciosam ente pelo Dr. Raul Eernandes, em quem nos baseam os na abordagem desse evento.14'1 Em prim eiro lugar, um a quadrilha de ladrões, sob o com ando do cangaceiro M assilon, invadiu e saqueou a cidade de Apodi, onde surraram , assassinaram e hum ilharam pessoas da classe dirigente local.

Ao tom ar conhecim ento do que acontecera na vizinha cidade de Apodi, a população de Mossoró com eçou a se m obilizar para enfrentar Lampião e os seus cabras da peste. Incontinênti, o gover­ nador José Augusto m andou arm as e reforço policial para Mossoró e as cidades fronteiriças. Segundo Raul Eernandes, "durante a marcha no Rio G rande do Norte, Lampião ocupou sítios, fazendas e povo­ ados. Som ente em Boa Esperança, surpreendeu a população, em 197 * 199

197 SOUZA, Antônio JosédeMeloe. Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo

em 1922. Natal, A República, »de novembro de 1922.

19« Mil )i | K( )s, )osé Augusto Bezerra de. Mensagem lida perante a Assembléia Legislativa em 1921, Natal, I ipa\'A República, 1924, p. »6.

199 I EK.NANDES. Raul. A Marcha eleLampião (Assalto a Mossoró). 2. ed. Natal: Editora Universitária, 1982.

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peso, desprevenida”.200 201 Boa Esperança é, hoje, a cidade cham ada Antônio M artins. Sabedora do que vinha acontecendo, a população mossoroense, sob o cornando do seu bravo prefeito, coronel Rodolfo Fernandes, preparou-se o quanto pôde, arm ando trincheiras em vários pontos da cidade. Ao mesmo tempo, às vésperas do assalto, grande parte da população fugiu de trem, de automóvel e de outros meios para longe da contenda.

Do lugar Passagem Oiticica, Lampião m andou o Sr. Antônio Gurgel do Amaral, preso pelo bando, que escrevesse um a carta ao coronel Rodolfo Fernandes nos seguintes termos:

13 de junho de 1927. Meu Caro Rodolfo Fernandes. Desde ontem estou aprisionado do grupo de Lampião, o qual está aqui aquartelado, aqui perto da cidade, manda porém um acordo para não atacar mediante a soma de quatrocentos contos de réis - 400.()()()$()()(). Posso adiantar sem receio que o grupo é numeroso, cerca de 150 homens hem equipados e municiados à farta. Creio que seria de bom alvitre você mandar um parlamentar até aqui, que me disse o próprio Lampião, seria hem recebido. Para evitar o pânico e o der­ ramamento de sangue, penso que o sacrifício compensa. Tanto que ele promete não voltar mais a Mossoró. I )iga sem falta ao Jaime que os 21 contos que pedi ontem para o meu resgate não chegaram até aqui, e se vieram, o portador se desencontrou, assim peço por vida de Yolanda para man­ dar o cobre por uma pessoa de confiança para salvar a vida do pobre velho. Devo adiantar que todo o grupo me tem tra­ tado com muita deferência, mas, eu hem avalio o risco que estou correndo. Creia no meu respeito. Antônio Gurgel do Amaral.'"

200 FERNANDES, Raul. A Marcha de Lampião (Assalto a Mossoró). 2. etl. Natal: Editora Universitária, 1982, p.95.

201 FERNANDES, Raul. A Marcha de Lampião (Assalto a Mossoró). 2. ed. Natal: Editora Universitária, 1982, p. 147-148.

Após m ostrar ao portador Pedro José da Silveira, igualm ente refém, os preparativos de guerra para enfrentar os cangaceiros, o coronel Rodolfo Fernandes deu-lhe a seguinte resposta:

Mossoró, 13-6-27- Antônio Ciurgel, não e possível satisfa­ zei lhe a remessa dos quatrocentos contos ( lOO.OOOSOOO), pois não tenho, e mesmo no comércio é impossível encon­ trar tal quantia. Ignora-se onde está refugiado o gerente do Manco, Sr. Jaime Guedes, listamos dispostos a recebê-los na altura em que eles desejarem. Nossa situação oferece abso­ luta confiança e inteira segurança. Rodolfo Fernandes.2U-

Ao tom ar conhecim ento da resposta do coronel Rodolfo, o handocom eçouarefletirea acreditar que o sonho de invadir a cidade endinheirada - como era vista Mossoró na sua visão - não seria um a parada fácil. O risco era muito grande, ponderou um cabra.

Nesse ínterim, Lampião resolveu, de próprio punho, escrever um bilhete para o prefeito de Mossoró.

(iel. Rodolfo

listando eu até aqui pretendo dr°. Já foi um aviso, p° o Sinhoris, si por acauso rezolver, mi, a mandar será a impor- tânça que aqui nos pede, liu envito di Filtrada ahi porem não vindo esta importânça eu entrarei, ate ahi penço c|tii adeus querer, eu entro; e vai aver muito estrago por isto si vir o dr eu não entro, ahi mas nos resposte logo. - Gap. Lampião""1

Luís Joaquim de Siqueira, vulgo Formiga, foi o portador desse bilhete. Após a leitura do referido bilhete, o coronel Rodolfo conti­ nuou no m esm o propósito de resistir as crim inosas pretensões de Lampião e respondeu lhe da seguinte maneira: 202 203

202 FF RNANDLS, Raul. A Marcha de Lampião (Assalto a Mossoró). 2. ed. Natal: Fditora Universitária, 1982, p. 110.

203 I FKNANDFS, Raul. A Marcha de Lampião (Assalto a Mossoró). 2. ed. Natal: Fditora Universitária, 1982, p. 156.

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Virgulino, Lampião.

Recebi o seu bilhete e respondo-lhe dizendo que não tenho a importância que pede e nem também o comércio. O Banco está fechado, tendo os funcionários se retirado daqui. Estamos dispostos a acarretar com tudo que o Sr. queira fazer contra nós. A cidade acha se, firmemente, ina­ balável na sua defesa, confiando na mesma.

Rodolfo Fernandes Prefeito. 13-6-27.m

D iante da altivez e da corajosa intransigência do coronel Rodolfo Fernandes, Lampião resolveu atacar Mossoró na tarde de 13 de junho de 1927. Q uando o bando entrou na cidade espirrava bala de toda parte, deixando os bandoleiros assom brados e desnor­ teados. Vendo-se im potentes diante da brava resistência da popu­ lação m ossoroense, eles bateram em retirada, na m aior desordem possível, correndo em direção aos seus cavalos deixados a distância. No final da luta, segundo Raul Fernandes, os cangaceiros "perderam dois com panheiros. Seis chegaram feridos, e dois em estado desespe- rador. Enquanto do outro lado, todos estavam incólum es”.204 205

Por causa do acordo feito entre os governadores do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, e em decorrência da invasão de Mossoró, o com bate ao cangaceirism o atingiu o seu auge no governo Juvenal Lam artine. Ele costum ava dizer que no seu governo bandido não tem guarida. A título de exemplo, basta lem brar o com bate enérgico que o 2° tenente Joaquim Teixeira de Moura, hom em da confiança de Lam artine, deu a um grupo de malfeitores que, em fevereiro de 1928, "depredou e roubou no m unicípio cearense de Iracem a, e se veio refugiar no de M artins.” Na luta com a polícia, foram mortos três

204 FERNANDES, Raul. A Marcha de Lampião (Assalto a Mossoró). 2. ed. Natal: Editora Universitária, 1982, p. 159.

205 FERNANDES, Raul. A Marcha de Lampião (Assalto a Mossoró). 2. ed. Natal: Editora Universitária, 1982, p. 187-188.

cangaceiros, uns fugiram e os dem ais foram presos, desarm ados e entregues às autoridades policiais do Ceará.-1’“

Com os processos de urbanização e de industrialização, assim como com o desenvolvim ento da m alha rodoviária no interior do Nordeste, tirando as populações do seu isolamento, e outros fatores de m enor influência, o cangaceirism o e o seu tradicional aliado - o coronelism o-entraram em rápido declínio, na década de 1930.