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1. Texto Massorético Deuteronômio 6,1-9

1.1. Tradução literal:

1.5.2. Comentário sobre a Coesão da Perícope:

O texto de Dt 6,1-9 trata-se de uma perícope que possui uma estrutura precisa e bem definida. Há indicadores no texto que confirmam tal coesão. O tema central é a unicidade de YHWH, a saber, o tema do javismo.

Eixos principais dão coesão ao texto a partir de repetições. Um dos elementos- eixo da perícope refere-se à advertência no tocante a unicidade de Javé e da guarda dos mandamentos, estatutos e juízos. Alguns verbos como “ouvir” e “guardar”, aparecem com frequência no texto garantindo a coesão literária e teológica. Substantivos se repetem justificando a centralidade teológica do tema do javismo, a saber, a fé no Deus único que se expressa através da obediência.

A centralidade do tema possui um entorno composto por subtemas, que são expressos através de substantivos e verbos que se referem à guarda dos mandamentos, estatutos e juízos.45 É importante notarmos que o tema está no centro da perícope.

Os elementos coesivos que aparecem no início do texto movimentam-se em direção à centralidade do tema que se encontra nos versos 5 e 6.

Os versos posteriores retomam os subtemas do inicio em relação à guarda dos mandamentos que irão sinalizar o centro.

O desfecho sinaliza o centro em concordância com os indicadores que se apresentam desde o início que também apontam para a centralidade do tema e da perícope.

A expressão que ocorre no vers. 1: “E este o mandamento, os estatutos e os juízos”, se encontra “amarrada” com a expressão que faz o desfecho da perícope no vers. 9:“ E as escreverás sobre os umbrais da tua casa e nas tuas portas”. Os mandamentos, estatutos e juízos deveriam ser fixados nos umbrais. Encontramos coesão

45 A construção de um texto se faz em torno de um assunto pontuado, um tema. Esse tema, de certa

forma, tem que ser referenciado até o fim do texto, mas será misturado a outros subtemas, que farão parte das argumentações discursivas e que vão gravitando em volta do tema central. Dessa forma vai-se mantendo o assunto no fio do discurso e compondo o texto, a “tessitura”. No caso da perícope de Dt 6.1-9 o tema central possui uma moldura em seu entorno. Os subtemas são referentes à guarda dos mandamentos, estatutos, juízos, e ocorrem juntamente com os conceitos antropológicos e outros indicadores de coesão como artigos, conjunções e os verbos “ouvir” e “guardar”, que gravitam em torno do centro que é o tema do javismo, a unicidade de YHWH.

através desta moldura. No desfecho da perícope retomam-se os elementos anunciados desde o início.

O movimento de aproximação dos entornos para o centro continua. No vers. 8 “E as atarás”... refere-se às palavras, aos mandamentos e estatutos que foram pronunciados no início. Estes se desenrolam no decorrer do texto como elementos de progressão textual coesiva. Um exemplo é a palavra que ocorre no vers. 2: “para guardar”.

O verbo indica a guarda dos mandamentos, estatutos e juízos que aparecem no início da perícope, sendo que no desfecho os mesmos devem ser fixados nos umbrais das portas, e no vers. 8 devem ser “como sinal sobre a tua mão” e “como sinal sobre os teus olhos”. No vers. 7 os mandamentos, estatutos e juízos anunciados no início da perícope, no vers. 1, posteriormente retomados no vers. 2 para serem guardados, são ordenados para que sejam “inculcados aos filhos”.

Deste modo mais uma vez nos aproximamos ao centro da perícope através da ligação dos termos com o vers. 3: “E ouvirás Israel e guardarás... Neste caso encontramos mais alguns elementos de coesão na narrativa.

Marcas na progressão do enredo nos indicam que a perícope é bem estruturada. Umas destas marcas é o entrelaçamento e a ordem das informações contidas no texto, como também a sua progressão na ordem dos acontecimentos. Os indicadores de coesão que fazem parte do desfecho e do índice no início da perícope estão conectados dentro de uma estrutura lógica que propõe uma solução, uma saída, um desfecho para os problemas enfrentados no passado e os desafios do futuro.

No vers. 6 os elementos de coesão aparecem, porém agora as palavras devem ser fixadas “no coração”. Assim, nos aproximamos do centro da perícope conforme a nossa proposta desde o primeiro capítulo desta pesquisa. Defendemos a hipótese de que o centro do texto encontra-se nos versos 4 e 5.

A perícope possui coesão do ponto de vista de uma análise linguística-bíblico- antropológica.46

46 O ser humano convocado a guardar os mandamentos é visto de forma integral na perícope de Dt 6.1-9.

Palavras como néfesh e lev demostram tal coesão antropológica por auxiliarem na descrição do ser humano como um todo.

O narrador traz consigo estes pressupostos que remontam a antropologia semítica e o pensamento estereométrico-sintético. Esse modo estereométrico-sintético de pensar determina o espaço vital do ser humano mediante a citação de órgãos característicos, descrevendo desse modo a totalidade do ser humano. Deste modo a concepção estereométrica-sintética pressupõe uma visão integrada, holística, ou seja, uma visão de conjunto dos membros e órgãos do corpo humano, juntamente com suas funções e características. O membro nesse caso é visto juntamente com a sua função. Deste modo quando se fala de

O mandamento do amor a Deus colocado de forma imperativa através do shema Israel remonta ao decálogo do capítulo 5 que traz consigo também a exigência do amor ao próximo. O amor ao próximo não se restringe a uma abstração afetiva mas se concretiza na prática da justiça e da solidariedade. Quem ama o próximo não furtará os pertences do próximo e nem tomará a esposa do próximo por mulher. Amar ao próximo é respeitar os seus próprios limites como também do seu irmão, o pobre. Desta forma podemos identificar pontos de contato entre nossa perícope e o decálogo, ou seja, situando o nosso texto num contexto mais amplo encontramos uma estrutura 5-28 delimitando o texto por uma espécie de moldura que envolve os relatos, imprimindo também à nossa perícope características próprias e peculiares principalmente no tocante aos vocábulos antropológicos.

Portanto podemos compreender a estrutura de Dt 6,1-9 como um tecido. Os fios se encontram entrelaçados e amarrados dando coesão à tessitura como um todo. No início da perícope a expressão “e estes” se encontra conectada aos “mandamentos” que ocorrem juntamente com os artigos e conjunções, pois os mesmos aparecem aglutinados através da expressão: “os mandamentos, os estatutos e os juízos”. Na sequencia toda o desenrolar do tecido é mera continuidade tornando a sequencia dos eventos cada vez mais amarrados. “Portanto”, “consequentemente”, “temerás ao YHWH teu Deus”, ou seja, após ter acesso aos mandamentos os israelitas devem temer e guardar as

néfesh se pensa no órgão “garganta”, juntamente com a sua função, ou seja, “órgão da respiração”. Sendo assim a vida como um todo se encontra na garganta “néfesh”. Do mesmo modo pensa-se no coração juntamente com suas funções, logo a vida como um todo passa pelo coração e está comprometida com ele. Tamanha importância estes vocábulos possuem no pensamento semita, que às vezes são trocados por pronomes. Tanto néfesh como lev abarcam o ser humano em sua totalidade. Sobre o pensamento estereométrico sintético conferir: WOLFF, Walter, Hans. Antropologia do Antigo Testamento. Edições

Loyola, São Paulo, 1983. A ilustre obra de Hans Walter Wolff possui como objetivo principal remontar a

visão holística de ser humano descrita no Antigo Testamento. Isso ocorre num período de desilusão com o próprio ser humano, principalmente na Alemanha devido às atrocidades das grandes guerras, especialmente (1914-1918). Neste período surge a crise seguida do questionamento do ser humano acerca de si mesmo: O que vem a ser o ser humano? Porque o progresso das ciências e da técnica não nos conduz unicamente à claridade, mas também nos lança sempre em trevas? Porque o abuso de conhecimentos e métodos científicos tomam formas ameaçadoras, não só nas práticas das ciências naturais, mas também nas chamadas ciências humanas? Porque pesquisas como a medicina, a química, a farmácia, a psicologia e a teologia que proclamam a sua vocação humana começam a se esquecer do ser humano? Oportunidades de lucro, primazia da razão e da técnica, o individualismo exacerbado, planos e estatísticas desviam o olhar do ser humano moderno acerca de si mesmo. É importante destacar também os acontecimentos e as atrocidades no nazismo. Durante e após os equívocos cometidos nesse período alguns investigadores encontraram um meio de remontar uma antropologia a partir da Bíblia. O principal teólogo a chamar a atenção para o lugar em que o ser humano poderia verdadeiramente ser compreendido foi Karl Barth, referindo-se às escrituras do

Antigo e Novo Testamento. A Bíblia seria o lugar de encontro do ser humano com Deus, segundo Barth, nesse período. O ser humano havia se tornado um enigma. Em todos os ramos do saber surgiram pesquisas no intuito de investigar os conceitos antropológicos.

prescrições que ainda serão anunciadas. “E ouvirás Israel”, e guardarás para cumprir... Mais uma vez o narrador desperta a atenção dos seus ouvintes no intuito de orientá-los com toda a diligência e o cuidado devido. Novamente os fatores de coesão aparecem dando uma sequencia lógica. O israelita que ouvir e guardar para fazer tudo conforme lhe será ordenado estará obedecendo e fazendo o bem a si mesmo, para que “multipliques”, conforme falou YHWH Deus dos pais na terra que flui leite e mel. O ouvir e guardar, a observância, e a obediência aos mandamentos no caso do deuteronômio, são seguidas de uma recompensa. Mais uma vez os israelitas são convocados a “ouvir”, no caso no vers. 4 onde o verbo aparece como indicador de coesão, pois dá sequencia ao que consideramos um dos fatores teológicos relevantes na nossa perícope, “o ouvir”, “o atentar para guardar os mandamentos”: Ouve Israel, YHWH é o nosso Deus YHWH é um!

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