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3. Análise do Contexto Histórico (Macro-Estrutura)

3.1. Local, Data, e Contexto

A historiografia do livro dos reis de Israel nos apresenta um quadro histórico das reformas realizadas no templo de Jerusalém. Isso ocorreu por volta do ano 622 a.C. por conta da descoberta do livro da Lei.

Este livro da Lei, quando achado, trouxe imenso despertamento para o rei Josias que ao tomar conhecimento do seu conteúdo, rasgou as suas vestes e enviou

os seus súditos para que consultassem uma profetiza chamada Hulda. A resposta veio através de dois oráculos:

O primeiro se referia à desgraça de Jerusalém e de seus habitantes, e o outro se referia à sorte do rei.

A partir disso o rei Josias reuniu o povo e leu diante dele o livro da Lei. Tendo feito isso o rei se comprometeu publicamente em comprir, fazer tudo o que estava prescrito no livro.

Após esse pacto empreendeu um projeto de reforma em todo o seu reino. Esta reforma é denominada de reforma deuteronômica.

Visto que tal empreendimento recebera tal intitulação cabe a nós sabermos até que ponto o livro do Deuteronômio verdadeiramente contribuiu para que acontecesse essa reforma.

No livro de 2 Cr 34-35 encontramos uma narração distinta. Esta nos conta que Josias no oitavo ano de seu reinado decidiu em seu coração procurar o Deus de Davi seu pai, e no décimo segundo ano iniciou um projeto de reforma. Seja qual for a historicidade desses relatos que inclusive tem sido motivo de debate entre exegetas, uma coisa os especialistas não negam: O livro da Lei ou Deuteronômio está estreitamente vinculado à reforma de Josias ou reforma deuteronômica.92

Porém é muito importante frisarmos que não é possivel descrevermos uma relação perfeita do livro da Lei encontrado no templo e o livro do Deuteronomio atual como se encontra moldado. Semelhante aos demais livros da Bíblia Hebraica, o Deuteronômio é fruto de “longo processo de elaboração”.93 Certamente passou pelo crivo de interpretações, foi submetido a revisões e atualizações durante séculos. Além do mais considera-se a hipótese de uma mão final ter polido o texto dando a forma atual como se apresenta. Mas aqui nessa abordagem não iremos nos ater muito às etapas, mas apenas iremos delimitar em duas fases:

A primeira, a fase anterior à Josias quando o livro do Deuteronômio talvez fosse uma espécie de coleção de leis que compreende os capítulo 6-28.

A segunda, a fase após Josias, à qual pertencem os capítulos 1-5 e 29-34. A partir de então pode-se afirmar que o Deuteronômio perdeu sua autonomia. Isto porque recebera inchertos, acréscimos posteriores, no caso os

92 LOPEZ, Garcia, Félix. O Deuteronômio. Uma lei pregada. Ediçõs Paulinas, São Paulo,1992. p. 7. 93 Idem. p. 8.

capítulo 1-5 e 29-34, e também fora colocado como quinto livro do pentateuco, ou seja, como ponto final.

O Deuteronômio é um emaranhado, uma mescla de tradições. Tradições primitivas dos quatro primeiros livros da Bíblia Hebraica se encontram fundidas nele.

O Deuteronômio permanece intacto às exigências das principais tradições dos demais livros do Pentateuco e da História deuteronomista. Há muitas conexões entre o livro do Deuteronomio e as tradições expostas em outros livros da Bíblia Hebraica, adaptando-se e revisando-se no intuito de responder melhor às realidades concretas subjacentes da sociedade em desenvolvimento.

Outro aspecto muito importante no Deuteronômio é a relevância teológica

da unicidade de YHWH que se estende para outros campos.94 Um só YHWH, um

só povo, uma terra, um culto com suas respectivas características peculiares, um santuário, uma Lei, e um só coração, isto é, a pessoa deve amar a YHWH de forma integrada, única, sem divisas, sem reservas, sem espaço para outras coisas que ocupem o lugar central de YHWH na vida humana.

Assim como o templo foi centralizado, YHWH quer ocupar, morar no centro do ser humano.

Estes elementos e pressupostos se encontram entrelaçados como fios no texto tecido do Deuteronomio. São elementos que estão “costurados” formando um vasto tecido. O mandamento principal é o amor ao YHWH único, exclusivo, de todo o lev “coração”, de toda a vida e com todas as suas forças, posses.

O programa de reforma contido no Deuteronômio fora muito exigente, talvez por isso o rei Josias é considerado o único rei do qual se afirma em 2 Rs 23,25:

bv'Û-rv,a] %l,m,ª wyn"÷p'l. hy"“h'-al{) •Whmok'w>

tr:äAT lkoßK. Adêaom.-lk'b.W ‘Avp.n:-lk'b.W AbÜb'l.-lk'B. ‘hw"hy>-la,

`Whmo)K' ~q"ï-al{) wyr"Þx]a;w> hv,_mo

3 E antes dele não houve rei semelhante que se convertesse ao Senhor com todo o

coração, e com toda a tua alma e com todas as tuas forças, conforme toda a lei de Moisés, e depois dele nunca se levantou outro tal.

Conforme o texto bíblico acima, existe uma relação entre o Deuteronômio e o livro da Lei achado nos dias de Josias. E o próprio rei quem o diga, visto que se

tornou estereótipo de rei que fez “kol”, tudo o que estava escrito no livro, e isso de conformidade com os requisitos de Dt 6,4-5.

Mesmo diante de tais constatações defendidas por unanimidade entre exegetas, queremos deixar evidente que não discordamos da existência de pontos de contato entre o Deuteronômio e o livro achado nos dias de Josias, antes queremos afirmar que entre o livro da Lei e o Deuteronômio na forma final em que se encontra certamente existem processos de revisões, inserções e atualizações do Deuteronômio.

Por isso defendemos a hipótese de um deuteronômio exílico como resposta à pergunta pelo futuro de Israel que ainda se encontra cativo na babilônia esperando o cumprimento da promessa de retorno à terra. Portanto, situamos a perícope de Dt 6,1-9 no período do exílio, porém consideramos a hipótese de que Israel está prestes a entrar na terra. Poderíamos identificar alguns pontos, alguns fatores que nos reapaldam acerca de tal hipótese:

Primeiro: O discurso de Moisés pressupõe um ambiente de terras bem cultivadas e bem irrigadas.

Segundo: pela centralidade do tema da éretz “terra” no discurso.

Terceiro: o textos deixam entender que essa terra está para ser conquistada, mas pode ser perdida.

Esta terra é descrita pelo autor deuteronomista como bem regada, terra de fontes, de abismos, de água que brota das fontes e nascentes, montanhas e vales, terra que flui leite e mel com abundância, somada às riquezas agrícolas e comerciais. Porém o autor deuteronomista se preocupa em descrever os riscos que se corre diante de tal prosperidade. O fato é que, Israel não poderia se esquecer que YHWH foi o doador de todos esses bens. A descrição da terra se apresenta portanto, juntamente com as exortações. Tais admoestações, exortações, lembretes, nos fazem compreender que o povo esta sendo avisado, está sendo preparado para entrar na terra, ou seja, está às portas da posse da terra prometida aos pais. Por isso pensamos num discurso no exílio onde Israel está sendo preparado para herdar a éretz hatováh, a boa terra. Dá-se a impressão que o deuteronomista está relatando um ambiente concreto do qual ele tem diante de si, ou seja, uma comunidade agrícola próspera.

Através do bloco de Dt 6-28 entende-se que Israel vivia um período economicamente florescente. Defendemos portanto a hipótese deu um

Deuteronômio que passou pelo crivo de interpretação e revisão de redatores deuteronomistas no exílio. Estes revisaram o Deuteronômio pré-exílico tardio. Concordamos com Eckart Otto95 quando o autor afirma que o interesse dos autores deuteronomistas não é tanto o relato de acontecimentos referentes a um passado longínquo, mas as pessoas do tempo exílico da narração na qualidade de seus destinatários.

Com seu programa de uma comunidade integrada pelo culto sacrificial comum no templo ao lado do Estado, os autores do Deuteronômio pré-exílico possibilitaram a sobrevivência da população judaita como comunidade depois da perda do Estado na conquista pelos babilônios.

No ano de 612 a. C. Nínive fora conquistada por uma colisão babilônico- meda, e fora selado o colapso do Imperio Neoassírio, inaugurado já com a perda do Egito na época do rei assírio Assurbanipal. No entanto como o império babilônico em ascensão olhava para o Egito, Judá caiu novamente na dependência política. Uma primeira rebelião contra os babilônios levou em 598/597 a. C. trouxe a destruição da cidade de Jerusalém e do templo como a perda do Estado e da monarquia davídica. Agora o escrito programático do deuteronômio pré-exílico tardio podia desenvolver seu efeito. Os autores sacerdotais desse escrito libertaram a religião judaita da função da legitimação do governante ai atribuir somente a YHWH o direito de exigir lealdade absoluta e ao negá-lo, consequentemente, ao Estado. Inicialmente esse ato de secularização do Estado voltava-se contra o poder hegemônico assírio e estava vinculado à imagem idealizada de uma comunidade que vive como irmãos e irmãs ao lado do Estado, que estava integrada por meio do culto comum no templo como o santuário central, um templo que já não era meramente a capela palaciana. Isso possibilitou o passo para a resolução ideal da situação após a perda do Estado, algo que explica a longa história de recepção que o deuteronômio desenvolveu após a catástrofe neobabilônica de 587/586. Junto à cidade de Jerusalém como a sede de YHWH, o Deus real, ao templo como seu palácio e ao rei davídico como seu ungido, estavam destruídas as instituições que tinham funcionado quase meio milênio, desde o tempo de Davi e Salomão. Por isso precisava-se agora de uma nova localização do programa deuteronomista. Esta

se encontrou com a narrativa de uma origem ideal de Israel, vinculada à Moisés como o líder do povo e o intermediário da revelação.

No fim do período pré-exílico Moisés havia recebido uma caracterização de antítipo ao imperador Assírio.

O escrito sacerdotal redigido simultaneamente ao deuteronômio exílico- deuteronomista e concorrente dele, tinha tomado o tempo de Moisés como a meta de sua narração.

Dessa maneira autores deuteronomistas elaboram no exílio na Babilônia uma releitura do deuteronômio pré-exílico tardio ao deslocar a montanha de Deus para o deserto e ao nomeá-lo Horeb, à diferença do escrito sacerdotal que a vinculava ao nome de Sinai. Eles declararam como origem do Deuteronômio a revelação divina no Horeb, intermediada por Moisés e o declararam ratificado com a conclusão da aliança na montanha de Deus. Por meio do “Shemá Israel”, da pericope de Dt 6, 1-9, os autores

exílico deuteronomistas antepuseram à abertura do Deuteronomio pré-exílico tardio a nova localização do deuteronômio na montanha de Deus, em Deuteronomio 5.96 Diante do breve quadro histórico que relatamos acima podemos perceber que a centralidade teológica do Deuteronômio se encontra no na fé individa em YHWH. Conforme mencionamos anteriormente YHWH quer ocupar o centro do ser humano, ou seja, o centro das atenções, o centro das emoções, o centro de toda existência. Por falae em centro, há controvérsias entre exegetas acerca do significado do vocábulo lev como centro. De fato é importante recordarmos que o lev é reivindicado pelo deutronomista de forma integral, ou seja, de todo o coração. Visto que tal vocábulo possui tamanha importância para a teologia do Antigo Testamento e também é objeto de nossa pesquisa, no próximo capítulo iremos nos ater a ele, analisando com mais afinco na perspectiva de vários autores.

CAPÍTULO III

UMA ANÁLISE DO VOCÁBULO LEV NO ANTIGO

TESTAMENTO

1. Delineação do campo significativo do vocábulo lev no Antigo

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