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1.2 A conjuntura mato-grossense

1.2.3 Como era a Província de Mato Grosso

Com a abertura das vias para a navegação após a Guerra do Paraguai, a província decolou economicamente. Saíam da província, em sua maioria, materiais de origem animal e chegavam os mais diversos utensílios. O avanço econômico propiciou também a presença de imigrantes na região. Em sua maioria, italianos, turcos e paraguaios.

Outro produto que era exportado e ajuda economicamente a província é a erva-mate, que era levada para a Argentina e industrializada. A família Murtinho era uma das grandes que investia neste negócio. Muitos dos trabalhadores da extração do mate eram imigrantes.

O látex, extraído das mangabeiras e seringueiras em Mato Grosso, também se tornou fonte de crescimento econômico na província, tal como a produção de açúcar pelas grandes e muitas usinas por toda a sua extensão. A pecuária é outro ponto forte e dá bases futuramente à sustentação de Mato Grosso como estado federativo. A ferrovia Noroeste do Brasil permitiu ao mercado pecuário o crescimento, fomentando regiões por onde as paradas eram obrigatórias.

Sobretudo no período final do Império, a mão de obra já não conta muito com a presença de escravos negros, inibida também pelas leis abolicionistas. Mas um ponto marcante da história africana em Mato Grosso é o número considerável de quilombos construídos. A presença deles na província data desde os tempos coloniais. Durante o período imperial, a ala

escrava era dividida entre os que moravam nas senzalas dento das fazendas, os que eram ocupados com as produções e os domésticos.

Os quilombolas, escravos fugitivos, formaram quilombos na região do Rio Guaporé, em Vila Bela da Santíssima Trindade, na região de Chapada dos Guimarães, às margens do Rio Manso, Paranatinga e várias outras localidades. Estes espaços, que eram abrigos não somente para negros, mas índios e brancos pobres, foram constantemente perseguidos na tentativa de destruição, tornando-se ponto de permanência da camada mais baixa da sociedade.

Sobre a imprensa, antes do primeiro jornal em Cuiabá, os mato-grossenses tinham seções em um jornal goiano. Após a decolagem dos primeiros impressos, Cuiabá contou com cerca de 17 periódicos em todo o período do Segundo Reinado. Um jornal surge em Cáceres e cinco em Corumbá (CALHÁO et al., 1987).

Na educação, duas grandes instituições fundadas no período se destacam: o Seminário Episcopal da Conceição, de 1858, que além de formar clérigos, também oferecia ensino secundário preparatório para universidades; e o Liceu Cuiabano, de 1879, de ensino público e secundário, visava à formação de professores (SIQUEIRA, 2000).

A religião católica era palco de parte das relações sociais. As irmandades dos santos se uniam para eventos, missas, festas dos padroeiros, entre outros. As mais importantes na época eram as irmandades do Senhor Bom Jesus, da elite branca; a da Boa Morte, com mestiços elitizados; e a de São Benedito ou Nossa Senhora do Rosário, com negros pobres. Havia também irmandades que não prezavam pela distinção de cor e eram de camada média da população, como as de São Francisco de Paula e de São Gonçalo.

Grande parte do que se sabe sobre a cultura e costumes de Mato Grosso nos períodos de império é devido aos relatos de viajantes que por tais terras passaram. Foram muitas as expedições que tiveram como destino ou trajeto a província, do início ao final do período. Estrangeiros de muitos países, como Bélgica, Alemanha, Estados Unidos, França, Rússia e Áustria. Uma das mais importantes foi a Expedição Langsdorff, encabeçada pelo russo Grigori Langsdorff.

Sobre alguns costumes dos cuiabanos e a demografia da cidade, um membro da Expedição Langsdorff, Hercule Florence, ainda no período do Primeiro Reinado, descreve:

[...] Quando chove, as crianças entretêm-se em procurar ouro no meio das ruas, porque nos regos d’água que se formam descobrem sempre algumas palhetas. [...] A população não passa de 6.000 habitantes, a de toda a província de 30.000, sem contar os índios mansos e muito menos os bravios. [...] As mulheres de classe média e sobretudo inferior, são muito livres nas suas conversas, modos e costumes. O rio é

farto de pescado, sobretudo de junho até fins de dezembro. Então é o alimento principal do povo. (FLORENCE apud SIQUEIRA, 2017, p. 139).

Outro expedicionista, o português Joaquim Moutinho, traz sérias críticas à sociedade escravocrata da época, em 1869:

E se o Brasil banir a escravidão: se conhecer que um homem não deve ser escravo de outro [...] perece de fome a província de Mato Grosso? Há de perecer… Seu principal defeito é a preguiça, é a indolência. (MOUTINHO apud SIQUEIRA, 2017, p. 140).

Franz van Dionant, em expedição belga na primeira metade do século XIX, critica, por sua vez, a vestimenta dos cuiabanos mediante um fator que já era preponderante - o calor:

É ridículo de se ver, a quarenta graus à sombra, passear enluvado, vestido de rendigote negro, a cabeça coberta por um chapéu [...] e cachecol no pescoço, os passantes que este calor de fornalha incomoda. (VAN DIONANT apud SIQUEIRA, 2017, p. 142).

O alemão Karl von den Steinen, que veio para Mato Grosso no fim do período imperial, descreve que em Cuiabá não havia edifício arquitetônico, as construções simples, e a tranquilidade pairava, mas toca no fato do mato-grossense ser um povo pobre.

Os cidadãos cuiabanos são dotados de certa indolência e mesquinhez. [...] Apesar do ouro da terra e dos diamantes nos rios, o mato-grossense é pobre, falta-lhe necessária mão-de-obra, assim como a suficiente disposição para o trabalho. [...] As perspectivas do homem cuiabano são muito piores do que ele mesmo pensa… Não se habita impunemente o centro de semelhante continente. (STEINEN apud SIQUEIRA, 2017, p. 143).

Por outro lado, Steinen cita ainda um pouco daquilo que hoje se conhece por cultura mato-grossense.

Não é possível que haja uma outra cidade no mundo onde se toque mais música, se dance mais, se jogue mais baralho do que aqui. [...] A vida social é o lado agradável de Cuiabá. Uma festa resgata a outra, e em toda parte se é bem acolhido. Ao fazer-se uma visita, pela manhã, recebe-se, como oferta, um cálice de licor [...]. Convidam para almoçar. Por parte do arranjo doméstico é simples. [...] As visitas que fazíamos à noite passavam-se num ambiente fresco e agradável. Abundância de cerveja e muita música. [...] Em geral, todos, pequenos e grandes, homem e mulher tinham paixão por doces, que sabiam fazer bem, provavelmente por os apreciarem tanto. (STEINEN apud SIQUEIRA, 2017, p. 143).

A partir do entendimento da sociedade, política, cultura e economia brasileira do século XIX, é possível entender a província de Mato Grosso. Distante do centro político e administrativo do país, a província não se distanciava, entretanto, das decisões, os reflexos do que aconteciam na capital, ecoavam. Dessa forma, criava-se seu cotidiano, suas histórias, sua

sociedade, desse meio há a presença do jornalismo, que, como se verá a seguir, não se diferenciava do que era o jornalismo apresentado no restante do país, mas tinha suas particularidades.

CAPÍTULO II

O JORNALISMO BRASILEIRO E MATO-GROSSENSE NO SÉCULO

XIX

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