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Como estudar a gestão ambiental participativa?

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A partir do decreto das UCs, seus gestores – denominados “chefes” –tornam-se os agentes institucionais de uma política territorial que atende a interesses, comumente, não conflitantes, mas sim negociáveis – em suas diversas escalas. Sob sua tutela, se encontra, habitualmente, capaz de identificar percepções e valores que não são detectados em documentos escritos conjunta e racionalmente.

21 O movimento ambientalista pode ser identificado na ecologia política de Bruno Latour e Arturo Escobar. Na

leitura de Loureiro e Azaziel (2006), o esgotamento da base de recursos vem se dando justamente devido à dinâmica capitalista (expansionista e destrutiva), ocasionando a preocupação, por certos grupos sociais, com a preservação de determinadas áreas. Estes autores se baseiam em DIEGUES, aput OLIVEIRA (2003), quando afirmam que a “crise da conservação” é suplantada por fatores decorrentes da lógica moderna, como “os graves conflitos fundiários; a inadequada noção de fiscalização (...); as políticas de favorecimento dos grupos que dominam e ocupam os governos (...)”.

32 uma equipe técnica que reproduz o conhecimento científico legítimo, e despreza outras formas de conhecimento.23 As condições em que se insere a gestão contemporânea de áreas protegidas no Brasil são, portanto, formadas por um processo histórico que deve ser minimamente delineado, a fim de se melhor entender as diferentes visões, ações e reações, no interior da sociedade, relacionadas à conservação da natureza. Deve-se ter em mente, de início, que “gestão” por si só se trata de um conceito problemático, já que originalmente ele se refere ao domínio privado, sendo então importado pela administração pública. Por isso, essa terminologia está associada, necessariamente, à questão da propriedade, que daria o direito de “degradação” aos indivíduos. Ao mesmo tempo, a noção de propriedade privada vem ganhando novos termos ao longo da consolidação de sua função social. O movimento ecológico trouxe o valor coletivo para os recursos naturais, que passaram a compor os direitos difusos no âmbito jurídico, sendo regulamentados pelo Estado. Esta concepção esbarra diretamente na propriedade da terra garantida pela constituição, que é justamente o direito de uso dos recursos presentes em uma área pelo seu proprietário. Assim, esta “gestão” dos bens coletivos assumida pelo Estado se dá através de regulamentação legal que confere deveres e limites aos proprietários, ficando estes com a responsabilidade pela manutenção da integridade de determinada parcela dos recursos comuns. A partir daí, cada recurso é coberto por uma norma diferenciada, o que ocasiona maior complexidade para a gestão do “meio ambiente” como um todo, ficando alguns como patrimônio público, outros como privado e, os demais, como comum. Isto é agravado pelo fato de quase todos os recursos apresentarem características que os enquadrariam em mais de um tipo de cobertura normativa, decorrente da natureza dinâmica destes bens (solo, água, floresta, atmosfera etc.), que se afetam mutuamente, não sendo possível a divisão clara entre eles. (RESENDE, 2000, p. 41-44)

É neste ínterim que entra a gestão de espaços protegidos, que podem ser de domínio público, particular ou intangível - no Brasil, sempre regulamentados pelo Estado e manejados pelo próprio ou por formas privadas (sejam elas individuais ou coletivas). As últimas normativas, no entanto, vem dando teor de bem comum a esses reservatórios de recursos naturais (energéticos e genéticos), instituindo fóruns de gestão que congregam, teoricamente, todos os setores da sociedade. Não quer dizer, exatamente, que esses ambientes de abertura da administração público-privada sejam espaços de gestão, mas sim de controle social das ações dos organismos gestores, em que os participantes tem a oportunidade de conhecer e dar opiniões sobre seu trabalho. Em níveis variados, a sociedade civil consegue mostrar também seus projetos e interferir nas atividades que lhe ficam visíveis (por motivos também diversos).Muitos trabalhos científicos vêm relatando e analisando a condução de políticas de gestão participativa de UCs, tentando avaliar se comportariam ações realmente transformadoras. Aqueles que não questionam o modelo de desenvolvimento, não considerando minimamente a natureza histórica dos conflitos existentes entre conservação, atividades socioeconômicas e o componente cultural, em seu escopo mais amplo, terminam por concluir que os processos decisórios são participativos levando em conta apenas os critérios do SNUC (representatividade e participação) e os divulgados pelo PNUD (legitimidade e voz). Eles se valem majoritariamente de parâmetros quantitativos para analisar a efetividade da gestão participativa das UCs, ajustando-os de acordo com as porcentagens exigidas em lei, sem relativizar as mesmas. Outros trabalhos que tentam romper com os paradigmas epistemológicos, porém, aprofundam a questão socioambiental de maneira crítica, fazendo avaliações desde a adoção de determinadas normas, até a sua aplicação. Este esforço faz parte de uma conjuntura do pensamento científico que deseja ser alternativo ao

23 Este processo pode ser reconhecido na teoria de Santos (2007) sobre a “ação científica”, onde raramente esta

passa por uma “previsão de suas conseqüências”. Essas conseqüências, para ele, causariam muito mais ruído, justamente por não serem consideradas tão “científicas” quanto as ações científicas, pela ciência moderna.

33 convencional, experimentando uma aproximação do conhecimento teórico com a realidade concreta (sociedade), ao mesmo tempo em que ganha autonomia em relação a ela. Isto esbarra inclusive numa relativização semântica da construção dos conceitos - como o desenvolvimento sustentável, por exemplo - que acabam sujeitos às relações de força da sociedade. O pensamento hegemônico quer lançar ações de desenvolvimento em acordo com o “fundo sociopolítico de suas orientações teóricas”, legitimando a ordem social vigente. O pensamento alternativo teria a intenção de transformá-la(KHUN, 1962 apud GUZMÁN, 2009, p.20). Por isso, o desenvolvimento sustentável lançado pela CMMAD através do Relatório Brundtland, em 1987, contém profundas contradições, propondo mudar o curso dos fatores que ocasionaram a crise ecológica sem alterar as relações político-econômicas entre e dentro dos estados. Tais contradições são resultado de trabalhos científicos encomendados pelos governos mais influentes e modificados a fim de serem operacionalizados pelos agentes internacionais dos organismos legitimados pela articulação transnacional. Desta forma, este conceito e outros surgidos nas últimas décadas – gestão participativa, inclusão social, economia solidária – se tratam de terminologias em disputa, que costumam dar conta mais de ações reformistas do que de uma condução transformadora de realidades, devendo ser analisadas de perto para entender sua capacidade de mudanças na sociedade em questão. (GUZMÁN, 2009, p.24)

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