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Os Mosaicos de Áreas Protegidas no Brasil

No documento Download/Open (páginas 55-57)

Analisaram-se documentos (documento do projeto de fortalecimento dos mosaicos da serra do mar, diagnóstico e planejamento estratégico do MCF, e atas de duas reuniões do conselho gestor do MCF) referentes à política de Mosaicos no Brasil, especificamente ao Mosaico da Mata Atlântica Central Fluminense – MMACF -, e eventualmente a algumas das Unidades de Conservação – UCs - que formalmente fazem parte do mesmo. A finalidade foi encontrar registros da participação da sociedade civil nos espaços de gestão das UCs, identificar os atores envolvidos e quantificar as representações deste setor nos pleitos de decisão. Além disso, buscaram-se apontamentos referentes à inclusão de populações de entorno na gestão das UCs, assim como sobre a valorização de atividades locais nos planejamentos sobre uso e ocupação do território, atendendo à diretriz de desenvolvimento associada à instância Mosaico.

No último documento publicado (agosto de 2010) para “Reflexões e propostas da cooperação franco-brasileira” para MAPs, denominado “Série Áreas Protegidas”, do MMA, da Embaixada da França no Brasil e da UNB, afirma-se que “uma proposta de governança territorial envolve processos mais amplos do que a simples gestão integrada entre gestores, voltada, geralmente, para minimizar ativos administrativos na gestão das UCs. Ela envolve a criação de espaços-fóruns representativos, que possibilitem o pleno debate, a tomada de decisões e pactuações entre os atores de um determinado território.” Este discurso apresenta tom crítico a respeito da legislação brasileira, já que esta prioriza a gestão integrada entre os técnicos, e não detalha a participação em termos de espaços decisórios. Isto estimula o esforço, por parte dos gestores, em obter consensos dentro dos ambientes de decisão. Esse processo participativo negligencia a premissa de que a sociedade não é apenas o lugar da harmonia, mas, sobretudo, o lugar dos conflitos e confrontos que ocorrem em suas diferentes esferas (Cozzolino e Irving, 2004). A legislação ambiental quando se refere à “solução de conflitos”, revela uma diretriz ingênua que pode levar a interpretações errôneas pelos gestores de UCs, pois certamente as decisões refletirão valores e interesses de grupos imbuídos de maior poder. Deve-se ter em mente a diversidade de atores envolvidos e/ou afetados pela implantação destes espaços e destas novas instâncias de gestão, assim como o rol de interesses e necessidades socioeconômicas dentro do território, a fim de se realizar processos os mais inclusivos possíveis.

Pimbert e Pretty (1997, p.197) definem sete tipos distintos de participação quanto ao grau e forma de participação: a (1) “passiva”; (2) “de extração de informações”; (3) “por consulta”; por (4) “incentivos materiais”; (5) “funcional”; (6) “interativa” e (7) “auto-mobilização”. Segundo os autores, o problema com a participação, usando os tipos 1 a 4, é que os resultados superficiais e fragmentados não têm impacto duradouro na vida das pessoas. Se o objetivo é alcançar a conservação sustentável, então nada menos que a participação funcional será suficiente. Neste ínterim, a cooperação franco-brasileira pode trazer um aspecto positivo, pois a experiência dos Parques Naturais Regionais franceses é um exemplo de processo originalmente participativo, já que estes espaços especialmente manejados só podem ser propostos pela coletividade que reside no território, e posteriormente são geridos por um Sindicato Misto reconhecido pelo Estado. “O sindicato misto é uma estrutura pública de governança em nível local (...)” que apresenta competências como “infraestrutura, educação, transportes, energia, meio ambiente”, e é composto por indivíduos das comunidades inseridas, em que as entidades são convidadas a participar, mas não tem direito a voto para a eleição dos

56 cargos administrativos. Obviamente que uma revisão destas experiências também deve ser realizada a fim de se compreender em que condições se dão e quais são seus resultados efetivos em termos de inclusão sócio-cultural.

O Relatório dos MAPs define o objetivo central dos mosaicos como “criar territórios de sustentabilidade”, sem definir precisamente o que seria essa sustentabilidade. Porém, logo após faz a seguinte afirmação:

As experiências de governança e mobilização social dos mosaicos de áreas protegidas descritas neste livro possuem múltiplos aspectos positivos a serem valorizados, como: governança multiescalar; flexibilidade na gênese quanto à participação social; simplicidade do processo de reconhecimento; criatividade no processo de mobilização social e de implementação”. (MMA, 2010)

Estes aspectos sugerem parâmetros para possíveis indicadores dos resultados a serem gerados da implementação de MAPs, que poderão ser adotados tanto em monitoramentos quanto em avaliações. É necessário, entretanto, levantar a conceituação utilizada pelos mentores do programa de cooperação técnica para tais terminologias, a fim de se chegar a análises mais consistentes, inferindo resultados ligados diretamente às metas dos projetos, e ensejando indicar possíveis caminhos e ações para melhoria do processo em longo prazo. Isto implica, pois, no ambiente ideológico em que as formulações básicas a respeito desse sistema de gestão são realizadas. “Os mosaicos surgem como possível instrumento de ordenamento territorial em áreas de conflito entre UCs de proteção integral e população local” (MMA, 2010, p.33). Mas o próprio documento afirma que a PNAP é um instrumento que

dialoga diretamente com a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), com o Acordo de Durban, do V Congresso Mundial de Parques, e com a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável do Povos e Comunidades Tradicionais (Creado, 2009), e avança conceitualmente, mesmo diante do insucesso na implementação de suas metas, para uma visão mais inclusiva, participativa e integradora para as áreas protegidas, contando, para isso com diversos instrumentos, inclusive o mosaico, o corredor ecológico e a reserva da biosfera. (MMA, 2010, p. 34)

Especialmente no capítulo sobre identidade e desenvolvimento territorial, faz-se uma citação interessante “As áreas protegidas devem ser encaradas como um instrumento portador de um potencial real para o desenvolvimento e inclusão social e não como um entrave aos processos econômicos e sociais” (GURGEL et al., 2009, p.69). Isto facilitaria os processos de governança e fomentaria a ideia de pertencimento a um território. Este seria o principal enfoque da Cooperação Técnica, procurando-se “trabalhar mecanismos de valorização dos produtos, serviços e saber-fazer, com base na força dos patrimônios culturais e naturais das áreas protegidas”. Esta é a principal premissa quanto à inclusão sociocultural, sendo que se trata de uma afirmativa muito vaga, aos moldes dos relatórios e normas técnicas. Os patrimônios naturais e culturais não podem ser considerados “das áreas protegidas”, tratando- se, elas próprias, de um elemento externo à dinâmica social local. Raramente, no Brasil, as UCs são propostas – e muito menos os processos de criação são conduzidos – pelas populações locais como um todo, ainda que sendo de forma representativa. Comumente, grande parte dessas populações ignora ou é excluída da elaboração (levantamentos e projeções) inicial das políticas ambientais, assim como não tem muito poder de influenciar a ponta, a operacionalização dos programas e projetos. Todos esses novos elementos são introjetados na sociedade em questão, podendo-se, portanto, questionar com vigor esta diretriz de identidade cultural, que facilmente pode levar à dominação por alguns grupos mais influentes politicamente. Esta fala não tem a intenção de descartar a possibilidade de se

57 alcançar resultados positivos em termos de emancipação social. Muitos agentes de políticas públicas têm a capacidade e a vontade de aplicar métodos pedagógicos que facilitem a inclusão de novos atores nos espaços de decisão.

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