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Os limites dos Conselhos Gestores

No documento Download/Open (páginas 33-35)

No caso da gestão participativa, deve-se ter bastante cuidado porque se trata de um conceito disputado por correntes ideológicas muitas vezes divergentes. Sua ideia apareceu num contexto político nacional de exacerbação do neoliberalismo concomitante e contradito pelo sindicalismo dos trabalhadores, sendo que cada qual reivindica a maior autonomia da sociedade em relação ao Estado com interesses diferenciados. Em geral, aqueles que fomentam a redução do controle do Estado em prol da economia de livre mercado, não são favoráveis a uma maior equidade social, não almejando, portanto, justiça e emancipação sociais (DAGNINO, 2004 apud FERREIRA, 2010, p.85). Com referência à gestão participativa de UCs, trabalhos acadêmicos vêm explicitando que, mesmo com a exigência dos conselhos gestores das UCs no SNUC, e com o lançamento de Portarias os instituindo em cada unidade, fica difícil alcançar a paridade entre poder público e sociedade civil se não se proporciona acesso à informação de qualidade sobre o significado dos espaços protegidos e suas implicações às populações do entorno dos mesmos. O conselho também se torna um mero protocolo se seus princípios de gestão democrática não são internalizados pela equipe gestora. Outros trabalhos apontam, ainda, que as razões para o desejo popular de participar de tais espaços decisórios é variado, indo desde o interesse pessoal até o fato de se tratarem dos únicos ambientes em que há oportunidade de fazer parte do sistema político regional.

Helena Catão H. Ferreira (2010), em sua tese em torno da dinâmica da participação no Parque Estadual da Ilha Grande, no Rio de Janeiro, descreve o Conselho Consultivo do Parque como uma ambiência de “ritual político”. Alguns hábitos corriqueiros são ressaltados como meio de sociabilidade entre os variados atores presentes às reuniões, enquanto outros existiriam para mudança ou manutenção de esquemas de dominação. A pesquisadora relata a ocorrência de reuniões prévias às reuniões de Conselho, em que a equipe gestora da UC programa as pautas e até mesmo prepara as respostas aos questionamentos já esperados, considerando que já conhecem os conselheiros, e detém certo controle sobre os convidados – sempre em busca do consenso. Isto faz transparecer a incompatibilidade do próprio termo participação com os esquemas de controle político baseado na técnica por parte do Estado,

34 sendo agravado pelo fato de ser a presidência dos Conselhos mais comumente ocupada por um gestor de UC.Estes procedimentos respondem a uma micropolítica cotidiana que atende a relações locais de poder atrelados muitas vezes a interesses pessoais nos esquemas políticos estabelecidos externamente. Com relação à representatividade dos diferentes setores da sociedade, a autora levanta a problemática da subjetividade tanto na escolha dos representantes quanto na sua atuação dentro dos espaços de decisão. Correntemente está sujeita a alianças políticas, parentesco e apadrinhamentos, não representando, na prática, o grupo como um todo. No caso dos representantes dos órgãos públicos, estes costumam se embasar em eixos normativos, ocasionando um formato de atuação mais consensual e isento dentro do grupo dos gestores. Apesar disso, ambos os casos de representação contêm ainda interferência de razões individuais, avaliação de custo-benefício e interesses particulares em se inserir no contexto da gestão ambiental.

Em um capítulo sobre o capital social, Resende (2002) explica que nas teorias sobre o desenvolvimento do Brasil, esta questão se baseia em duas correntes de pensamento, a culturalista e a sociológica, em que a primeira está associada à interpretação da governança brasileira por autores consagrados, como Euclides da Cunha, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, “segundo os quais provém da herança lusitana o personalismo e falta de organização coletiva”.A corrente sociológica prioriza a representação através de atores sociais e o estudo das estruturas de poder. Na política ambiental, relacionar-se-iam diversas características: “elitismo, autoritarismo, burocratismo, legalismo, bacharelismo, clientelismo, patrimonialismo”, que colocariam em cheque uma ação completa de Estado. (RESENDE, 2002, p.34) Aqui se considera que estas duas maneiras de olhar a governança local detêm o mesmo objeto e são mútuas, não havendo como entendê-las em separado. Para isso, pode-se utilizar o termo sociocultural, com a intenção de tornar inteligível o campo de análise, mas sem atrelar-se criticamente ao próprio conceito, que por si só, estabelece uma relação epistemológica dicotômica.

Esta questão, pensando nas inserções de Foulcaut (1972), é ainda bastante desconhecida, devido à complexidade das relações entre desejo, poder e interesse. Este autor afirma que nem sempre aqueles que exercem poder são quem tem interesse nele, assim como muitos que tem interesse, não o exercem, e a nuance entre interesse e poder passaria pela noção de desejo do poder. Segundo o pensador, é possível se descobrir o modo como se exerce o poder a partir das teorias regionais descontínuas que se elaboram nas lutas localizadas. É uma problemática conceitual que implica num distanciamento entre as pré-suposições referentes à democracia participativa - homogeneidade de opiniões no grupo representado e consulta e repasse permanente das atividades do Conselho ao grupo – e a participação empírica – acusando a heterogeneidade dos grupos, até mesmo daqueles de abrangência limitada, a descontinuidade e desigualdade do acesso ao representante, movido por proximidade pessoal, e o gradual afastamento do representante de uma classe ou grupo social de seus representados, acabando por decidir algumas questões por conta própria. Este último fator se dá pela própria inserção do líder comunitário no grupo de conselheiros composto por gestores públicos, terminando por se tornar uma nova construção social. É comum este ator se configurar como um híbrido da gestão da UC e do coletivo que representa, muitas vezes se distanciando visivelmente dos anseios deste último e perdendo seu papel crítico diante dos técnicos ambientais, tornando-se mais um deles. (FERREIRA, 2010, p.96) Não se quer, com isso, deslegitimar estes fóruns como fundamentais instâncias de governança para a democracia participativa, mas apenas reconhecer sua fragilidade, a fim de tentar apontar soluções trazidas internamente dentro da própria experiência de atuação dos conselheiros.

Os conselhos gestores foram a grande novidade nas políticas públicas ao longo dos anos. Com caráter interinstitucional, eles têm o papel de instrumento mediador na relação

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sociedade/Estado e estão inscritos na Constituição de 1988, e em outras leis do país, na qualidade de instrumentos de expressão, representação e participação da população. (GOHN apud TEIXEIRA ET all, 2010, p. 03)

A análise dos Conselhos, então, por si só, já possui uma riqueza em termos de construção sociopolítica, apesar - e justamente por causa - das relações de força empreendidas, que reforçam a dialética entre a manutenção da desigualdade no poder de decisão e o empoderamento de grupos marginalizados, dando abertura para uma construção crítica desses espaços públicos não exclusivamente estatais. O prejuízo social viria do fato de tais fóruns serem considerados suficientes para a inclusão da sociedade nos processos decisórios sobre os territórios e o uso dos recursos comuns, quando sabemos da problemática em torno da representação política dos grupos sociais. Ao mesmo tempo, eles demonstram a capacidade de inserir alguns atores anteriormente excluídos, aqueles representantes que participam do processo e acabam sendo ouvidos em determinadas temáticas, podendo nesse sentido se tornar um veículo para a maior inclusão de povos oprimidos.

Há, no entanto, outros espaços de inserção surgindo no âmbito das APs, como grupos de trabalho, encontros, oficinas e eventos que conduzem uma aproximação das populações de entorno das UCs de sua gestão. Ações pontuais de fiscalização e educação ambiental também são consideradas como momentos de encontro entre os dois grupos postos pela pesquisa. Por isso, o trabalho que se segue não quis se limitar ao espaço dos Conselhos Consultivos das UCs ou do Mosaico, estendendo a análise para a percepção tanto dos gestores quanto das populações sobre as possibilidades de diálogo entre os dois lados do jogo da conservação da natureza, identificando outras ambiências que proporcionam este encontro, além dos Conselhos.De qualquer forma, os Conselhos se configuram como a principal instituição atual,no contexto político brasileiro,de possibilidade para a negociação de novos contratos sociais entre a elite e os “interesses organizados da sociedade”. (RESENDE, 2002, p.33) A análise permeia, portanto, as inserções de diálogo social entre o grupo das populações residentes em áreas de influência das APs e o grupo das equipes gestoras de unidades de conservação, começando pelo olhar sobre os Conselhos, visto que configuram o primeiro espaço oficializado com intenção de diálogo direto.

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