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Como O Povo reage à estratégia de Cid: a relevância e o peso do

5.6 ANÁLISE DO DISCURSO de textos que fazem juízo de valor sobre as

5.6.3 Como O Povo reage à estratégia de Cid: a relevância e o peso do

Em alguns textos que abordam a estratégia de Cid, percebemos avaliações de jornalistas do O Povo a respeito da eficiência e pertinência dos sites de redes sociais como ferramenta de comunicação política. Verificamos uma variedade de interpretações que mostra não um consenso, mas diferentes formas de encarar o fenômeno.

Em 8 de setembro de 2013, a Coluna do Ombudsman, na época assinada pelo

jornalista Erivaldo Carvalho, é publicada com o título “Facebook, o pauteiro”. O contexto da

Coluna era a reforma no secretariado estadual anunciada por Cid, dois dias antes, via Facebook. Por se tratar de um texto bastante representativo do corpus, optamos por analisá-lo em blocos. O texto começa da seguinte forma:

Na última sexta-feira, publiquei o seguinte comentário na conta do ombudsman no

Twitter: “Jornalismo na rede: o dia em que o Facebook pautou os jornais de Fortaleza”. [...]. Cabe perguntar o seguinte: o que pode ter levado a mais importante

autoridade do Estado a fazer os anúncios via Facebook? O que aconteceu não encontra paralelo na história do Ceará; a novidade não é encontrada com tanta força Brasil afora; o governador tem gosto pelas novas tecnologias, pessoalmente, e no dia a dia do governo; nos últimos meses, Cid protagonizou inúmeras histórias cujo nascedouro foram declarações dele nas redes sociais; o chefe do Executivo é pioneiro na terrinha em papear com internautas nas plataformas online; [...] o Ferreira Gomes é pouco afeito à dinâmica da cobertura tradicional. Por último: Cid já declarou que não lê jornal (CARVALHO, 2013).

O jornalista provoca reflexões sobre um fenômeno que, segundo ele, não era comum no cenário cearense. Em comparação com outros textos analisados nesta seção, verifica- se aí uma mudança de tom. Cid, agora, é apontado como pioneiro, como responsável por um

comportamento inovador. A expressão “Não encontra paralelo na história política do Ceará” dá

a dimensão desse caráter de novidade. O destaque para as trapalhadas e para o aspecto polêmico das postagens dá lugar a um distanciamento analítico, mais focado na estratégia de Cid propriamente dita e em seus efeitos na comunicação política local.

É preciso ressaltar, ainda, a última consideração do ombudsman no trecho

destacado: a “mais importante autoridade do estado” já declarou “que não lê jornal”. Se

seguirmos a literalidade do texto, será difícil interpretar o sentido embutido nessa passagem. Tratar-se-ia, afinal, de uma crítica? De uma característica negativa, relacionada à desinformação, ao pouco apreço de Cid acerca do que é dito pela imprensa sobre o estado que

governa? Ou, pelo contrário, de uma característica que justificaria a afinidade e a preferência do ex-governador por canais alternativos de comunicação, a exemplo dos sites de redes sociais? À luz de pressupostos da AD, consideramos que as respostas se encontram nos seguintes trechos da colun:

Com base em tudo isso, respondo à pergunta sobre os motivos que levaram Cid Gomes a anunciar a reforma no secretariado via Facebook com outras perguntas. Ei-las: não estaria a mídia off-line perdendo prestígio efetivo para as redes sociais? Não estaríamos entrando em uma era em que não será mais preciso a tutela do papel e da tinta para sacramentar decisões de governo? [...]. Estaria este formato jornalístico sedimentado há décadas perto do fim? Por que o governador precisaria de intermediários se ele poderia falar, como falou, diretamente, para todo o mundo? A forma como o anúncio foi feito incomodou – alguns acusaram o golpe – o que só reforça a tese da perda de espaço (CARVALHO, 2013, grifos nossos).

O texto do ombudsman desafia o discurso de autolegitimação do Jornalismo que, conforme vimos em tópicos teóricos da dissertação, reivindica o papel de mediador da opinião pública e de porta-voz da sociedade para reforçar sua importância como campo. O autor da coluna faz, portanto, uma alusão à Formação Discursiva típica do Jornalismo, mas para questioná-la, tocando em pontos nevrálgicos para essa atividade – por exemplo, sua relevância em uma era na qual as mídias digitais ganham força na comunicação de lideranças políticas.

O ombudsman, como é próprio de seu papel, põe o jornal sob questionamento, propondo uma reflexão sobre suas funções e importância. Visão que contrasta com a que relataremos agora, encontrada no texto publicado em 8 de agosto de 2014, na Coluna Política.

Érico Firmo escreve sobre “A arena virtual e os meios consolidados”, no contexto da campanha

eleitoral de 2014. Trata-se de outro texto bastante relevante de nosso corpus, um exemplar significativo da interpretação do jornalista acerca do uso das mídias sociais como instrumento de comunicação política. Vejamos a íntegra da nota:

É inegável o peso que as mídias sociais têm na transformação das campanhas políticas. E, com particular ênfase, nessa eleição, quando alguns dos mais virulentos confrontos, como o que se viu entre Ciro e Gaudêncio Lucena, ou bons debates, como o que há agora entre Tasso e Cid, foram travados pelo Facebook. Porém, têm sido os veículos tradicionais os responsáveis por dar visibilidade a esse espaço, dando dimensão que os perfis virtuais de cada um deles não possuem, além de alcançar também os não-simpatizantes. Foi quando publicada no Blog do Eliomar e no portal O POVO

Online que muita gente se deu conta da “discussão”, digamos, entre Ciro e Gaudêncio.

E, embora Tasso tenha participado de bate-papo virtual, Cid informou que tomou conhecimento do teor na matéria que O POVO publicou. A resposta do governador veio pelo Facebook. Mas muita gente viu em matérias no portal O POVO Online.

Outros tantos estão tendo contato pelo jornal de hoje. Ou seja, as mídias sociais se consolidam, sim, como arena, mas a projeção que adquirem se multiplica exponencialmente quando repercutem em veículos de comunicação consolidados (FIRMO, 2014d, grifos nossos).

O texto procura apresentar elementos que demonstrem como o Jornalismo, on-line e impresso, mantém relevância e impacto mesmo no cenário de descentralização da produção de conteúdos e de consolidação dos SRS. O Facebook aparece no texto como uma ferramenta inferior, no que diz respeito à eficiência da comunicação. Em nossa análise, isso permite dizer que o jornal busca se reafirmar perante seu público, enfocando sua legitimidade e sua força no campo da comunicação.

O Jornalismo é apontado pelo colunista como capaz de multiplicar ainda mais a visibilidade do Facebook de Cid e de agendar o debate público. Destaque-se, porém, o contexto: a fala de Firmo surge após uma série de “virulentos confrontos” e “bons debates” que ocorreram fora da esfera midiática. Embora ainda seja comum adversários políticos “falarem através da

imprensa”, lançando-se críticas, respostas, ataques etc., os casos citados na coluna ocorreram à

margem das páginas on-line ou impressas de jornais. Não devemos discutir se o argumento de Érico Firmo se trata, ou não, de uma verdade, mas é interessante perceber a autodefesa e a tentativa de legitimação do meio jornalístico em tal situação.

Finalizando a análise, chegamos ao texto intitulado “A ilusão do poder na era do Facebook”, artigo e opinião assinado pelo jornalista de Política do O Povo Luís Henrique Campos. Destacamos a seguir os trechos em que o autor menciona a fanpage:

Para uns, anúncios [de Cid] como os da mudança do secretariado, ou o sorteio de ingressos para um show no Castelão, indicam desprezo em relação à liturgia do cargo. Outros veem como tentativa de se aproximar de um público, que, pelos veículos tradicionais de comunicação, o governador jamais atingiria. Não descarto as duas hipóteses. Mas prefiro entender as surpreendentes investidas de Cid Gomes como a de alguém que encontrou nas redes sociais a forma de se contrapor à solidão natural do poder (CAMPOS, 2013).

Notamos, no texto acima citado, a oferta ao leitor de mais de uma interpretação do uso do Facebook por Cid: uma que associa a iniciativa no ambiente on-line com a informalidade, a falta de apreço aos rituais exigidos de uma autoridade pública; outra que sugere um julgamento positivo, ligando a prática a uma estratégia de aproximação com o cidadão por meio de uma estratégia supostamente mais eficaz que o uso dos meios tradicionais; e uma

última, esta defendida explicitamente pelo jornalista, que considera a fanpage uma ferramenta conveniente ao momento político – segundo o jornalista, de dificuldade – atravessado pelo então gestor.

Temos, portanto, um apanhado dos principais pontos de vista inseridos nos textos

do O Povo, no que se refere ao destaque dado a temas polêmicos (mudança do secretariado,

sorteio de ingressos) e ao questionamento à eficiência da esfera midiática convencional na comunicação entre líderes políticos e seu público. O artigo de Luiz Henrique Campos coloca- se em meio-termo, optando por uma terceira via de interpretação. Porém, ao afirmar que “não

descarta as outras hipóteses”, não deixa de considerar discursos que parecem ter emanado de

uma reação do próprio jornal à novidade trazida por Cid ao utilizar, de forma tão peculiar, uma mídia social a seu favor.