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Sites de redes sociais como ferramenta de personalização da política: de que

Dentre as razões pelas quais tem havido adesão das lideranças políticas aos sites de redes sociais – nas seções acima, discutimos algumas, como a necessidade de aproximação com o público, a busca por alternativas aos enquadramentos da imprensa, a disputa por visibilidade etc. –, McAllister (2005) aponta que, em determinadas sociedades e sistemas políticos, o eleitor tende a simpatizar mais facilmente com a imagem exposta de um candidato do que com sua plataforma de campanha, pois o cidadão, em tese, prefere apoiar uma performance individual e pessoal a dar suporte a instituições abstratas, como um partido ou coligação, ou ideais.

Entrevistada para um estudo de Ferreira e Pinto (2011, p. 190-191), a cientista política Marina Costa Lobo afirma: “A forma como fazemos nossas escolhas políticas é emotiva, ou seja, eu gosto daquele candidato porque ele me inspira confiança. Porque ele preenche requisitos mentais que eu tenho sobre o que para mim é uma pessoa de confiança”. De acordo com a pesquisadora, a história de vida de um candidato, seus percursos, por exemplo, fornecem indícios ao eleitorado do que determinada figura faria se ocupasse o lugar para o qual

se candidata. “Os fatores pessoais que nós identificamos como sendo importantes são, eles próprios, políticos”, afirmou Lobo aos autores.

A situação apontada por McAllister e Lobo guarda relação com o fenômeno que queremos discutir neste tópico: o da personalização da política. Balmas e Sheafer (2015) mapearam alguns dos principais estudos e definições sobre o termo, que pode ser entendido, em síntese, como um processo no qual os líderes políticos ganham cada vez mais importância individualmente, em detrimento da centralidade de partidos, coletivos e instituições governamentais (ADAMS; MAIER, 2010; McALLISTER, 2005). Trata-se, portanto, de uma mudança no eixo de atenção saindo dos partidos e instituições e seguindo para os líderes políticos, individualmente (KRUIKEMEIER et al., 2013).

Balmas e Sheafer (2015) recorrem a uma tipologia proposta por Rahat and Sheafer (2007) ao explicar que há pelo menos três tipos básicos de personalização da política: institucional, comportamental (referente ao comportamento dos eleitores) e midiática – esta última de maior interesse da presente pesquisa. A personalização da política na esfera midiática, segundo Van Aelst et al. (2012), se daria de duas maneiras: na propensão dos media em cobrir mais os líderes políticos e menos as instituições e na tendência da imprensa de concentrar a cobertura em um número limitado de líderes.

Os autores acima citados propõem, ainda, uma distinção terminológica entre os

termos “personalização” e “privatização”, sendo este último uma subcategoria do primeiro.

A personalização se refere à concentração em atividades políticas dos políticos individuais, ao passo que a privatização se refere à concentração em sua vida pessoal. No contexto das campanhas eleitorais, a privatização envolve estratégias que enfatizam atributos pessoais em sobreposição às suas adequações políticas, realizações e metas (BALMAS e SHEAFER, 2015, p. 3, tradução nossa28).

É certo que, a se considerarem as definições gerais, a personalização da política está longe de ser um fenômeno novo; trata-se, na verdade, de algo tão antigo quanto o próprio poder. É o que Burke (1994) demonstra ao destrinchar o complexo sistema de fabricação da imagem do rei francês Luis XIV – que incluía produção e aquisição de obras de arte sobre o “Rei Sol”, peças de tapeçaria, medalhas e panegíricos que cultuavam a personalidade individual do monarca, além de um conjunto de rituais que faziam do cotidiano pessoal do rei uma verdadeira

peça teatral a encantar e a seduzir o público. “O poder já era personalizado no século XII. O

cardeal Richelieu e Luis XIV já empregavam ghost-writers para escrever seus discursos,

memórias e até cartas” (BURKE,1994, p. 210).

É o advento dos media de massa e o surgimento de novas esferas de visibilidade, porém, que vêm transformar e atualizar esse conceito.

A imagem dos governos atuais, e mais ainda dos regimes atuais, difere da de Luis XIV e de seus contemporâneos em sentidos importantes. A mais óbvia dessas diferenças é tecnológica. Luis era apresentado em público através da imprensa, de estátuas e medalhas, ao passo que os governantes do século XX apoiam-se cada vez mais na fotografia, no cinema, no rádio e na televisão. Os novos meios eletrônicos têm suas próprias exigências. A mudança de discursos políticos para debates e entrevistas, por exemplo, é um de seus efeitos. [...] A distância social foi abolida, ou parece ter sido (graças tanto à invasão das câmeras de TV como as escolhas conscientes). A ilusão de intimidade com o povo é necessária, a conversa, os apertos de mão intermináveis etc. (BURKE, 1994, p. 211-213).

É interessante notar que Burke (1994) propõe uma relação direta entre o advento das mídias eletrônicas e a necessidade de encurtamento da distância entre a autoridade e o povo.

28 Trecho original: “Personalization refers to focusing on individual politicians’ political activities, whereas

privatization focuses on their personal life. [...]. In the context of political campaigns, privatization involves strategies that emphasize the candidates’ personal attributes over their and their parties’ political suitability,

O autor se referia, principalmente, aos efeitos da televisão, que mudou drasticamente o modo de exposição dos políticos, levando suas imagens pessoais para dentro dos lares, aproximando- os virtualmente da população.

McAllister (2005) concorda com o autor ao afirmar que muitas das mudanças observadas no papel individual dos líderes políticos nas democracias estáveis foram resultado do crescimento da mídia eletrônica, principalmente da televisão, a partir das décadas de 1950 e 1960. A questão central, para McAllister, é o modo como a TV expõe os líderes, numa perspectiva fortemente imagética, causando impacto no modo como os cidadãos percebem e avaliam essas lideranças.

Além de perceberem o conteúdo dos discursos, os traços ideológicos, o público passa a mirar também a personalidade dos representantes e candidatos, em seus atributos pessoais e no modo como estes se coadunam como suas bandeiras ideológicas.

A concentração da televisão sobre a personalidade dos líderes políticos (...) tem várias explicações. [...]. Como comunica através de imagens visuais, é mais fácil para a televisão divulgar informações através de uma personalidade conhecida do que através de um documento ou uma instituição (Glaser e Salmon, 1991; ver também Ranney, 1983). Por sua vez, as imagens visuais exibidas para os telespectadores tornam mais fácil para eles desenvolverem um relacionamento com os políticos que veem na TV, e criarem empatia. Os espectadores podem colocar-se no papel dos indivíduos a que assistem, ou no papel de entrevistadores que os interrogam, e como consequência obter uma melhor compreensão de pontos de vista do político (McALLISTER, 2005, p. 7, tradução nossa)29.

Os autores acima citados enfatizam a televisão como agente crucial para a ênfase na personalização da política, discussão que, no atual contexto, merece ser estendida para outros suportes eletrônicos, como a Internet, em que se multiplicam as possibilidades de exposição dos personagens do poder político ao grande público, por meio de vídeo, fotografia, áudio ou texto, em blogs e sites de redes sociais com potencial interativo.

Kruikemeier et al. (2013) são autores que buscaram situar a personalização da política no contexto da Web, pontuando que:

29Trecho no original: “Television’s concentration on the personalities of the political leaders […] has several

explanations. The most obvious is in the way that television presents information to its viewers. Because of the way in which it communicates information through visual images, it is easier for television to disseminate information through a familiar personality rather than through an abstract document or an institution (Glaser and Salmon, 1991; see also Ranney, 1983). In turn, the visual images that are displayed to viewers make it easier for them to develop a rapport with the politicians they see on television, and to empathize with the goals that they espouse. Viewers may place themselves in the role of the individuals they see, or in the role of the interviewers

[...] o crescente número de políticos que usam novos instrumentos de comunicação on-line poderia ser visto como uma forma de “personalização” – a mudança de atenção dos partidos políticos para os políticos, especialmente desde que essas novas tecnologias da mídia são concebidas para facilitar a comunicação direta entre os políticos, e não entre partidos e cidadãos (KRUIKEMEIER et al., 2013, p. 54, tradução nossa)30.

Os sites de redes sociais podem ser explorados pelos líderes políticos como

ferramentas de “expressão do eu”, de gerenciamento de imagem e aproximação entre

representantes e representados (JACKSON; LILLEKER, 2009, 2011). Por meio deles, essas lideranças têm tentado ampliar a comunicação direta com seu público – através de uma

comunicação interpessoal, potencialmente interativa, que pode tornar possível a “ilusão de intimidade” a que Burke (1994) se referia.

Falamos, ressalte-se, de possibilidades, deixando claro que nosso argumento não é no sentido de haver, necessariamente, esse tipo de uso e de efeito generalizado dos SRS no campo político. Há um potencial a ser explorado, e é interessante observar que tal esforço tem sido empreendido pelas lideranças políticas não só durante as campanhas eleitorais, quando é preciso conquistar votos, mas também depois dos pleitos, durante os mandatos. Iniciativas de comunicação interpessoal e de estreitamento da relação entre a figura pessoal dos representantes e seus públicos têm permeado todas as fases do ciclo político, o que nos leva a uma associação ao fenômeno das “eleições intermináveis” (GOMES, 2011) ou da “campanha permanente” (COOK, 2002). Conforme vimos no capítulo 2, há casos de governos brasileiros, por exemplo, que mantêm no Facebook tanto perfis institucionais da gestão quanto perfis pessoais dos

gestores durante todo o período do mandato, na tentativa de fomentar a sensação de intimidade

e proximidade entre a autoridade política e os cidadãos.

O debate sobre personalização da política é bastante fértil e tem sido aprofundado por inúmeros autores (WISSE, 2015; McALLISTER, 2005; BRAGA&BECHER, 2012; BOBBA&SEDONE, 2011; VAN AELST et al., 2012), dedicados a observar as peculiaridades do fenômeno nos sistemas democráticos, investigando o suposto enfraquecimento dos partidos em detrimento das atividades pessoais dos líderes políticos. Aprofundar uma discussão sobre o

30 Trecho no original: “[…] the rapidly growing number of politicians using new online communication

instruments could be seen as a form of ‘personalization’ – the shift of attention from political parties to politicians,

especially since these new media technologies are designed to facilitate direct communication between politicians,

grau no qual isso ocorre no Brasil não é, nem de longe, o objetivo deste trabalho nem mesmo desta seção – que, na verdade, propõe uma reflexão sobre os SRS como ferramenta de personalização e o modo como o Jornalismo lida com esse tipo e fenômeno.

Sobre esse último ponto, chamamos a atenção para uma percepção que emerge de alguns debates levantados aqui. É possível afirmar que há indícios de uma retroalimentação entre os interesses do campo político e os interesses do Jornalismo, no que diz respeito à valorização da personalização na política. Afinal, vimos que as características da fonte, sua posição social na hierarquia política e econômica, são critérios de noticiabilidade, ou seja, o fato de o sujeito ser quem é pode fazer dele uma fonte mais noticiável que outras. Poderíamos sustentar, assim, que os media tradicionais contribuem para a personalização, uma vez que esse é justamente um dos fatores de noticiabilidade usados pelos jornalistas na seleção do que deve virar notícia (EILDERS, 2006; WOLF, 2009 CERVI; MASSUCHIN, 2013).

Sheafer (2001) e Strömbäck (2008) reforçam esse argumento, ao apontar que a personalização está fortemente relacionada com a “midiatização da política”, ou seja, com o processo no qual a lógica dos media ganha importância no universo político. De acordo com o entendimento dos autores, o interesse e a necessidade dos agentes do campo político de ter acesso à esfera de visibilidade midiática fazem com que esses líderes tenham de se adaptar à lógica dos meios de comunicação, através da construção de acontecimentos dramáticos que têm suas personalidades no centro. Gera-se, portanto, um ciclo entre midiatização e personalização, relacionando interesses comuns.

Com essas reflexões, encerramos o presente capítulo, no qual buscamos abordar os impactos das mídias digitais nos universos político e jornalístico. Discutimos como os SRS têm sido explorados como arena de visibilidade pública e como, a partir disso, têm interferido no cotidiano dos media e de líderes políticos. Na seção a seguir, passaremos a trabalhar de forma mais direta com o objeto empírico da pesquisa, com contextualizações da fanpage do ex- governador Cid Gomes e do jornal impresso cearense O Povo.

4. CONTEXTUALIZAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA