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O Povo31 (OP) é o mais antigo jornal impresso do Ceará, com 88 anos completados

em janeiro de 2016. Pertence ao Grupo de Comunicação O Povo, do qual fazem parte, além do jornal, o portal O Povo on-line, as rádios O Povo CBN AM/FM e Mucuripe FM, a TV O Povo, as revistas O Povo e a Fundação Demócrito Rocha. Trata-se de uma empresa familiar, presidida atualmente pela jornalista Luciana Dummar, que assumiu o comando do Grupo após a morte do pai, Demócrito Dummar, em abril de 2008.

Ao contrário do que ocorre com seu principal concorrente, o jornal Diário do

Nordeste (DN), todas as empresas pertencentes ao Grupo O Povo atuam no ramo da

comunicação. O Diário, por sua vez, integra o Grupo Edson Queiroz, cujos negócios se estendem a outros setores da economia, como educacional, comercial e agroindustrial.

De acordo com dados do Instituto Verificador de Comunicação (IVC) repassados à presente pesquisa pela Direção de Mercado Leitor do O Povo, a circulação média desse jornal, de segunda-feira a domingo, é de 16.286 exemplares (vendidos). Nos sites de redes sociais, OP possui, ao menos numericamente, audiência superior à de seu maior concorrente. No Facebook, por exemplo – onde são replicadas as notícias do portal e do impresso –, passou dos cerca de 100 mil seguidores em setembro de 2012 para 1,12 milhão de seguidores em setembro de 2016, conforme registros do próprio site. O DN, por sua vez, registrava (em setembro de 2016), um total de 501,7 mil seguidores – menos que a metade, portanto, do O Povo. Já no Twitter, OP possui 456 mil seguidores, enquanto o DN tem 324 mil seguidores – números também registrados em setembro de 2016.

De segunda-feira a sábado, o jornal O Povo distribui seu conteúdo entre os seguintes cadernos/editorias: Cotidiano, Opinião, Política, Economia, Vida e Arte (cultura e entretenimento), Brasil, Mundo, Esportes e Radar (editoria que reúne as últimas notícias do dia). Aos domingos, há uma edição especial chamada DOM, em que as matérias não são

31 A título de transparência, cabe apresentar uma informação: a autora da presente pesquisa atuou como repórter

do núcleo de Conjuntura do jornal O Povo, no período de outubro de 2008 a dezembro de 2014. A experiência na Redação e na cobertura de temas relacionados ao Governo do Estado, bem como o fato de ter experimentado, na prática, a lida com a fanpage de Cid Gomes em determinadas apurações, motivou o interesse pela pesquisa aprofundada do tema.

distribuídas por editorias específicas, mas por seções. A edição dominical também inclui os suplementos Ciência & Saúde, People, Carreira e Empregos, dentre outros.

Desde que inaugurou sua fanpage no Facebook, em agosto de 2013, Cid Gomes fez algumas menções ao O Povo, em postagens nas quais utilizava as notícias publicadas pelo periódico para rebater informações, esclarecer fatos ou embasar argumentos para criticar seus adversários – demonstração de que, em alguma medida, temas da agenda midiática do OP foram transpostos para a agenda de Cid. Entre agosto de 2013 e dezembro de 2015, período correspondente à amostragem do corpus, foram localizadas quatro postagens em que ele citou nominalmente o jornal, e pelo menos uma em que ele se refere a notícias publicadas “em

jornais” – sem citar quais – para fazer uma manifestação política. Não foi localizada menção

nominal ao DN.

A relação da Redação do jornal OP com o Governo Cid Gomes, ao longo de oito anos de mandato, foi marcada por períodos ora harmônicos, ora conflituosos (FIRMO, 2016; CORIOLANO, 2016), conforme descreveram, em entrevista solicitada para a dissertação, dois editores do O Povo que atuaram no Núcleo de Conjuntura durante a gestão cidista.

O jornalista Érico Firmo, um de nossos entrevistados, é o atual editor executivo do Núcleo de Cotidiano do Jornal, mas trabalhou ao longo dos dois governos de Cid (2007-2014), ininterruptamente, como editor adjunto do Núcleo de Conjuntura do OP, do qual faz parte o caderno de Política. Além disso, em maio de 2011, assumiu também como titular da Coluna Política, tendo assinado alguns dos textos que compõem o corpus empírico. Já Ítalo Coriolano foi repórter de Política entre outubro de 2008 e dezembro de 2010, passando à função de editor adjunto do Núcleo de Conjuntura em janeiro de 2011. Atuou no cargo durante todo o segundo mandato de Cid. A experiência dos dois jornalistas como editores no período do Governo foi critério para a solicitação das entrevistas32.

As entrevistas foram feitas por e-mail, em agosto de 2016. As mesmas perguntas foram enviadas a ambos os editores. Consideramos que se trata de ferramentas metodológicas importantes, por fornecerem informações, detalhes e pontos de vista cruciais para a compreensão do impacto da fanpage de Cid Gomes na Redação do jornal O Povo, evitando-se lacunas e pontos mal esclarecidos na discussão empírica. No trecho a seguir, Érico Firmo relata seu entendimento acerca da lida com o Governo Cid:

32 Além de Firmo e Coriolano, solicitamos entrevista ao editor executivo do Núcleo de Conjuntura do O Povo,

Desde que estou no jornal [ingressou no OP como repórter, em 2005], a relação em todos os governos, em todos os níveis, é em algum grau conflituosa com a Redação. O papel do jornal é questionar, apontar problemas. Então, sempre há atritos, que são naturais. E esses atritos se acumulam ao longo do tempo. No começo, a relação é mais amistosa. Com o tempo, os desgastes se somam. Do ponto de vista da cobertura, a Redação nunca deixou de ter interlocução com o governo. Mas houve episódios muito polêmicos, nos quais a tensão aumentou. Vide o voo da sogra33, o escândalo dos

banheiros34, as denúncias sobre créditos consignados35. O jornal esteve na linha de

frente da cobertura desses assuntos, mas em todo momento a cobertura fez esforço para não "aloprar" e ir além do que os fatos sustentavam. Mesmo que, para quem estava no governo, por vezes houvesse impressão de perseguição, nunca houve direcionamento ou orientação nesse sentido e, em retrospectiva, creio ser bastante claro que a cobertura não foi irresponsável em momento algum (FIRMO, 2016).

Além de fazer a defesa da cobertura do O Povo sobre o Governo Cid, o jornalista relata episódios em que teria havido estremecimento na relação entre a Redação e a gestão estadual. Tensão que, para Firmo, seria consequência natural do trabalho de fiscalização do poder exigido do Jornalismo – declaração que nos remete a muitas das discussões teóricas empreendidas na dissertação, sobretudo no que diz respeito à função watchdog, ao Jornalismo

“adversário” e às relações de cooperação e concorrência entre jornalistas e fontes.

Descrição semelhante é fornecida pelo também editor Ítalo Coriolano, que aponta alternância de harmonia e conflito na relação do OP com o Governo.

Acredito que tenha sido uma relação, na medida do possível, harmônica. Obviamente que algumas pautas acabam por incomodar quem está no poder, principalmente quando o jornal cumpre com sua função de apontar equívocos, destacar exageros ou denunciar algo considerado grave, escandaloso. [...] A reação tanto de Cid como dos outros membros do clã Ferreira Gomes foi dura em certos momentos, mas sempre estivemos abertos a colocar todos os contrapontos, garantindo um debate franco e respeitoso. Inclusive levando para o impresso críticas diretas ao O Povo feitas por Cid, Ciro e companhia. [...]. É notório o prestígio que o jornal e todo o Grupo de Comunicação O Povo tem junto à sociedade, fruto de um Jornalismo sério e comprometido com a verdade. Credibilidade conquistada ao longo de 88 anos de história e, certamente, reconhecida pelos Ferreira Gomes. Por isso que, algumas vezes, o incômodo causado por algumas matérias tenha sido tão grande. Não era um jornal qualquer destacando falhas e cobrando melhorias em determinadas áreas. Acredito que a postura se manteve equilibrada, com momentos de maior embate intercalados com outros mais tranquilos. Uma correlação de forças própria de uma cobertura jornalística que se proponha séria. (CORIOLANO, 2016).

33 Episódio de grande repercussão na imprensa local e nacional, ocorrido em 2008, quando Cid levou a mãe de

sua esposa numa viagem oficial à Europa. Ver também: <https://is.gd/BWWKP3>. Acesso em: 3 nov. 2016.

34 Conjunto de denúncias empreendidas pelo O Povo sobre supostas fraudes na compra de kits sanitários para

pessoas de baixa renda do Interior do Ceará. Ver também: <https://is.gd/tp8DaY>. Acesso em: 3 nov. 2016.

35 Suspeitas de superfaturamento em créditos consignados a servidores do Estado, discutidas em 2012. Ver

Chama a atenção, mais uma vez, a ligação entre o dever da crítica e da fiscalização do poder com a seriedade do Jornalismo, apontada pelos dois editores do O Povo como sendo intrínsecas. A ideia de que determinado grau de tensão e de conflito entre Governo e Jornal representa um bom sinal de Jornalismo, pelo menos na visão dos entrevistados, merece ser destacada. Tratar-se-ia, segundo Firmo e Coriolano, de um indicativo da suposta independência editorial e credibilidade do periódico. Esses entendimentos poderão auxiliar a análise empírica, ajudando-nos a compreender de forma mais fidedigna a cobertura da fanpage de Cid.

Feitas essas considerações acerca do jornal O Povo, bem como sobre sua relação com o Governo Cid Gomes, seguimos com outros pontos da contextualização, que é o propósito do presente Capítulo. Passaremos a discorrer, a partir de agora, sobre o uso do Facebook como ferramenta de comunicação política de Cid e, em seguida, retomaremos as entrevistas com Firmo e Coriolano para apresentar os impactos da fanpage na rotina a Redação.