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6 – Como proceder frente ao irrepresentável

Capítulo III – Os limites da representação

III. 6 – Como proceder frente ao irrepresentável

Freud (1933[1932]/1996) nas „Novas conferências introdutórias sobre psicanálise‟

define o trauma como uma experiência que traz à mente, em um período muito curto de tempo, uma excitação grande demais para ser absorvida. Como consequência, conforme ressalta Seligmann-Silva (2000), o que vem à tona, nos sobreviventes de grandes catástrofes, são fragmentos, “ou cacos de uma memória esmagada pela força das

19 Tradução nossa.

ocorrências que nunca chegam a se cristalizar em compreensão ou lembranças” (p. 10); o que figura uma outra forma do aparato operar fora do princípio de prazer, característica dos casos de neurose traumáticas. O autor supracitado está fazendo referência à narrativa de cacos proposta por Walter Benjamin (1994, op. cit.).

Havíamos apontado no início do capítulo, através do exemplo do sonho de Primo Levi (1990, op. cit.), a necessidade da narração do trauma como confirmação de uma vivência que dificultou sua apreensão. Os outros, como testemunhas, fazem o papel de um anteparo, suportando e, reflexivamente ajudando o sobrevivente a dar um sentido à experiência traumática. Da mesma forma, segundo Gagnebin (2006, op. cit.), alguns soldados, tocados pelas condições subumanas dos campos de concentração, com um simples olhar, ou uma troca de palavras davam ao prisioneiro um suporte, retirando-os da indiferença e trazendo, assim, um mínimo de humanização ao ambiente cáustico destes campos.

Frente ao trauma a perspectiva de futuro vai se apagando diante de uma necessidade bem mais urgente: a sobrevivência. A consequência de uma vivência traumática é a destruição da capacidade de discernir entre o real e o irreal, ocorrendo uma fragmentação no eu. Tal ferida implica “uma impressão repentina, muito forte, de não ter escapado à morte, mas tê-la atravessado” (SELIGMANN-SILVA, 2008, p.94). O trauma é uma ferida aberta no eu por um acontecimento violento que o impede de ser elaborado simbolicamente configurando as marcas psíquicas. São estas marcas que despertam uma ânsia violenta de narrar; entendemos essa narração como uma tentativa de contenção do traumático, um jorro de palavras as quais na medida em que são “transpostas para os outros, permite que o sobrevivente inicie um trabalho de religamento ao mundo, de reconstrução” (Id., Ibid., p. 66).

A esse respeito já vimos no capítulo I que a leitura da carta 52 (FREUD, 1896/1996) permite fazer uma distinção entre traço e marcas psíquicas. Tendo em vista essa questão Herzog (2011) afirma que a concepção de aparelho psíquico fica “ampliada sendo que a produção de representação (Vorstellung) não é sua única alternativa; em outros termos produzir uma narrativa encadeada não é a única saída” (p. 9), de forma que o aparato psíquico comporta outra forma de expressão.

Contudo é preciso ter presente que essa capacidade de escape pela via narrativa parece ter um limite. Seligmann-Silva (Ibid.) baseado em Primo Levi (1990 op. cit.), afirma que nos campos de concentração da segunda grande guerra, aqueles que puderam

testemunhar posteriormente os acontecimentos somente o conseguiram porque mantiveram uma certa distância, por várias razões, dos eventos do campo. “A história do Lager foi escrita quase exclusivamente por aqueles que, como eu próprio, não tatearam seu fundo.

Quem o fez não voltou, ou então sua capacidade de observação ficou paralisada pelo sofrimento e pela incompreensão” (LEVI apud SELIGMANN-SILVA, 2008, op. cit., p.

68). Assim como Perseu vislumbrou a Medusa pelo reflexo de seu escudo conseguindo evitar seu olhar mortal, aquele que encara, por assim dizer, o trauma é petrificado/paralisado, por uma necessidade urgente: conter a energia que rompeu o para-excitação.

Kafka (1998) em uma novela chamada: “Na colônia penal” descreve uma máquina hedionda que serve de punição aos apenados. Nesta obra podemos extrair algumas informações que nos ajudam a compreender melhor como o traumático se configura enquanto marca psíquica. Essa máquina escreve na carne do condenado a palavra que corresponde ao seu crime, fazendo-o sentir de forma literal o peso e a especificidade da sentença que recebeu.

No decorrer do texto um observador, convidado a assistir a execução, pergunta ao operador da máquina se o condenado conhece a própria sentença, o operador responde negativamente, e faz uma breve explicação: “Seria inútil anunciá-la. Ele vai experimentá-la na própria carne” (Id., Ibid., p. 36). O observador, espantado com a resposta, pergunta se o prisioneiro teve julgamento ou alguma possibilidade de defesa, ambas as perguntas são respondidas negativamente, com um complemento surpreendente do operador da máquina:

“a culpa é sempre indubitável” (Id., Ibid., p. 38). O crime cometido pelo prisioneiro, que é um soldado da colônia penal, foi faltar com o seu dever, dormindo na hora do plantão, e faltar com o respeito a um superior que o repreendeu por dormir em horário de trabalho.

Através dessa série de perguntas feitas pelo observador podemos destacar os aspectos que aproximam esta situação do traumático. A surpresa do prisioneiro em ser condenado à morte, sem julgamento para poder defender-se; o desamparo a que é acometido por essa revelação e a impotência a que é submetido ao ser amarrado nu à máquina enquanto a sentença é cumprida. Tal como ocorre nos acontecimentos traumáticos nos quais figura uma impossibilidade de defesa, o sujeito é surpreendido por algo que não esperava, impossibilitando uma reação adequada.

Na ficção kafkiana o suplício dura 12 horas até a máquina transpassar o corpo do condenado. Durante a descrição do processo de escrita, é explicado ao observador, que

após 6 horas é retirado da boca do condenado um pedaço de feltro, colocado desde o início do processo, porque agora ele não tem mais forças para gritar – “como o condenado fica tranquilo na sexta hora” (Id., Ibid., p. 44). O entendimento o iluminou, pois ele começa a decifrar o que a máquina está escrevendo em seu corpo, não com os olhos, mas através da dor. Temos aí um corpo que fala pela dor, marcado em seus limites pela dor. Nesse sentido a dor, como uma pseudo-pulsão, eterniza a ferida; a dor é aquilo que não nos permite esquecer, é através da sua força destrutiva agindo sobre o eu que encontramos a presença da pulsão de morte.

A dor repetida em atos, característica dos processos traumáticos, esclarece Birman (2005, op. cit.), denota uma experiência na qual a subjetividade se fecha narcisicamente em uma espécie de solipsismo. Neste fechamento podemos notar, por um lado, a expressão da pulsão de morte que pela via da repetição mortifica o sujeito, coagindo-o a eternizar a sua dor; e por outro, uma tentativa de ligação, característica das pulsões de vida. As duas pulsões aparecem sempre imbricadas “temos que supô-las associadas, desde o início”

(FREUD, 1920/2006, op. cit., p. 67). Em 1937 Freud aproxima-se das teses de Empédocles de Agrigento quando afirma que “Eros e destrutividade, dos quais o primeiro se esforça por combinar o que existe em unidades cada vez maiores, ao passo que o segundo se esforça por dissolver essas combinações e destruir as estruturas a que elas deram origem”

(p. 262-263). Esse fechamento em uma espécie de mônada narcísica é uma forma de defesa frente a uma exposição ao pulsional, que fere o eu de forma brutal.

Para Roussillon (1999) o sujeito se retira, para sobreviver, da experiência traumática, cortando-a (clivando) de sua subjetividade. “De um lado, a experiência foi vivida e, portanto, ela deixou traços mnésicos de sua experiência e ao mesmo tempo, de outro lado, ela não foi vivida e apropriada como tal na medida onde, como o diz Winnicott, ela não foi colocada na presença do eu” (p. 20), o que suporia sua representação. O fato de o eu clivar a experiência traumática não faz com que ela desapareça, as marcas deixadas no psiquismo conservam sua força quantitativa e, irão reproduzir-se pela via da compulsão à repetição, nesse sentido, estão em um modo de funcionamento além do princípio de prazer.

Assim a compulsão a repetição remete a um empobrecimento dos processos de simbolização; caracterizada por uma “forma perturbada da ação, na qual o sujeito não consegue mais regular os seus impulsos, que se descarregam como atos rudes e que voltam até mesmo contra sua própria autoconservação do corpo” (BIRMAN, 2003, p. 27).

A passagem ao ato, uma característica dos transtornos alimentares, por exemplo, é compulsão à repetição. São descargas momentâneas, irruptivas, que não sofrem mediação, tomam o sujeito e o coagem em determinada direção; uma vez feita a descarga, após certo tempo, o processo precisa ser repetido, já que o ato extingue apenas temporariamente sua força. Essa ação denota uma violência sobre o próprio sujeito, e também sobre o outro em casos de delinqüência, por exemplo; contudo queremos marcar que a compulsão à repetição se caracteriza “como uma descarga psicossomática com nulo poder de simbolização” (loc. cit.). É a ausência de uma simbolização que alimenta a repetição como defesa. “É certo que a vida se protege pela repetição” (DERRIDA, 1995, op. cit., p. 188), a repetição é um dispositivo defensivo para lidar com o excesso de excitação que irrompe sobre o aparato.

Isso causa uma repetida presentificação da vivência dolorosa, remetendo a um passado que não passa; sustentados por manifestações corporais implicadas na ordem da compulsão à repetição e “da ação desagregadora da pulsão de morte no interior do eu.

Tratar-se-ia de uma memória ligada ao registro da sensibilidade, memória ligada ao corpo”

(MALDONADO E CARDOSO, 2009, op. cit., p. 53). Seguindo esta idéia Godfrind (1994, op. cit.) afirma que a repetição é uma ruptura em relação ao funcionamento simbólico e portador de sentido, sendo assim enigmática para o analista que busca informações dentro do registro simbólico.

Na busca de semelhanças entre o passado e o presente Proust (1913/2003), no livro I da trilogia “Em busca do tempo perdido”, nos proporciona através de suas percepções a presentificação do passado. Evocando memórias que são despertadas mediante certas sensações: “Sua memória, a memória de suas costelas, dos joelhos, dos ombros, lhe apresentava sucessivamente vários quartos onde havia dormido (....) meu corpo recordava cada quarto, o tipo de cama, o local das portas” (Id., Ibid., p. 12). Embora Proust se esforce para encontrar uma memória quase integral do ambiente que o cerca, o interessante é uma memória que só pode ser evocada pelo sensível, uma memória corporal que é posteriormente construída, ou melhor, definida, com ajuda da imaginação.

Nessa concepção de uma memória do sensível, Birman (1999, op. cit.) pontua que o afeto se inscreve no registro da consciência, o que leva a indagar-nos de que consciência se trata. É a consciência-percepção (assim como Freud concebeu em 1900 na „Interpretação dos sonhos‟): “a porta de entrada da força pulsional no organismo e é ainda por ela que se realiza seu retorno a partir do outro” (Id., Ibid., p. 69). Assim o pulsional exigirá uma

medida do sujeito para dominar sua força; caso esse trabalho não se realize o sujeito estaria condenado a repetir o impacto traumático dessa afetação e “seria precipitado impiedosamente ao masoquismo mortífero (...) assim se o sujeito não passar pela mediação do outro, ele estará condenado ao trauma mortífero e a uma hemorragia contínua das forças pulsionais” (loc. cit.), que tomará a via da descarga através da compulsão à repetição. É, pois, o outro que possibilita essa ligação ao simbólico e rompe o fechamento traumático.

Nesta perspectiva Felman (2000) entende que testemunhar é realizar um ato de fala, o testemunho, diferente da narração tradicional, “volta-se para aquilo que, na história, é ação que excede qualquer significado substancializado, para o que, no acontecer, é impacto que explode dinamicamente qualquer reificação conceitual e delimitação constativa” (Id., Ibid., p. 18). O testemunho é pessoal, traz consigo o pesado fardo daquele que o profere e, portanto, é único, não é intercambiável “é um fardo solitário” (Id., Ibid., p. 15), não há como testemunhar pela testemunha. O testemunho é notadamente paradoxal, pois se caracteriza como um rompimento do isolamento da experiência traumática, para falar intercedendo pelos outros e para os outros. Portanto ele torna-se o veículo de uma ocorrência, da própria realidade traumática, conferindo um lugar na história do sujeito de algo que estava para “além dele mesmo” (Id., Ibid., p. 16).

A narrativa, composta de fragmentos, na concepção de Walter Benjamin (1994, op.

cit.), consiste em um trabalho de religamento ao mundo. Narrar o trauma, nas palavras de Seligmann-Silva (2008 op. cit.), tem o sentido primário do desejo de renascer, a que podemos remeter a manifestação da pulsão de vida. Contudo o narrador irá se deparar com a dificuldade extrema de encontrar na linguagem uma forma de traduzir o excesso vivido;

uma vez que as palavras sempre ficarão aquém da realidade experienciada, faltaria realidade às palavras. É aí que a “imaginação é chamada como arma que deve vir em auxílio do simbólico para enfrentar o buraco negro do real do trauma. O trauma encontra na imaginação um meio para sua narração” (Id., Ibid., p. 70). O termo buraco negro parece bastante adequado para caracterizar o empuxo que o trauma realiza no sujeito; devido à dor produzida constantemente o trauma é pura presentificação, puxando para si toda força produzida para contra-investir até drená-la por completo, levando, assim, o sujeito à morte.

Tendo em vista estas questões evocamos a figura do narrador caracterizado por Walter Benjamim (1986) como sucateiro; conforme ressalta Gagnebin (2006, op. cit.), esta figura tão comum nas caóticas grandes cidades, recolhe os cacos, fragmentos, em meio aos detritos. Uma alusão à nova forma de narrativa que foge ao convencional, pois a narrativa

do traumático é constituída por essas ruínas, “uma transmissão entre cacos e migalhas”

(Id., Ibid., p. 53). Cremos que o analista deve estar atento justamente a esses fragmentos que brotam via ato; e são movidos, certamente pela força destrutiva da pulsão de morte, mas também encerram um clamor da vida em não se deixar perder nestas partes desconexas. Deste modo remetemos a uma alusão muito próxima do narrador sucateiro:

Freud em „Construções em análise‟ (1937/1996, op. cit.) afirma que a tarefa do analista se aproxima de arqueólogo escavando fragmentos do passado, ou seja: é preciso “completar aquilo que foi esquecido a partir dos traços que deixou atrás de si ou, mais corretamente, construí-lo” (p. 276).

A construção seria a via que ajudaria a descartar a repetição. Dentro desta acepção a construção, mediada pelo outro funcionando como um eu auxiliar, emerge como uma forma de ordenar o caos, possibilitando unir elementos dispersos. O analista como o sucateiro juntaria esses cacos dispersos e daria uma forma a essa massa desorganizada. A possibilidade de organizar os elementos caóticos provenientes do traumático em uma organização temporal e histórica – permitiria enfim, um arranjo diferente do trauma.

Duparc (2008) considera que a construção está do lado da interpretação e, aponta alguns perigos nesta empreitada, tal como a sugestão baseada na sedução da autoridade do analista. O analista pode negligenciar o papel do analisando e sustentar sua autoridade sugestiva, na qual o analisando corre o perigo de alienação. São ameaças que devemos levar em conta, não somente nas construções relacionadas ao traumático, mas no próprio trabalho de interpretação das neuroses de transferência.

Entendemos a construção como uma retomada dos elementos perceptivos desorganizados, tal como a figura da mãe que ajuda o bebê a organizar as pulsões parciais inicialmente em um todo. Dessa forma a construção é preparatória à interpretação, na medida em que o analista como um eu auxiliar, empresta forças ao eu quase esvaziado do analisando para ligar a energia disruptiva. Longe de ser uma tarefa fácil “a mente do escavador está lidando com objetos destruídos, dos quais grandes e importantes partes certamente se perderam, pela violência mecânica, pelo fogo ou pelo saque” (FREUD, 1937[1940], op. cit., p. 277).

Freud (Ibid.) lembra que para o analista, a construção constitui apenas um trabalho preliminar. O analista ao completar um fragmento comunica ao paciente para que a partir desse material construído se possa agir sobre ele. Dessa forma se constrói um novo fragmento a partir do novo material e assim por diante. A simbolização gera uma

temporalização do traumático encriptado. É por esta via que há uma possibilidade de sair do campo da sobrevivência para voltar à vida. No entanto, conforme indica Seligmann-Silva (2008, op. cit.), trabalhar com sobreviventes de acontecimentos traumáticos “nos ensina a sermos menos ambiciosos ou idealistas em nossos objetivos terapêuticos. Para o sobrevivente sempre restará este estranhamento do mundo advindo do fato de ele ter morado como que do outro lado do campo simbólico” (Id., Ibid., p. 69).

conceito de repetição na obra freudiana. Para essa empreitada partimos do Projeto de 1895, texto no qual a repetição aparece colocando questões importantes para o desenvolvimento teórico-clínico da psicanálise. Detemo-nos particularmente na vivência de dor, que nos permitiu destacar a presença da repetição de uma vivência dolorosa que o eu não consegue refrear devido às quantidades excessivamente intensas envolvidas neste processo; fato que traz impasses ao modelo de aparato neuronal criado para dominar excitações e, também não se adequa às exigências do princípio de prazer.

É importante lembrar que o Projeto de 1895 ocupa um lugar singular entre os outros textos produzidos por Freud, uma vez que foi abandonado e, anos depois ao ser descoberto, Freud tentou por todos os meios destruí-lo. Entretanto, encontramos neste manuscrito renegado germens de elementos conceituais importantes, que aos poucos serão retomados e desenvolvidos de acordo com o avanço das pesquisas teórico-clínicas freudianas. Dentre desses elementos destacamos a vivência de dor, o para-excitação, vivência de satisfação, princípio de inércia, energia livre e ligada, entre outros.

Ao propor uma “psicologia científica” Freud (1895[1950]/1996, op. cit.) dispôs os neurônios, matrizes que compõem o sistema nervoso, em três sistemas distintos (phi (), psi () e ômega (ω)). A principal diferença entre os sistemas é a capacidade de reter ou não a excitação que passa por eles: tal disposição o sistema psi () de ser a sede da memória, na medida em que os neurônios deste sistema são os únicos capazes de guardar informações da passagem da quantidade. A energia ao passar pelas barreiras de contato existentes nesse sistema neuronal encontra uma resistência que somente é transposta quando a energia da corrente é superior a da barreira. Dessa forma é deixado um traço mnêmico referente à passagem da energia nesta barreira, possibilitando formar uma memória e, permitindo ao aparato nervoso empreender o caminho mais eficiente para escoar a energia que por ele circula.

Escoar a energia de forma eficaz é fundamental porque o sistema nervoso, proposto por Freud (FREUD, 1895[1950]/1996), opera de acordo com duas funções básicas: (1) seguindo o modelo do arco-reflexo – descarga energética total; (2) pela fuga do estímulo:

função primária e secundária, respectivamente. A função primária corresponde de maneira mais ampla à finalidade de todo o organismo – princípio de inércia (livrar-se de toda

excitação); A esse propósito tal formulação, segundo Derrida (1995, op. cit.), impede de nos surpreendermos com o artigo escrito 25 anos depois: Além do princípio de prazer (FREUD, 1920/2006, op. cit.), no qual Freud declara que as exigências da vida obrigam o aparato a seguir um caminho mais amplo, mas no final das contas segue o propósito de toda a vida – a morte (nível zero de excitação no aparato). A função secundária, por sua vez, responde ao princípio de constância – funcionamento do aparato em um nível mínimo de energia, essencial para realizar a ação específica a fim de satisfazer os estímulos endógenos.

O sistema psi (), também, é a sede do eu (psi () núcleo) caracterizado por um núcleo de neurônios permanentemente investidos (fato que implica certa tolerância à tensão), isso os capacita de transformar a energia em estado livre (processo primário) em energia ligada (processo secundário); fundamental para sobrevivência do aparato neuronal.

A vivência de dor se aproxima da noção trauma (referente ao Além do princípio de prazer (FREUD, 1920/2006, op. cit.)) precisamente pela insuficiência egóica em gerir um nível muito grande de excitação que o invade. Há outro ponto que toca a questão da repetição, a energia exerce violência nos pontos de resistência entre os neurônios (as barreiras de contato) e, os sinais dessa violência são os traços após sua passagem. Portanto, a formação desses traços implica a dor, conforme aponta Derrida (1995, op. cit.), assim como o eu deve possuir uma tolerância à dor para permanecer constantemente investido de energia, problema que será resolvido apenas em 1924 com a formulação do masoquismo primário.

Os traços mnêmicos capacitam à rede neuronal de poder escoar a excitação pelos caminhos mais facilitados, que serão os mais repetidos. Vemos aqui o cumprimento à exigência de manter a energia sempre que possível em um nível constante, mas na verdade também cumpre, em um sentido mais amplo a função primária/princípio da inércia. Uma vez que há sempre energia afluindo para o aparato temos sempre novos caminhos sendo traçados, o que implica uma certa seletividade e capacidade de rearranjo dos caminhos a serem seguidos. A carta 52 (FREUD, 1896/1996, op. cit.) nos possibilita distinguir dois tipos de impressões que são realizadas nos neurônios responsáveis pela memória – os traços e as marcas, distinção que será importante para diferenciar uma repetição como o retorno do recalcado e uma compulsão à repetição que se encontra além do processo de

Os traços mnêmicos capacitam à rede neuronal de poder escoar a excitação pelos caminhos mais facilitados, que serão os mais repetidos. Vemos aqui o cumprimento à exigência de manter a energia sempre que possível em um nível constante, mas na verdade também cumpre, em um sentido mais amplo a função primária/princípio da inércia. Uma vez que há sempre energia afluindo para o aparato temos sempre novos caminhos sendo traçados, o que implica uma certa seletividade e capacidade de rearranjo dos caminhos a serem seguidos. A carta 52 (FREUD, 1896/1996, op. cit.) nos possibilita distinguir dois tipos de impressões que são realizadas nos neurônios responsáveis pela memória – os traços e as marcas, distinção que será importante para diferenciar uma repetição como o retorno do recalcado e uma compulsão à repetição que se encontra além do processo de