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5 – A pulsão e a repetição

Capítulo II – O retorno do recalcado – repetição do sexual

II. 5 – A pulsão e a repetição

Esse problema começa a ser discutido no artigo O Inconsciente (Id., 1915/1996) a respeito da representação-coisa e representação-palavra; a passagem do material inconsciente para o consciente implica que a representação-palavra seja acrescida à representação-coisa. A representação mental de um objeto passa a corresponder a conjugação dessas duas formas de representações, ou seja, “as representações de objeto tentam referir-se àquilo que se torna objeto para a consciência” (ARNÃO, 2008, p. 198).

Ao tratar dessa questão estamos entrando no campo da pulsão. Toda a pulsão é representada pelo chamado representante – representação, eles são seus agentes representantes e não a própria pulsão. Creio ser necessário, neste ponto, uma maior precisão acerca da terminologia utilizada por Freud a esse respeito. Para isso nos apoiamos em Hanns (1999) que fez um rigoroso estudo sobre a teoria pulsional, a partir da língua alemã, na obra freudiana.

Freud ao discutir sobre pulsão e sua circulação na esfera psíquica como representação, explica Hanns (Ibid.), se refere a três tipos de representações: 1º – Refere-se ao verbo „Darstellen‟, que significa: “dar uma forma captável e mostrar” (Id., Ibid., p. 79).

Tem a conotação de produzir uma imagem para dar sentido a algo, o que envolve a possibilidade de uma condensação de várias idéias em uma imagem, como na representação pela figurabilidade. 2º – Refere-se a „Vertretung‟, tendo o sentido de estar no lugar de outrem, como se fosse delegado a representar alguém ou alguma coisa. 3º – Refere-se a „Vorstellung‟, significando reativar internamente uma imagem já disponível, a pulsão aparece na psique sob a forma de “representação – Vorstellung (idéia, imagem) de sensações (...); É na forma de „Bild‟ (imagem) que a pulsão emana da fisiologia pulsional.

A pulsão provoca uma excitação cortical que é percebida como fenômeno psíquico de imagem e afeto” (Id., Ibid., p. 82).

Portanto, a pulsão é representada por meio de “representações internas, reproduções mentais, são imagens guardadas na memória que reproduzem objetos ou ações as quais a pulsão se liga” (Id., ibid., p. 83). Tais representações formam uma malha, como a rede neuronal do Projeto de 1895, por exemplo, de ideias e imagens que podem se relacionar.

Esse conjunto de ideias e imagens formam a memória, que dispõe de informações sobre os afetos (desprazer /prazer) produzidos por cada estímulo vivenciado. É essa trama de representações que compõe o aparelho psíquico, “matriz através da qual o sujeito decodifica os estímulos internos e externos que lhe chega” (Id., ibid., p. 84).

O aparelho psíquico é regido por dois tipos diferentes de processos: primário e secundário. Imagens e afetos fazem parte do primeiro e, as palavras do segundo. No processo primário a fonte pulsional, somática, envia estímulos que se manifestam no sujeito e coincidem com vivências afetivas (prazer e desprazer) associando-se a certas imagens fugidias; lembremos como exemplo, da vivência de satisfação, nela o bebê associa a sensação de satisfação à imagem do seio. Portanto, no processo primário o estímulo pulsional se liga a um esboço de imagem que é qualificada afetivamente (do seio que aplacou a fome). Esse esboço de imagem será ativado quando um novo estímulo surgir, contudo, ela não coincidirá com a primeira (porque os ângulos referentes à visão do seio não serão iguais), disto formar-se-á uma cadeia de representações que se conectam à imagem do objeto gratificante, formando a representação – coisa.

O processo primário se caracteriza por uma disposição imediata a sair do estado de desprazer, proveniente do acúmulo de excitações pulsionais, para isso tende a uma descarga através de ações motoras e responde ao princípio de prazer. No geral essas ações tendem a falhar na tarefa de obter a satisfação pulsional, dado que é preciso uma complexificação da ação para satisfazê-las. Entretanto o processo primário procura descarregar a excitação baseado em algumas experiências, contando para isso com uma rede de imagens difusas e sensações afetivas usadas para o organismo não sucumbir à invasão pulsional.

É a partir do processo secundário que as pulsões assumem formas mais estáveis no campo da representação, sendo fixadas a uma imagem específica (correspondendo à ideia de um objeto externo), e podendo advir em palavras. O processo secundário permitirá, devido a capacidade de ligação, certo acúmulo energético. Nele há uma maior complexidade nos fatores que regem os estímulos pulsionais, principalmente a aptidão de reter e ligar a energia destes estímulos e direcioná-los para uma ação específica. Tal habilidade possibilitará ultrapassar as relações entre imagens fugidias e afetos do processo primário, para realizar operações envolvendo o pensamento, simbolização, imaginação, atenção, memória entre outras; com a finalidade de melhor conduzir as ações no mundo e efetuar a descarga de uma maneira mais eficiente, levando em conta as especificidades do meio em que se vive. Nesse ponto a realidade tem um papel importante nas atividades do processo secundário, já no primário ela não é levada em conta, deseja-se apenas a satisfação a qualquer custo (HANNS, Id.).

Ligar o estímulo pulsional a uma representação permite que um objeto visado como veículo de satisfação possa ser identificado no mundo externo e, também possa ser mentalmente fantasiado (imaginação) caso o objeto se torne impossível de atingir. Isto denota uma maior flexibilidade e tolerância em relação ao acúmulo de estímulos pulsionais, que pressionam (Drang) na direção da descarga. “Deste modo, as imagens/representações (Vorstellungen) que ficam estocadas na psique são representantes (Vertreter) tanto das pulsões e dos afetos a ela associados, como também estas imagens são representantes (Vertreter) dos objetos externos” (Id., Ibid., p. 97).

Quando o recalque rejeita uma representação ele recusa a tradução da representação em palavras, “pois essas palavras devem continuar associadas ao objeto. É a representação não revestida de palavras ou o ato psíquico que não esteja sobreinvestido que permanecerá como material recalcado no Ics” (FREUD, 1915/2006, p. 49). Dessa forma Freud procura mostrar como a repetição vai sendo circunscrita, mediante o trabalho analítico, no plano da simbolização; ou seja, é preciso trazer para a esfera verbal o que o paciente insiste em apresentar em atos, nisso consiste manejar o material disposto em análise.

Essas pontuações parecem iluminar, segundo Assoun (1994, op. cit.), esse momento dramático onde o analista, tomado na torrente da repetição extrai sua energia do cenário montado pelo paciente, em vez de deixar represar novamente o que é atuado, pois “ter-se-ia trazido o reprimido à consciênc“ter-se-ia, apenas para reprimi-lo mais uma vez” (FREUD, 1915/2006, op. cit., p. 181). O analista deixa-se levar por esse fluxo, agora contido e direcionado na arena transferencial para chegar até o conteúdo recalcado e possibilitar um trabalho de perlaboração do paciente.

Contudo a resistência acabará por revelar a ambivalência de sentimentos relativos ao mesmo objeto, traduzidos através da transferência positiva e negativa, tornando o processo analítico tortuoso. Somado a essa dificuldade, temos as análises prolongadas que não se resolviam, casos nos quais uma resistência feroz paralisava o processo. Havia também casos nos quais a repetição de um mesmo destino trágico se impunha e interrompia o tratamento. Essas dificuldades levam Freud a abandonar sua confiança excessiva no recordar, “se uma pessoa se lembra de um fato através da memória, ele geralmente está dissociado para evitar a repetição de sua natureza traumática” (GREEN, 2007, p.134).

Essa formulação aponta, conforme ressalta Birman (2009), um limite ao método interpretativo, justamente porque a repetição nesses casos difíceis se mostra muito mais como da ordem de uma compulsão, excedendo a questão do retorno do recalcado. Portanto,

seria como uma espécie de compulsão à repetição “que os limites do inconsciente e do deciframento seriam então evidenciados, pelas impossibilidades reais que foram encontradas para a rememoração na experiência psicanalítica” (Id., Ibid., p. 122-23).

Mesmo diante dessas adversidades Freud (1914/1996, op. cit.) procura, ainda, salvaguardar a teoria centrada no modelo da circulação das representações no aparelho psíquico. Entretanto, como nomeia Assoun (1994, op. cit.), frente a esse “furor repetitandi” (p. 350), perigo mortal para a rememoração, o pensamento freudiano volta-se, cada vez mais, para a questão que envolve a intensidade pulsional. A idéia de uma força pulsional como „Drang‟ (pressão), significa que a pulsão é pensada e equiparada a uma tensão. O acúmulo do estímulo pulsional produz essa „Drang‟, cuja tendência é causar incômodo e desprazer. Produzindo um estado de tensão que pressiona no sentido da descarga, é sob esta forma de pressão que a pulsão toma uma forma psíquica.

A partir do artigo “Pulsões e seus destinos” (1915/2006, op. cit.), Freud começa a complexificar a idéia de conflito psíquico entendido como embate entre instâncias psíquicas, priorizando o próprio advento do aparato psíquico. A principal característica da pulsão é ser uma força constante, uma „Konstant Kraft‟. Isso exige um incessante investimento para que se domine seu impacto sobre o psiquismo. Para tanto é necessário empreender um esforço defensivo contra essa força, é o que Freud (Ibid.) nos indica:

“abordemos os destinos das pulsões relacionando-os com as forças motivacionais que se contrapõem ao avanço das pulsões, o que nos permite tratar tais destinos como se fossem modos de defesa contra as pulsões” (p. 152). Essa força constante impõe ao indivíduo que seja dado destinos para apaziguá-la.

Portanto, o artigo “Pulsões e seus destinos” (Id., Ibid.) encerra uma passagem teórica fundamental do discurso freudiano, que o levará inevitavelmente a reorganizar a primeira teoria das pulsões em uma segunda tópica. Essa revisão foi devida, principalmente, a razões de ordem clínica, motivadas pelo fenômeno da repetição. O fato de na segunda tópica o polo pulsional estar presente no registro do Id corrobora essa visão (assim como o eu será uma parte modificada do Id) totalmente diferente da primeira teoria das pulsões, a qual se centrava no modelo da circulação das representações e das intensidades estarem na exterioridade do aparato psíquico (Birman, 1999, op. cit.).

Levando em conta esse novo aspecto relacionado à pulsão que se apresenta no horizonte de 1915, notamos uma tendência do pulsional à repetição. Essa tendência aponta para uma obediência do eu ao circuito pulsional que em algumas ocasiões, como nas

compulsões, parece não levar em conta o princípio de prazer. A repetição relacionada às marcas psíquicas já apontava um tipo de repetição que não inclui a possibilidade de um resgate da narrativa verbal, o que indica outra via de funcionamento do aparelho psíquico fora do princípio de prazer. O traumático deixa de ser um privilégio de algo vindo do exterior, local das grandes quantidades, e passa a incluir um perigo interior, também, referido ao excesso pulsional. Para que o aparelho psíquico possa se defender de algo interno esse excesso ganhará características de exterioridade, projetando-os sobre os objetos, como no jogo do Fort-Da (FREUD, 1920/2006, op. cit) e nos rituais compulsivos característicos da neurose obsessiva, conforme vamos desenvolver no próximo tópico.

II.6. Passagem ao ato e os limites do princípio de prazer

A neurose obsessiva (Zwangsneurose) chama atenção por acarretar uma imperiosa compulsão. Assoun (1994, op. cit.) levanta o problema central da noção de compulsão – Zwang (coação irresistível, necessidade, obrigação constrangimento, compulsão). Essa palavra na língua alemã significa violência, tanto corporal quanto psíquica, caracterizando ainda uma necessidade ou o exercício de uma pressão sobre algo ou alguém. Essa característica confere ao termo um caráter avassalador que se impõe à vontade do sujeito e que ele não têm forças para evitar: “isto implica enfim – para não sair do campo semântico usual do termo – a idéia de um impulso poderoso, o que liga a noção de pulsão” (Id., Ibid., p. 337). Como vimos a pulsão é caracterizada como uma força constante, insistente e imperiosa.

Freud (1907/1996), no artigo “Atos obsessivos e práticas religiosas”, ao estudar os rituais obsessivos, observa que o neurótico obsessivo necessita cumprir o ato ritual, pois qualquer tentativa de se desviar desta compulsão acarreta uma crise de angústia insuportável. Queremos marcar aqui o caráter imperativo, no sentido de uma obrigação em realizar determinados rituais sob a pena de ser punido com uma crise de angústia. Os rituais surgem para o obsessivo sob a forma de uma compulsão funcionando como “um ato de defesa ou de segurança, uma medida protetora” (Id., Ibid., p. 114). A partir disso Freud (Ibid.) ressalta que o obsessivo sofre de compulsões e proibições (nos rituais há uma tendência em seguir determinadas coordenadas em detrimento de outras) e se comporta como estando dominado por um sentimento de culpa, do qual nada sabe. Tal sentimento de culpa origina-se de antigos eventos edípicos, uma vez que neste tipo de neurose “há

sempre a repressão de uma moção pulsional (um componente da pulsão sexual) presente na constituição do sujeito e que pode expressar-se durante algum tempo em sua infância, sucumbindo posteriormente à repressão” (loc. cit.).

Nesse sentido Assoun (1994, op. cit.) afirma que estamos no cerne da Zwang em ato:

“uma defesa contra a tentação (de um perigo passado ligado a uma satisfação ilícita) e uma medida de proteção contra o risco futuro de uma punição ou de uma desgraça” (p. 342)9. A representação pulsional reprimida é sentida pelo obsessivo como uma tentação, decorrendo daí a ansiedade em adquirir controle sobre o futuro. O recalque na neurose obsessiva só tem êxito parcial, pois através dos rituais interminavelmente atualizados notamos a constante pressão do pulsional. A compulsão obsessiva é produzida como defesa contra o perigo de castração, mais especificamente contra um pai castrador, que em algum momento simbolizou um perigo real para o sujeito; esse temor é o resultado dos desejos referentes ao tempo edípico.

Eliade (1969) em seu ensaio sobre as concepções fundamentais das sociedades arcaicas realiza um estudo aprofundado sobre os mitos do eterno retorno, e traz um exemplo que nos pode ser útil no entendimento dos rituais obsessivos. No antigo Oriente, o povo da Babilônia realizava anualmente, com a máxima seriedade, rituais sagrados em homenagem às divindades agrárias, eles acreditavam que a destruição de uma colheita, o saque das plantações, ou qualquer calamidade que se abatesse sobre a comunidade decorria de alguma falha no ritual (seja uma falha comunitária ou de apenas um indivíduo). Como nos rituais obsessivos toda falha em sua realização era punida com severos sortilégios.

Os rituais comportam também, segundo Eliade (Ibid.), uma conotação de culpabilidade, expressa por uma falha (a mínima que seja), que precisa ser expiada repetidamente através de rituais para apaziguar a fúria de uma divindade. Fato que demonstra uma necessidade do homem (não só do primitivo, mas o neurótico obsessivo se encaixa aqui) em se libertar de uma lembrança (edípica no caso das neuroses) de uma falta, que precisa ser repetidamente expiada e mantida controlada através dos rituais.

Nessa acepção Freud (1914/1996, op. cit.) afirma que o paciente age de maneira agressiva com o analista no lugar de lembrar-se de desejos infantis referidos ao Édipo. Tal fato remete a uma culpabilidade primitiva referente ao desejo ambivalente de tomar o lugar do pai, detentor dos direitos sexuais sobre a mãe e ser punido por esse desejo. O „Agierem‟

é uma teatralização, uma representação, destes conflitos diante do analista. Para isso o

9 Tradução nossa.

paciente cria uma narrativa onde encena o seu desejo; o „Agierem‟, conforme pontua Assoun (1985), possibilitará, mediante o auxílio do analista, o „Abreagierem‟. Essa encenação agida contém um gérmen de histericização da relação analítica, descrito por Freud como o amor de transferência. É por meio do manejo dessa cena que se abre ao analista a possibilidade de solucionar os conflitos em jogo.

Particularmente na neurose obsessiva o pensamento pode se constituir como um substituto do ato, pensar sobre algo equivale à ação real, para isso é preciso uma série de rituais de expiação e evitação. Por esse motivo, explica Ferraz (2005), se o pensamento pode ser tomado como substituto do ato, o obsessivo é o tipo de paciente que não atua, ou atua muito pouco. “Ele vive à margem do ato, dominado pelo processo do pensamento.

Seu ato seria, então, um ato psíquico, estruturalmente diferente do acting-out” (Id., Ibid., p.

94). Tocamos neste ponto para evidenciar que a passagem ao ato pressupõe uma insuficiência do processo de pensar, o que vemos nos casos envolvendo uma passagem ao ato é um agir no qual predomina um caráter impulsivo.

No caso de um neurótico obsessivo há um compromisso entre o desejo e a censura, característica das neuroses de transferência, de forma que o ato obsessivo só acontece mediante uma conciliação, onde o sintoma que deveria afastar do eu o desejo proibido é a própria realização disfarçada deste desejo. Em verdade o ato obsessivo é produzido como uma defesa devido à ambivalência de sentimentos referentes ao pai. Por isso a atuação se manifesta no tratamento por uma repetição que ocupa o lugar da lembrança.

Com essas considerações queremos destacar a presença de uma passagem ao ato, que difere do „acting out’. O „acting out‟ se refere a uma atuação que substitui a narração, e para isso há uma encenação na qual o terapeuta se acha inserido devido ao vínculo transferencial. Entretanto, a passagem ao ato parece não conter qualquer ligação com a situação transferencial, sendo caracterizada como uma pura descarga sem representação.

Neste sentido a passagem ao ato coloca um obstáculo para o dispositivo clínico uma vez que a técnica analítica se movimenta dentro da linguagem, é pela palavra que chegamos à representação barrada, e neste caso o próprio poder das palavras é colocado em questão.

Baseado nisso o assassinato do pai da horda primeva pode ser visto como uma passagem ao ato, na qual o desejo se transforma em ato sem mediação do eu, não há um compromisso entre instâncias, mas uma pura descarga. As neuroses de transferência se caracterizam, sobretudo, por uma inibição da ação: devido ao papel preponderante da fantasia, “o pensamento constitui um substituto completo do ato” (FREUD,

1913[1912-13]/1996, op. cit., p. 162). Contudo para os irmãos da horda primeva, expulsos pelo pai opressor, passar ao ato constituía um substituto do pensamento, o que leva Freud a usar uma frase de Goethe para afirmar que “no princípio foi o ato” (Loc. cit.), foi a descarga e não o verbo. Vislumbra-se aí a presença de uma força que escapa ao domínio do psiquismo.

O sujeito não pode furtar-se do acúmulo de excitação, ele é forçado, então, a expulsar a quantidade para o exterior, sobre algum objeto, a fim de evitar, com isso, a angústia implacável. Somos “escravos da quantidade”, como afirma M‟Uzan (1984, op.

cit.). Dado a inesgotável produção de estímulos pulsionais, somos obrigados a dar um destino para esta quantidade, caso contrário ela se transforma em nosso inferno particular.

Isso denota um certo assujeitamento frente às forças pulsionais. Nas passagens ao ato o sujeito é impelido a transformar o desejo em ato como se estivesse dominado pelas forças em jogo, quando se passa ao ato “a descarga é total, é um retorno ao grau zero de excitação, em nenhum momento o princípio de prazer interveio” (Id., Ibid., p. 134)10.

M‟Uzan (Ibid.) usa como exemplo, para ilustrar a presença de uma compulsão à repetição nas passagens ao ato, o caso de um assassino sádico, no qual uma pressão incontrolável se exercia sobre ele fazendo-o cometer vários crimes. Após ser preso é questionado pelo júri sobre os motivos que o levaram a cometer atos tão brutais, ele grita suplicante: “Eu não podia agir de outra forma” (Id., Ibid., p. 129)11. O excesso de excitação flagrado nas passagens ao ato conduz não à neurose, onde um conflito se apresenta como um enigma marcado pelas lacunas da memória. A passagem ao ato remete a uma carência de sentido e, portanto, não há representação, o que se nota é um curto-circuito da representação e, por conseguinte, um limite ao método interpretativo proposto por Freud.

Ferenczi (1931/1997) nos traz um pouco mais de luz sobre essa questão. Para avançar em problemas clínicos conhecidos como os „casos difíceis‟, precisou modificar a técnica proposta na clínica freudiana tradicional, associando sua proposta da técnica ativa à de relaxamento e neocatarse. Este autor achava inadmissível contentar-se com fórmulas como: “a resistência do paciente é insuperável, ou o narcisismo não permite aprofundar mais este caso, ou a resignação fatalista em face do chamado estancamento de um caso”

(Id., Ibid., p. 71).

10 Tradução nossa.

11 Tradução nossa.

Durante o tratamento de uma paciente histérica cuja análise encontrava-se estancada, Ferenczi (1919/1997) estranhou o repetido comentário “sensações por baixo” (p. 2) sempre evocado durante as fantasias amorosas nas quais ele era o objeto de interesse. Então notou o modo como ela se deitava no divã, conservando as pernas cruzadas, esta posição possibilitava à paciente uma disfarçada atitude masturbatória, atitude a qual a paciente negou veementemente após ser informada.

Utilizando a técnica ativa o psicanalista conseguiu coibir essa passagem ao ato, caracterizada como “sintomas histéricos corporais” (Id., 1930/1997, p.62). Tais sintomas na verdade escondiam “símbolos mnêmicos corporais” (Loc. cit.), no sentido de

Utilizando a técnica ativa o psicanalista conseguiu coibir essa passagem ao ato, caracterizada como “sintomas histéricos corporais” (Id., 1930/1997, p.62). Tais sintomas na verdade escondiam “símbolos mnêmicos corporais” (Loc. cit.), no sentido de