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Capítulo 4 Conectando Conceitos de Design Participativo e Semiótica

4.2 Como a Semiótica Organizacional Pode Contribuir para o Design Participativo

Primeiramente temos que analisar os aspectos teóricos e filosóficos que servem como base para DP e SO. Um princípio básico do Design Participativo é a democracia no ambiente de trabalho; já na Análise Semântica e de Normas o subjetivismo é um dos princípios básicos. Analisando-os é possível extrair perguntas tais como: “Por quê a postura subjetivista estaria mais alinhada à democracia no ambiente de trabalho do que a postura objetivista?” “Como uma postura subjetivista poderia colaborar para a democracia no ambiente de trabalho?”

Durante o design de um sistema várias decisões devem ser tomadas; no caso específico de DP elas freqüentemente envolvem discussões por grupos de pessoas. “Qual seria a melhor decisão na interpretação objetivista: a que o grupo quer ou a que é

realmente melhor?” Na interpretação objetivista existe uma realidade independente do observador; portanto, a “melhor decisão” é independente da vontade do grupo e deve ser definida por quem (ou parte do grupo) supostamente seria mais hábil em identificar esta realidade. Por outro lado, a postura subjetivista interpreta a realidade como uma construção social do grupo. Desta maneira, a “melhor decisão” é construída pela interação entre os elementos do grupo; neste caso, se prevalecer o ambiente democrático a melhor decisão será vista como o consenso da maioria do grupo.

A seguir são apresentadas situações hipotéticas que ilustram casos freqüentes no design de sistemas utilizando DP, nos quais é difícil estabelecer-se uma verdade absoluta. Estas situações refletem decisões sobre aspectos do sistema desde o nível social até o nível físico do framework semiótico:

Nível Social: A implantação de uma determinada tecnologia na produção de uma fábrica pode resultar na demissão de vários funcionários. Talvez, olhando somente para a gerência, seja fácil extrair uma solução única e objetiva, como por exemplo: implantar o sistema imediatamente para aumentar a competitividade da empresa. No entanto, quando levamos a discussão a um contexto mais amplo e democrático, outros fatores são levantados, que vão desde aspectos humanitários como por exemplo “Como ficam as famílias daqueles que forem demitidos?”, até aspectos de interesse imediato da própria empresa: “Não seria melhor e mais barato não implantá- lo do que quebrar os acordos de estabilidade? Não poderíamos fazer uma implantação gradual e qualificar os funcionários a desenvolver outras funções, dados os custos de demissão?”. Em um contexto como este é difícil extrair e modelar uma solução objetiva; seria mais razoável analisar uma solução subjetiva que é construída pela interação entre os agentes no decorrer da discussão;

Nível Pragmático: Quando construímos um sistema devemos ter claros seus propósitos e ao mesmo tempo estes devem estar visíveis para ao usuário. Por exemplo, um sistema de sugestões pode pedir a identificação dos usuários para um plano de gratificações; qual seria a melhor maneira de passar as reais intenções ao usuário, de maneira que ele se sinta seguro sobre elas?

Talvez para alguns basta citar o número de um certo procedimento para que isto fique claro; entretanto para outros talvez seja necessário um aviso no sistema acompanhado de uma longa explicação. A solução para que as intenções por traz do software fiquem claras poderia ser construída durante as discussões e pode não ser possível estabelecer uma solução ideal baseada em uma verdade absoluta e independente de interpretação;

Nível Semântico: Qual é o melhor elemento gráfico para representar na interface do usuário o conceito de Brainstorming? Alguém individualmente pode sugerir que determinado ícone uma representação para o conceito; entretanto, o que faz sentido para alguns pode não fazer sentido para outros, isto é visível no próprio conceito de signo. Em DP técnicas como o Icon

design game são utilizadas para extrair uma decisão democrática sobre os

ícones que serão representados no sistema. Neste contexto os ícones da interface são criados e analisados, e a representação “ideal” é construída pela interação dos agentes durante a aplicação da técnica;

Nível Sintático: Que protocolo de rede e linguagem computacional utilizar? Isto pode parecer uma decisão somente para os desenvolvedores e pode ser simplesmente avaliada por parâmetros objetivos. Entretanto, o DP inclui mais pessoas no processo; desta maneira, parâmetros até então considerados objetivos como custos tornam-se passíveis de discussões. A escolha de uma linguagem pode influenciar no custo de desenvolvimento em função da habilidade prévia dos programadores na linguagem, necessidade de treinamento e a dificuldades de manutenção em longo prazo. Além disso, em algumas empresas, sistemas mais baratos podem significar disponibilidade de recursos para outras áreas. Mensurar os custos e benefícios de cada linguagem envolve discussões e nem sempre é possível estabelecer uma verdade absoluta sobre qual é a melhor opção. Desta maneira a solução é construída pela interação entre agentes no processo de discussão;

Nível Empírico: Qual capacidade de rede devemos almejar? Quanto maior a capacidade normalmente maior é o custo; quem realmente pode opinar sobre

o tempo de resposta aceitável para uma determinada tarefa são os usuários. Nem sempre a melhor solução tecnológica é a melhor solução para a organização; em DP o custo da tecnologia empregada é discutido por usuários e designers com diferentes concepções sobre o assunto;

Nível Físico: Qual hardware empregar? Em DP os designers não deveriam estar sozinhos nesta decisão; as necessidades e custos devem ser discutidos com usuários e desenvolvedores; desta maneira fica difícil estabelecer uma verdade absoluta e independente de interpretação sobre qual é a melhor opção. A solução adotada é construída pela discussão entre os agentes e a realidade sobre a melhor solução é construída sobre esta interação.

Outro aspecto a ser analisado sobre o ponto de vista da democracia no design de sistemas é que o valor do DP, em termos democráticos, fica reduzido caso apliquemos técnicas, obtenhamos relatórios e modelos, mas tivermos os designers apropriando-se do uso da palavra. Por exemplo, imagine que em um determinado contexto usuários desejam “resposta rápida do sistema”; os designers, através da apropriação do significado da palavra, podem usar o termo “resposta rápida” de várias maneiras diferentes, inclusive para pedir um hardware novo que melhore em alguns mili-segundos o tempo de resposta, o que pode ser insignificante em termos de benefícios aos usuários. Para evitar este tipo de situação entendemos que os signos são criados e compreendidos em um contexto social (no caso a organização). Portanto, durante a modelagem é fundamental utilizar conceitos que foram definidos e são compreendidos no contexto social, para manter os modelos conectados com a realidade deste contexto.

Os signos têm significados diferentes em diferentes culturas de acordo com a construção social. Por exemplo, a palavra “football” não tem o mesmo significado nos Estados Unidos e na Inglaterra, referindo-se a construções sociais diferentes. Da mesma maneira a palavra “casamento” tem diferentes significados em diferentes culturas. Uma alternativa é distinguir estes conceitos atribuindo a eles diferentes nomes em um sistema de classificação, mas esta abordagem tem no mínimo dois problemas:

1. É possível atribuir nomes que talvez não façam sentido no contexto social que é modelado. Por exemplo: podemos atribuir a expressão “Casamento

Brasileiro” para nos referirmos à palavra “Casamento” no contexto do Brasil, mas, como invenção do designer, pode significar qualquer coisa ferindo o princípio da democracia;

2. Algumas palavras têm tantos significados diferentes em diferentes contextos sociais que não é factível atribuir nomes diferentes para cada uma delas. Nós não podemos atribuir uma nova palavra para cada conceito que não encaixe em nosso sistema de classificação, pois o modelo ficaria incompreensível.

As palavras podem ser explicadas pelos padrões de comportamento dos grupos sociais. Na análise semântica nós não estamos tentando classificar as coisas, mas descrever o contexto social através de padrões de comportamento, que possuem normas (modeladas na análise de normas) dependentes do contexto em que estão associadas. Esta relação estreita entre o mundo social e os agentes promove uma explicação plausível de como os signos podem ser interpretados pelos agentes no contexto social.

Outro princípio básico do DP é interação e comunicação entre os participantes do design; entretanto para que isto ocorra é fundamental uma linguagem comum entre os designers e usuários. Esta tese apresenta como os modelos da Semiótica Organizacional podem aprimorar a comunicação entre os designers e usuários em um processo participativo de construção de um novo contexto organizacional. A suposição que a Semiótica Organizacional pode aprimorar a comunicação entre designers e usuários, está fundamentada no princípio de que os signos representados nos modelos são definidos em função de affordances e normas construídos pelas interações entre agentes no contexto que está sendo modelado. Além disso os modelos da SO são independentes da tecnologia empregada; eles podem ser utilizados para revisão de métodos de trabalho ou simplesmente como um artefato para discussão independente da tecnologia empregada para modelar o sistema.

4.3 Como o Design Participativo Pode Contribuir para