• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 6 TRILHAS MAPEADAS, MALAS PRONTAS, ESTRADA

6.2 Visões prévias dos educandos do 3° ano “A” do Ensino Médio do Colégio

6.2.5 Como trabalham os cientistas e o “método científico”

Durante o primeiro encontro – “Espelho, espelho meu, diga-me que cientista sou eu!” – solicitei aos três conjuntos de educandos em que se organizou o grupo de pesquisa para aquele momento, que procurassem agrupar em blocos distintos as imagens de pessoas recortadas do seu contexto, que estavam sendo projetadas sob a forma de slides, assinalando quais se relacionavam ou não com ciências.

Por não terem sido estabelecidos critérios prévios para essa divisão, os educandos estiveram a todo o tempo livres para definir os seus próprios quesitos de organização, o que acabou por resultar em três formações distintas (Quadros 8-10 – APÊNDICE Q), que, entretanto, guardavam consigo um ponto em comum: a visão estereotipada da figura do cientista e do seu trabalho.

Apesar dos 3 grupos terem formados diferentes conjuntos para organizar as 40 imagens projetadas sob a forma de slides (APÊNDICE H), todos utilizaram critérios muito semelhantes para afirmar se as pessoas guardavam ou não alguma relação com as ciências.

De um modo geral, dois grupos denominaram como cientistas aquelas pessoas cujas imagens estavam vinculadas a: (1) equipamentos tecnológicos; (2) instrumentos e acessórios que, normalmente, ou são utilizados em laboratórios ou o senso comum pressupõe que o seja; (3) jaleco como vestimenta; (4) imagens caricaturadas de pesquisadores.

Em relação às imagens de alguns pesquisadores e cientistas, que estavam presentes no conjunto de imagens, os educandos as colocarem em outros conjuntos, reconhecendo, entretanto que, de algum modo, estas pessoas guardavam relação com as ciências.

Por que, então, não os consideraram como cientistas? O que havia (ou deixava de haver) nessas imagens que não os permitiu classificá-las como tal?

Trechos das falas de alguns educandos parecem justificar esse aparente contrassenso, que pode ser explicado pela visão estereotipada que alunos da educação básica apresentam da figura do cientista e do seu trabalho, que predominou nas classificações, e que também foi apontada por autores como Gil-Pérez et al (2001); Kosminsky e Giordan (2002); Silva et al (2005); Zompero; Garcia; Arruda (2005); Reis e Galvão (2006) e Tomazi et al (2009).

Ester: Interessante a divisão que vocês do grupo 1 e do grupo 2 fizeram. Vocês disseram, agora a pouco, por exemplo, que o pesquisador retratado na imagem 5 não é um cientista, porém está relacionado às ciências. Ora: se está relacionado com as ciências, por que não o denominaram cientista?

Emmet: Ué, professora! A gente ficou na dúvida mesmo. Mas é porque eu pensei assim: pesquisador é o cara que faz pesquisa, então, de certo modo, ele trabalha com ciência, mas o cientista, esse sim descobre e inventa as coisas. Além disso, o cara da figura 5 não tá usando jaleco, não tá trabalhando no laboratório. Ah, em nada tá lembrando um verdadeiro cientista.

Ester: Quer dizer então, Emmet, que um pesquisador não é um cientista? Mas e o cientista... ele é um pesquisador?

Emmet: A senhora tá me confundido, professora. Acho que é assim, ó: se a pessoa trabalha num laboratório criando ou descobrindo coisas, seguindo o método científico, ela é um cientista. E claro, pra fazer tudo isso, tem que estudar e pesquisar muito. Mas se a pessoa só pesquisa, como eu acho que é o caso do homem da figura 5, ele não é um cientista, só um pesquisador.

Ester: E o que é um cientista verdadeiro? Isso realmente existe?

Emmet: Eu acho que existe sim, professora. E pra mim é aquela pessoa que desde pequena já inventa e vê coisas que ninguém mais vê. Esse é o cientista verdadeiro. Mas tem aqueles que só trabalham no laboratório, como o cara que analisa um exame de urina, por exemplo. Pra mim esse não é um cientista de verdade.

Ester: Mas como então, pra vocês, seria o trabalho dos cientistas? E esse método científico... o que que é?

Alice: Não sei se eu tô certa, professora, mas me lembro da professora Cynara explicar que o trabalho do cientista era uma coisa muito certinha e que seguia sempre um monte de regras que ela disse que era chamada de método científico.

Jasper: Todo ano, quando a gente vai ter a primeira aula de laboratório, o professor Pacífico gasta uma aula inteira falando só sobre isso. É uma chatice porque ele sempre fala a mesma coisa e usa exemplos muito antigos. Daí eu nem presto muita atenção. Se eu não me engano, tem um negócio de observar primeiro, montar uma hipótese, fazer o experimento e depois, em cima do resultado verdadeiro montar a teoria científica. Mas eu acho que é isso aí mesmo que a Alice falou.

Ester: Todos vocês concordam com o que a Alice e o Jasper disseram?

Carlisle: Eu acho que não é bem assim não. Até concordo que o cientista trabalha muito fazendo experimentos, mas pra mim não existe um método científico. Acho que pra cada tipo de pesquisa eles podem usar estratégias diferentes. Se fosse assim era muito fácil ser um cientista, qualquer um podia ser. Era só seguir todas essas regrinhas que o Jasper falou. Prova maior de que isso não existe é quando a gente vai pro laboratório o professor sempre dá pra gente um roteiro da aula prática, mas às vezes mesmo a gente seguindo passo a passo o que tá escrito ali, o resultado ainda dá errado.

Leah: É complicado dizer se existe esse tal método científico ou não, professora, porque no livro de ciências da sexta série, por exemplo, quando a gente tava estudando a biogênese, eu acho, eu lembro que lendo sobre o experimento que Pasteur fez tava escrito que ele só conseguiu provar que o que ele tava falando era verdade porque ele seguiu uma série de regras pra fazer o experimento dele. Mas pensando bem, acho que o Carlisle tem razão no que ele falou porque é mesmo verdade, tem muita vez que a gente vai pro laboratório, pensa que tá fazendo tudo certo e no final dá tudo errado.

Confrontando as falas de Alice, Jasper e Emmet com as informações da Figura 5, noto que, de uma maneira geral, os educandos do grupo de pesquisa tinham o trabalho com experimentos como quesito fundamental para a produção de conhecimento por parte dos cientistas, seja para confirmar o que já julgavam fosse acontecer (6 educandos – Fig. 5) ou sem pensar nos resultados que poderiam encontrar (9 educandos – Fig. 5), pois apenas 3 educandos (Fig. 5) apontaram que é possível produzir conhecimento científico utilizando apenas o pensamento e o raciocínio para chegar às conclusões.

Analisando também as ilustrações de cientistas produzidas pelos educandos (ANEXO A), parece, então, ficar claro que, para o grupo, de um modo geral, o trabalho do cientista está diretamente associado a estudo, descobertas e à realização de experimentos.

Quanto à existência do “método científico”, as opiniões estiveram divididas e alguns educandos preferiram não se pronunciar a respeito. Talvez não tivessem certeza quanto a que posicionamento assumir ou não tivessem clareza suficiente acerca da natureza das ciências. Apesar de terem participado, na escola, de um trabalho sobre esse assunto, realizado no Projeto de Iniciação Científica Júnior36, não pareceram suficientemente esclarecidos a respeito da natureza das ciências e como se dá o trabalho dos cientistas.

36 É um projeto desenvolvido no Colégio GAIA, desde 2009, com alunos a partir do 6º ano do EF II até o 3º ano

do EM, dentro das aulas de ciências da natureza (biologia, física e química), e visa preparar o educando para a vida, pautando-se em práticas pedagógicas baseadas em uma abordagem Ciência-Tecnologia-Sociedade- Ambiente (CTSA), suscitando a curiosidade científica no educando e propiciando ferramentas (recursos) para

Carlisle, de maneira contrária aos demais, foi bastante enfático ao externar que não acreditava na existência de um único método científico: “[...] mas pra mim não existe um método científico [...] pra cada tipo de pesquisa eles podem usar estratégias diferentes [...].”

Em contrapartida, a organização proposta pelos educandos do terceiro grupo revelou que pelo menos um dos integrantes do grupo, provavelmente Carlisle, por trechos de suas falas anteriormente analisados, possuía uma visão mais contextualista e problematizadora das ciências.

O terceiro grupo reconheceu como cientista o filósofo caricaturado e, embora não tenha reconhecido Leonardo da Vinci como cientista, afirmou que o mesmo guardava relação com as ciências.