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CAPÍTULO III - MENDES GONÇALVES: UM GRUPO ESCOLAR NA FRONTEIRA

4.1 Companhia Mate Laranjeira (1882-1903)

Segundo pesquisador Valdir Gregory e Erneldo Schallenberger, o ciclo de

exploração da erva-mate, conduzido pela Mate Laranjeira, têm origem com os

desdobramentos da guerra da Tríplice Aliança.

Francisco Mendes Gonçalves nasceu em 18 de julho de 1847 na Ilha da

Madeira, Portugal, numa aldeia de nome Campanário. Era filho do Dr. José Ricardo de

Freitas e D. Leocádia Carolina Gonçalves de Andrade. Seu pai era formado em

Medicina e exercia sua função de médico na referida ilha. No exercício de sua profissão

vieram várias vezes ao Brasil, pois como médico atuava em vapores que cruzavam os

oceanos rumo ao Brasil. Nestas viagens aproveitava para visitar seu cunhado, Dr.

Manoel Joaquim Gonçalves de Andrade, “[...] irmão de sua esposa e 5º Bispo da

Província de São Paulo” (PANEGIRICO, 1941, p. 10).

Ao aceitar o convite de seu tio Bispo de São Paulo e capelão mor do Império

do Brasil, Ricardo Antônio Mendes de Gonçalves, mudou-se para o Brasil e tornou-se

um comerciante próspero. Após o falecimento de seu pai, fez vir de Portugal, sua mãe e

seus irmãos mais jovens.

Ao iniciar a Guerra do Paraguai Ricardo Antônio Mendes de Gonçalves

acompanhou o Exército brasileiro como fornecedor de alimentos e levou consigo, como

ajudante, Francisco Mendes Gonçalves, que fez amizade com oficiais brasileiros,

argentinos e com Thomás Laranjeira, que ajudava no fornecimento de víveres para o

exército. Ao findar da Guerra, Francisco Mendes Gonçalves e Tomaz tiveram a “[...]

idéia de um empreendimento comercial para explorar o intercambio de produtos

agrícolas e extrativos entre o Brasil, o Paraguai e a Argentina” (PANEGIRICO, 1941, p.

11).

No ano de 1872 foi assinado o tratado de Paz e Limites entre o Império do

Brasil e a República Paraguaia. A fim de demarcar as novas fronteiras entre os dois

países, foi composta uma Comissão de brasileiros e paraguaios que realizou a

demarcação no período de 1872 a 1874. Desta comissão fazia parte Thomas Larajeira e

Ernesto Paiva ambos empregados dos fornecedores de mercadorias para a equipe

demarcatória (Cf. ROSA, 2004, p. 19).

Segundo Rosa (2004) ao findar os trabalhos demarcatórios, “[...] estavam os

pagamentos em atraso, [...]. Então o patrão, [...] para liquidação de contas, propôs

repartir entre eles o pouco dinheiro de que dispunha na ocasião, entregando-lhes três

carretas com bois e uma casa em Porto Alegre.

Ernesto Paiva, como estava noivo, ficou com a casa e retornou para Porto

Alegre. Thomas Laranjeira recebeu três carretas com bois e permaneceu na fronteira

“[...] na elaboração da erva-mate, para o que foi ao Rio Grande do Sul, de lá trazendo os

auxiliares de que necessitava, para organização dos trabalhos” (ROSA, 2004, p. 20).

Gressler e Swensson (1981) destacam que Thomas Laranjeira, ao conhecer o “[...]

mercado consumidor de erva-mate no sul do continente; da existência de enorme ervais

inexplorados na região de fronteira [...] e da ocorrência de [...] mão-de-obra [...]

resolveu permanecer e iniciar a industrialização da erva” (GRESSLER e SWENSSON,

1981, 28).

Segundo Queiroz (2009) no Sul do antigo Estado de Mato Grosso, os ervais

estavam situados em áreas “[...] devolutas, de modo que as concessões para exploração

consistiam em contratos, aliás temporários, de arrendamento (e não de venda) [...]

(QUEIROZ, 2009, p. 2).

Vale frisar ainda, que esta região era habitada “[...] esparsamente por

populações indígenas e, de modo ainda mais esparso, por não-índios (sendo considerada

na verdade um sertão bruto)” (QUEIROZ, 2009, p. 2). A primeira concessão foi obtida

em 1882 por Thomas Laranjeira e obteve sua concessão graças às relações de amizade

que estabelecera com os dirigentes da província de Mato Grosso. A esse respeito

Queiroz (2009) comenta:

De fato, Laranjeira era amigo também, coincidentemente, do primeiro governador nomeado para Mato Grosso após a instauração da República, e por esse meio obteve do governo federal provisório, já em junho de 1890, direitos exclusivos sobre a exploração de uma vastíssima área, que abrangia quase toda a região ervateira do estado [...] em junho do ano seguinte, Laranjeira obteve também autorização para organizar, sob a denominação de Companhia Mate Laranjeira, uma sociedade anônima que teria como principal finalidade explorar a referida concessão (Decreto n. 436C, de 4.7.1891) (QUEIROZ, 2009, p. 3).

Gressler e Swensson (1981) destacam que o sucesso do empreendimento veio

rápido, dado que em 1880 a Empresa já contava com 250 mineros para a preparação e

transporte da erva-mate. Os primeiros empregados de Thomás foram “[...] João Lima,

gerente, Antônio Inácio da Trindade e Francisco Xavier Pedroso, compradores de gado,

e Gabriel Machado, encarregado da fazenda Santa Virgínia, abastecedora de gado aos

ranchos ervateiros” (ROSA, Apud, Figueiredo 1968, Apud, GRESSLER e

SWENSSON, 1981, p. 28).

A partir de 1883, a Empresa ganhou força com a entrada dos acionistas

Joaquim Murtinho e Francisco Murtinho; a união de capital fez nascer a Companhia

Mate Laranjeira, que passou a elaborar e exportar a erva, com exclusividade para a

firma Francisco Mendes & Companhia, de Buenos Aires.

A Sociedade Comercial Francisco Mendes e Companhia, de origem argentina,

tinha como objetivo a industrialização e a venda da erva-mate recebida do Brasil e do

Paraguai, sendo fundada em 1874, por Francisco Mendes Gonçalves. De acordo com

Gregory e Schallenberger (2008), no início das operações comerciais da Empresa Mate

Laranjeira em 1883, a produção de erva-mate era escoada partindo de Ponta Porã

alcançando Conceição no Paraguai, de onde seguia pelo rio Paraguai até Buenos Aires.

Após o ingresso dos irmãos Murtinho, como sócios da Empresa, deu-se a

construção de um porto, denominado de Porto Murtinho, localizado no sudoeste do

atual Estado de Mato Grosso do Sul.

A partir de então a erva-mate destinada a exportação passou a ser levada até a

referida localidade, percorrendo mais de 300 quilômetros de estradas. Paulo Alberto

Tomazinho (1981) comenta que “[...] na estrada carreteira para Porto Murtinho, onde

viajavam as tropas, foram construídos grandes armazéns e depósitos em Limeira,

Margarida, Perdido e São Roque que serviriam como ponto de abastecimento e recursos

às tropas” (TOMAZINHO, 1981, p. 43). Contudo, o sistema de transporte envolvia

numerosa equipe para que pudesse funcionar, aspecto que causou transtornos

administrativos envolvendo as grandes distâncias, gastos excessivos com as tropas e

demora da viagem, cujo tempo de percurso podia durar até um mês.

Diante desse quadro, os administradores da Companhia Mate Laranjeira,

buscaram outra via para o escoamento da produção; passaram a utilizar os canais de

navegação dos cursos d’água que deságuavam no rio Paraná, como rio Amambaí,

Iguatemi, Dourados, Brilhante e Ivinhema.

Além disso, desviavam-se por terra no trecho entre Guaíra e Porto Mendes,

região na qual o rio Paraná não oferecia condições de navegação em virtude das Sete

Quedas, promovendo rapidez e eficiência de transporte.

A Companhia Mate Laranjeira foi efetivamente erigida em 5 de setembro de

1891, na cidade do Rio de Janeiro, sendo constituída por 15.000 ações no valor de 3 mil

contos de réis cada. Na mesma data foi fundado o Banco Rio Branco que recebeu

14.540 ações, sendo o Mantenedor da mesma Companhia. A partir de então a ação de

Francisco Mendes Gonçalves, Thomás Laranjeira e demais sócios se converteu numa

ação Empresarial. Objetivamente, não encontramos ações individuais dos mesmos, mas

ações corporativas nas quais a Empresa absorveu para si a figura dos indivíduos. Sendo

assim, ao se tratar de questões relativas à exploração ervateira, ônus e bônus para a

região de Ponta Porã, não entram em evidência os indivíduos, mas a Empresa e seus

dirigentes locais.

Queiroz (2009) destaca que apesar da referida Empresa ter assumido diversas

configurações e denominações no decorrer da sua história, ela ficou conhecida

historicamente pelo nome adotado no ato de sua fundação em 1891, Companhia Mate

Laranjeira, mantendo seu domínio nos ervais do sul do antigo Estado de Mato Grosso

até meados da década de 1940. Dado que a extração da erva-mate era o negócio mais

lucrativo no sul do Estado de Mato Grosso, e que tinha um mercado consumidor seguro,

a Companhia Mate Laranjeira passou a investir em grandes infra-estruturas de extração

e transporte da erva na região.

No processo produtivo, as relações de trabalho entre os patrões e os chamados

mineros eram as piores possíveis. Ao que indicam nossas leituras, os nativos eram

vistos como mão de obra barata, semi-escravizada. A esse respeito, Ferreira (2007)

infere que estes eram vistos pelos empreendedores do mate, como “[...] um recurso

disponível para ser explorados” (FERREIRA, 2007, p. 56).

Sob a ótica dos prespostos da Cia Matte parece que era considerado legítimo apropriar-se da mão-de-obra indígena, da mesma maneira que apropriavam de seus ervais nativos. Os índios eram, também, nativos e parece que foram percebidos como parte da natureza e não como homens portadores de cultura diferenciada. Incorporá-los ao trabalho da erva poderia até ser percebido como uma contribuição para encaminhá-los no processo civilizador, forçando-os a se incluírem numa atividade econômica (FERREIRA, 2007, p. 56).

Para fazer funcionar o processo produtivo da extração da erva-mate, a Empresa

recrutava mão de obra barata no Paraguai, chegando “[...] a mobilizar milhares de

trabalhadores, dentre os quais a maioria era constituída pelos [...] indígenas e

principalmente paraguaios” (QUEIROZ, 2009, p. 4). Ao que tudo indica o pagamento

para o trabalhador em geral era desonesto, com certeza a situação deveria ser mais

desfavorável para o nativo devido ao preconceito que sofria (Cf. FERREIRA, 2007, p.

56).

Para fins de escoamento da produção, a Companhia Mate Laranjeira adquiriu no

ano de 1902 os direitos sobre o Porto Mojoli, outrora pertencente ao argentino Francisco

Mojoli, que operava no comércio de madeiras na região. Tais acontecimentos

culminaram na montagem da infra-estrutura portuária e de transporte, promovendo o

surgimento da ferrovia Porto Guaíra a Porto Mendes, antigo Porto Mojoli.

A mudança da rota das exportações da erva-mate, do “[...] rio Paraguai para o

rio Paraná, fez surgir o núcleo populacional que deu origem a Guaíra atual” (GREGORI

& SCHALLENBERGER, 2008, p. 192-193). Estes autores sustentam que em meados

de 1902, na região de Guaíra, começaram a ser construídas casas para abrigar

trabalhadores ligados à Companhia Mate Laranjeira. As atividades da Empresa

envolviam operários que trabalhavam na construção das estradas, sendo instalados na

Vila Mazón, e os que laboravam no porto Mojoli, nas oficinas e carpintarias habitaram a

Vila Y nas cercanias do futuro povoado de Guaíra. Contudo com o aumento dos

empregados da Companhia, as vilas se fundiram num único núcleo populacional que

futuramente se transformaria em Guaíra.

Quanto a Escola para os nativos, era inexistente, pois sendo parte integrante da

natureza, não era necessário educá-los, a não ser que fosse um meio efetivo para

subjugá-los. De forma concreta, as crianças indígenas não precisam ir para escola, pois

sendo considerados naturais, eram apenas educadas para o trabalho. Contudo, as

populações indígenas e paraguaias não eram totalmente passivas ao processo de

exploração, dado que era prática comum o castigo corporal aplicado em determinadas

circunstancias da vida cotidiana. Centeno (2007), ao comentar os relatos

memorialísticos de Hélio Serejo, destaca alguns instrumentos de tortura, tais como o

Tronco, o Mborerí-piré, ou Teyú-Ruguay definido como um “[...] [...] terrível chicote

feito, em largas tiras, com couro de anta [...] poderosa arma para vingança e castigo nos

ervais” (SEREJO, 197-d , p. 22, Apud CENTENO 2007B, p. 6). Serejo menciona que o

“[...] corpo do peão surrado por ele [Mborerí-piré, ou Teyú-Ruguay] externamente, não

deixa qualquer espécie de marca ou sinal, porém, internamente, feria gravemente e

arrebentava órgãos” (SEREJO, 197-d , p. 22, Apud CENTENO 2007B, p. 6).